SOLAR DE ANIS 1-12
SOLAR DE ANIS I (2008)
Seria irônico retornar um dia
e ler quantas tolices escrevi,
quando meu coração não mais por ti
bater uma só vez, em elegia...
Seria irônico, se essa melodia,
tão ensaiada a cada vez que vi
luzir teus olhos, quando revivi
a ânsia seca que a alma me iludia,
cantada uma só vez, fosse aplaudida,
apenas fracamente e nem sequer
eu mesmo amasse tal execução...
Mas só lembrasse essa ilusão perdida,
apenas pelo cheiro da mulher
que um dia executou meu coração.
SOLAR DE ANIS II
Bem que eu queria criar o meu futuro.
Quanto de mim depende, assim o faço
e para mais fazer, não tenho espaço
e nem sequer de mim estou seguro.
Se algo existe então em que amarguro
é saber que não posso armar um laço
e te prender em permanente abraço:
e beijo apenas teu fantasma puro...
Queria ter certeza que à minha frente
se encontrem dias de uma eterna flor,
na primavera de uma azul estrela.
Não sei se os vou encontrar e estou descrente
de desfrutar algum dia tal amor,
por mais que te perceba ainda mais bela.
SOLAR DE ANIS III
Os beijos que me deste, plantarei
nas costas de minha mão, para que cresçam
e, pela derme, até a carne desçam,
para fazerem parte de minha grei.
Os beijos que me deste, colarei
nas plantas de meus pés, que não esqueçam
o caminho até ti, como não cessam
as saudades que de ti eu sentirei.
E que farei com a pressão de teus abraços?
Eu, que não gosto de calor, trarei
bem firme contra o peito o seu ardor,
que me preencha todos os espaços:
sejam instantes iguais aos que te dei,
na memória perdida deste amor.
SOLAR DE ANIS IV
Por ti anseio, muito mais que pensas:
quero teu gosto, teu cheiro, teu nariz
colado ao meu... Servir de almofariz
para tuas raivas, por mais que sejam tensas.
De meu amor eu quero te convenças,
que amor maior que este, em que te quis,
não acharás perdido em chafariz
de elogios e promessas, por mais densas
que sejam as de outros pretendentes.
Eu sei que és minha, bem fundo ao coração,
por mais que te comportes de arredia...
Sei que me queres, mesmo que ainda tentes
te convencer de que é rasa essa emoção,
enraizada em nós dois dia após dia...
SOLAR DE ANIS V
Por ti já fiz de tudo e demonstrei,
por gestos e palavras, por ações,
o quão profundas são minhas emoções,
muito mais sérias que do mundo a lei.
Quem tem amor, demonstra e já te dei,
mês após mês, contra quaisquer razões,
as provas simples destas ilusões,
tão mais concretas quais nunca as gozei.
Pois sempre me esforcei por compensar
o que a vida não te deu ou já tirou,
sem me lançar ao usufruto do desejo.
Talvez te perca, depois de tanto dar:
quem muito concedeu, nada ganhou,
pois faço tanto e nem sequer te vejo.
SOLAR DE ANIS VI
Pois às vezes, amor morre por ser forte
e a si mesmo de fome consumir:
amor que tanto assusta no exigir
e acaba provocando a própria morte.
Amor que desafia a mesma sorte,
amor que tudo mais quer excluir,
amor faminto, sedento em seu rugir,
que a própria mente, de um só talho, corte.
Às vezes, esse amor é transitório,
por mais avassaladora sua paixão:
se auto-consome em sua exaltação.
Mas de outras, não tem nada de ilusório:
perdura muito mais que se queria,
conservado a vida inteira e mais um dia!
SOLAR DE ANIS VII
Se falo assim de amor, é que sei bem
de quanto falo, quando falo assim.
Não é amor de falo, que tem fim,
porém amor de coração também.
Eu canto assim de amor; sinto, porém,
que é coisa minha tal amor, enfim,
que não retorna... Pois para isso eu vim,
por dar amor a quem amor não tem.
Pois quando amor se dá, amor nos vem,
com mais intensidade e não se gasta;
mas quando se recebe, é menos forte.
Amor real é quando amor contém
de modo tal que amor sequer nos basta
para aceitar do amor a triste sorte.
SOLAR DE ANIS VIII
O amor que tenho é o consolo dos aflitos,
dos que preferem dar que receber.
Não que não queiram um outro amor beber,
mas se contentam e pensam ser benditos
por dar mais que recebem. Os seus gritos
são mudos. Não esperam nada ter,
por motivo qualquer, nem pertencer
a qualquer lealdade. São malditos
ao ensaiarem romper tal ilusão...
Queimaram já seus dedos e preferem
viver assim, na ausência de carinho.
Porque, no fundo, conservam a paixão,
ao distribuir aos outros o que querem,
pois receber somente é mais mesquinho...
SOLAR DE ANIS IX
E assim, quem amor dá, amor recebe,
mesmo que não retribuam, pois mais cresce
o amor que em nossa mente assim floresce,
que esse amor imperfeito que se bebe...
Pois bem maior é o amor que se concebe
e que se dá, em mudas de viver...
Amor em permanente enverdecer
do que o amor que nos dedos se percebe.
Pois quando vem de fora, tal amor,
por mais forte que seja, tem de ser
constantemente um renovar também;
e é na outra que cresce o seu calor,
e é em sua alma que se vai fortalecer,
porém não nos renova o próprio bem.
SOLAR DE ANIS X
Nossos poemas nem só de amor se fazem.
O ódio é um tema que teme a humanidade...
Por mais que o sintam, em véu de opacidade
ele é escondido no ardor com que reagem
à raiva e ao rancor. E assim desfazem
esse ódio aos desafetos em bondade,
na ocultação da fúria ou da maldade,
que com poesia lhes parece não se casem...
Também eu muito odiei e odeio ainda,
mas não me vingo e nem guardo rancor,
somente cedo à fúria do momento.
Mas, nos meus versos, a cólera se finda,
na difusa irradiação de seu calor,
manifestado em mais brando sentimento.
SOLAR DE ANIS XI
Não é que eu seja tolo ou enganado
me sinta em relação a outras pessoas.
Sei que existem gentes más e gentes boas,
todos humanos vivendo do meu lado.
Mas algo existe em mim, amor sagrado
ou efeito natural de antigas loas,
que me leva a esquecer coisas atoas
e por bem retribuir mal encontrado.
Não que eu seja melhor. Assim eu sou,
porque rancor é coisa cansativa,
que nos rói fundo e fundo nos corrói.
É bem mais fácil se amor se alimentou,
em fogo brando, que da raiva nos esquiva,
sem esquecer que no peito ainda nos dói.
SOLAR DE ANIS XII
O gênio da garrafa, por tolice,
deixou-se aprisionar e o lacre antigo
selou o seu destino e por abrigo
teve as ondas do mar sem que mais visse.
Em seu longo cativeiro, até a velhice,
havia jurado, em derradeiro artigo,
matar quem o salvasse do perigo...
Mas quem o libertou, segundo diz-se,
Rapidamente o conseguiu enganar,
pois era ainda tolo e arrolhado
foi de volta nessa bilha enfeitiçada.
E assim é o amor, que após me conquistar,
prendeu-me na garrafa, bem tampado,
e me lançou no mar, sem me dar nada...
William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com