ESTRELA AZUL & MAIS
ESTRELA AZUL
Eu não te mentirei que és a mulher mais bela
que já encontrei na vida; se me olhares, porém,
com o rosto de amor cheio, serás ela
e no alvo de meus sonhos te tornarei também...
Eu não te mentirei que és fonte de um desejo
irresistível... mais que outro qualquer.
Mas se me abraças gentil, solta num beijo,
então mais do que tudo te quererei, mulher...
Eu não te mentirei que és meu amor primeiro:
Tampouco fui primeiro no coração dileto.
Só quero que compreendas meu sonho derradeiro:
Que ninguém mais eu ame, se me fores perdida;
que não haja mais outra, por longa seja a vida;
que sejas o meu último e derradeiro afeto.
AS JOVENS DE ROMA XXX
TARÂNTIA
O QUE EU QUERIA ERA AMOR APAIXONADO,
COMO HÁ MUITO NÃO TENHO, POR DESPEITO
DO VÃO CARINHO MEU, POR MAIS QUE DESVELADO
ME HAJA DEMONSTRADO, SOB QUALQUER CONCEITO.
MAS É QUE ELA REPELE MEUS AVANÇOS,
COMO SE INJÚRIAS FOSSEM... E EU QUERIA
QUE APENAS ME TOCASSE, SABER QUE PODIA
CONFIAR EM BEIJOS LONGOS, BEIJOS MANSOS.
E, NO ENTANTO, SÃO SÓ CURTOS ABRAÇOS
E A BOCA MAL ME ROÇA QUANDO BEIJA:
QUASE NUNCA RETRIBUI MINHA CARÍCIA...
ESSA MULHER ESTRANHA, CUJOS TRAÇOS
NUNCA SE ABRANDAM, MESMO QUANDO ENSEJA
ESSE AMOR CONJUGAL DE IMPUDICÍCIA...
JOVENS DE ROMA XXXI
POMPÍLIA
DE NADA ME SERVIU TER SIDO HONESTO
E NUNCA LHE MENTIR, SEMPRE SINCERO
E CUMPRIDOR DE MINHA PROMESSA, UM VERO
ROMANO ANTIGO, EM TUDO MANIFESTO.
E LOGO EU, QUE GOSTO DE CARINHO,
DE SER GENTIL, AMÁVEL, CONTRIBUINDO,
COM MAIS DO QUE MINHA PARTE, RETRIBUINDO
O GESTO INESPERADO, QUAL ESPINHO,
COM MAIS AGRADOS... QUANTA VEZ PERDOEI
A FRASE AMARGURADA E IMERECIDA...
OU PELO QUE ELA FEZ, ME DESCULPEI...
E AGORA, ELA ME DIZ NÃO TER PACIÊNCIA,
NEGANDO-ME A BELEZA INFLORESCIDA
DE SEU SORRISO, EM CRUA IMPENITÊNCIA...
AS JOVENS DE ROMA XXXIII
VITELLIA OU A PEDRA DE SANGUE
MAMILOS PEQUENOS, MAMILOS DE ROSA,
DE ROSA MAMILOS, DE ROSA BOTÃO,
CONTIDOS A MEDO, COMO É PODEROSA
A MÓRULA TÍMIDA DE TAL ATRAÇÃO...
DEPOIS, PELO PÚBIS DE ESCASSOS CABELOS,
OS DEDOS ANSIOSOS, A FÚRIA DOS DEDOS,
OS OLHOS DOS DEDOS, DOS DEDOS DESVELOS,
NA BUSCA INCESSANTE DE NOVOS SEGREDOS...
E ENTÃO, FINALMENTE, AO ABRIR-SE DA TÚNICA
E NA QUEDA DA TOGA E NA ÂNSIA FRENÉTICA
DA CARNE TOMADA, AO CANTAR DE AFRODITE,
É CÁLIDA A INFRAÇÃO, EM TAL OFENSA JÚNICA,
DA MENTE DUVIDOSA, DE TODA CULPA CÉTICA,
DE TAL AMOR FRUÍDO EM CLIMA DE ANTRACITE...
DESPRAZER
Na faixa azul eu vejo meu destino,
em que quadrados mágicos se alinham,
com precisão de cor e se avizinham
os cantos triunfais a que me inclino...
Mas sem jamais ouvir senão o sino
que dobra contra mim, pois se amesquinham
os meus desejos: quantos se continham
na esperança oscilante em que me atino.
A buscar alvos vãos, sempre parece
que algo se aproxima e a mão estendo,
ansiosamente, num esgar de prece,
a um Fado sorridente; e não entendo
abrindo as garras, que esse ardor que cresce
desaparece... no instante em que o compreendo.
