DESCONHECIDA 1-12

DESCONHECIDA I (2008)

Alguém me disse que, em dias do passado,

uma mulher se apaixonou por mim.

Não sei quem é, saber nem quero assim

de quem seria este peito desprezado.

Pois, talvez, só se tenha enamorado

de quem eu fui.. Dizer que amou, enfim,

a uma terceira, é como um alecrim

cujas folhas tenha o vento dispersado.

Segundo me contaram, desprezada

sentiu-se nesse tempo. Que fazer,

se nem sequer me lembro de quem era?

Talvez até, por momentos, fosse amada

e me tenha inspirado, sem saber,

alguns poemas que a saudade me trouxera...

DESCONHECIDA II

Amor é feito de esmeralda e o engaste

é de ouro entretecido nesta taça.

Não é uma jóia pura: ganga e jaça

empanam sua beleza. E o seu desgaste

é justamente causado pelos beijos.

Sempre é perfeito o graal que não se toca:

não se fissura o copo que uma boca

jamais tocou, na delícia dos ensejos.

Amor é assim: guardado em prateleira

e a sete chaves, dentro ao coração,

permanece intocado e não tem fendas...

Porém, exposto ao ar, recebe poeira,

e transportado conosco pelas sendas

e está sujeito aos talhos da paixão.

DESCONHECIDA III

E quem diria que alguém diria

que me queria desconhecida, quem?

Quem me diria me quisesse alguém,

que me dissesse me querer também?

O que diria, já que me quer bem,

por que motivo tanto me diria?

Pois não teria vergonha, se o fazia?

Mas ainda assim, querer me contaria?

E assim fico: nesse etéreo vaivém

de porquês e de poréns arrependidos,

que "porenizam" e cortam a ilusão...

É bem melhor que me dirija além,

que "tambenize", em versos decididos,

sem de fato acreditar nessa emoção...

DESCONHECIDA IV

E permaneço a cumprir o meu fadário

de transmitir, mais uma vez, inúteis

conhecimentos a mentes inconsúteis,

que não se abrem a meu esforço vário.

Difíceis essas mentes. Até parece

que se interessam: escutam quanto digo,

olham-me atentas, com respeito, e sigo

a repetir as ladainhas de minha prece.

Mas reconheço também que essa novena

é mais inútil que moinhos de oração:

elas me escutam e depois não lembram nada.

Só me repetem, em vaga cantilena

e, assim que saio, esquecem a razão

do intimorato esforço da jornada...

DESCONHECIDA V

Também comigo, tanta vez assim

isso ocorreu... Paixões inconsequentes

que nunca revelei, verso-imanentes,

retratos tão somente para mim...

Se não falava, gentil era, outrossim,

cortês e carinhoso, mas formal,

sem indagar se havia a marginal

retribuição que alguém espera, enfim.

Mas algo eu via nas mais belas damas,

que me inspiravam singular saudade

de um sonho que não sei e nunca vi.

Só a melodia me jorrava em gamas,

por um sorriso casual, pura vaidade,

como as touradas de Valladolid...

DESCONHECIDA VI

Que plagie a mim mesmo, isso é bem certo,

porque já disse tanto, em minhas veredas!

Por mais que boa vontade me concedas,

meus versos mais antigos já estou perto

de repetir. Meu tesouro está entreaberto,

todos os males já saíram... Coisas ledas

e melancólicas me permanecem quedas:

até a esperança já sofreu destino incerto.

Afinal, o quanto faço é brincadeira:

junto pedaços de palavras sonorosas

e recomponho enigmas e estilhas,

até que a ampulheta derradeira

derrube por acaso e as arenosas

farpas de vidro se espalhem por minhas trilhas...

DESCONHECIDA VII

Talvez eu deva meditar em zen:

tudo é possível, nos mundos paralelos,

através da multidão dos hiper-elos:

quiçá seu corpo ganhe e amor também.

Quanticamente, há um eterno vaivém.

Eu poderia, quem sabe, seus desvelos

gozar desde criança e mesmo os zelos

tão deliciosos das danças do porém...

"Porém" é, todavia, a negra chave

que os cadeados vai levando de vencida:

só os deuses sabem o que as portas mostram.

Mas se pudesse provar de cada clave

e a cada melodia ouvir que tocam,

talvez descubra sua face já esquecida.

DESCONHECIDA VIII

Em cada farpa do vidro da ampulheta

eu pisarei então, meus pés rasgados,

do artelho ao calcanhar, trilha secreta,

cada pegada os filhos não gerados...

Cada marca dos pés os não-gozados

momentos da doçura mais dileta,

de todos os amores mal-amados,

de toda essa amargura que me afeta!...

Pois dançarei assim, nos fragmentos

do vidro esfarelado de minha vida:

cada gota vermelha uma mulher

que nunca tive, porém de tais portentos,

apenas em sua mente recolhida,

guardará esta imagem quem quiser!...

DESCONHECIDA IX

Amor escorre fácil de meus lábios

ou da ponta dos dedos, como cunhas,

cravadas em teu peito, aduncas unhas,

segredos milenares de alfarrábios...

Mistérios moribundos, menoscábios

congelados em âmbar, estremunhas

de sonhos malfadados, testemunhas

ante assembleias de vizires sábios...

Escorre fácil, sim. Toma os insetos,

em castanho-dourados de eternia

e os congela para sempre no presente.

E escorre amor, na mesma tirania

do âmbar peregrino, em tons secretos,

para tua alma contê-lo eternamente...

DESCONHECIDA X

Quando teus lábios o mais leve beijo

depositarem na comissura de minha boca

e teus cabelos, em formosa touca,

as faces me tocarem nesse ensejo...

Quando o toque de teus dedos, em desejo,

apenas a hesitar na entrega pouca,

de leve perpassarem, tua voz rouca,

as costas de minhas mãos, ainda em pejo...

Quando singelas gotas cristalinas

das mensagens virtuais, as letras finas

se derramarem em meus olhos baços...

Quando enfim leres desculpas para abraços,

essas palavras mágicas que espero,

só então confessarei quanto te quero...

DESCONHECIDA XI

Queria estar sofrendo, que mais fácil

seria a criação, lágrima pura,

vermelha como o sangue, de mistura

com essa geração do verso grácil...

Queria o coração, em toque flébil,

impulsionasse a lágrima na altura

em que as veias me cingem a cintura,

ao sangue branco de uma pena débil...

Mas não estou sofrendo, não agora.

Surpreendentemente, nem me importo

com o que me ocorrer, tal como antes,

sofri tão fortemente a cada hora.

Mas apenas a contemplo e me reporta

a tristeza que