ROSEABRANCA
Custo a crer que a ternura me retorne,
Depois desses períodos afastada:
Tenho medo que de novo me conforme
A esperar ver minha vida conquistada,
Por tal mulher que chega e me domina,
Depois se vai e totalmente esquece
Seu carinhoso ser, que me fascina,
Que mente e o coração tanto me aquece.
Pois posso ver, na tela do destino,
Que tal querer é pura imantação,
Que num relance a mim magnetiza.
Não sou o ímã que o ferro hipnotiza,
Sou só limalha presa em desatino,
Num rebotalho transiente de ilusão.
MADREPÉROLA
Deuses, eu quero. Cansei de um puro amor
a quem já me entreguei completamente,
mas que não soube nunca dar valor
e agora me repele, descontente...
Deuses, eu quero... Cansei de tolas luzes,
de amoras mornas, velhas, ressequidas,
de amores novos, mortos, arcabuzes
apontados para bênçãos mal urdidas...
Quais se aproximam de mim e são cortadas,
lanceteadas, alvejadas, asseteadas,
pelas armas dos guardiões da má fortuna.
Deuses, eu quero!... As horas desgastadas
não mais existem. Quero a nova escuna,
que me transporte às grutas nacaradas...
REVERÊNCIA
Eu te agradeço, em tom de melopéia,
por teu amor, teu ventre, tua saliva,
pelos teus beijos, teu sangue, pela altiva
e esplendorosa aventura de epopéia!...
Eu te agradeço também pela odisséia,
pelo mediterrâneo périplo do corpo
que navegar deixaste e pela incorpo-
rada beatificação da deusa atéia!...
Pelo mágico ritual da virgindade
sacrificada à terra e pela espúria
cenobitização da castidade...
Pela cadência irreal e consumada,
pelos lábios clamando mais injúria
até sentirem sua alma fecundada...
AMOR DE CÂMARA I
Sou auditivo: a música me atrai
imensamente; e me prende a atenção,
a ponto tal, que mesmo na emoção
de um beijo de amor é o som que me distrai
E sigo a melodia em todos seus compassos,
a orquestração, figuras, a harmonia...
É meu primeiro amor... A nostalgia
faz-me até esquecer de quem nos braços
eu tenha no momento. E o sexo
é diluído no gozo da elegia,
torna-se palha arrastada pela melgar...
É no silêncio que o amor encontra nexo...
Quem mais que tu assim me induziria a
fazer amor ao som de Lorde Elgar...?
melgar or melga is a farm tool to drag straw. a hard rhyme to find for the composer's foreign name, but fits meaning and works rhythm. and the title, of course, is an allusion to 'chamber music'.
FOGOS-FÁTUOS
Será que virá agora, finalmente,
a recompensa aguardada tanto tempo?
Um amor puro, sincero, que tem po-
der para levar-me, ainda descrente,
ao páramo incolor, em que os coriscos
conduzem a tesouro tão buscado:
alguém que permaneça do meu lado,
não importa o caso, não importam riscos?
Alguém a quem eu possa, pleno de confiança,
entregar o segredo da vascular aldrava,
dar o cadeado, as chaves, senha e trava,
que acessariam, no fundo da esperança,
meigas lagoas de olvido, sentinelas
de tantos sonhos afogados nelas...?
OVIPOSIÇÃO
Virá ou não virá meu bem agora?
Os ouropéis da vida, sem demora,
demonstraram-se raízes de cenoura,
a se afastarem constantes de meu tino.
São lantejoulas só, são maravalha
de fios de prata, são ilusão que espalha,
solidamente, os talhos da navalha
que desfatia constante meu destino.
Reflexos cegantes de um espelho
feito de névoa; se tanto, me assemelho
ao cego uivando à beira de um abismo:
Toda uma vida feita de promessas,
jamais cumpridas, sempre feitas dessas
aparas mortas de um falso silogismo...
CRUZAMENTO
E que farei, quando meu bem vier?...
Já tanto conservei-me conformado...
Sei levar meu trabalho, devorado
pelo senso do inútil, marchetado
de cacos pontiagudos, toda a alma
esfarrapada e cerzida em fios de calma:
hissopo é paz, nas feridas que me embalma
enquanto espero outra ilusão qualquer...
E que farei, se a bênção palpitante
se jogar em meus braços, nesse instante
em que mais estiver despreparado?...
Talvez já tenha vindo e nem a vi...
Se a fada me abraçou, nem percebi
que tal bem fora outra vez desperdiçado...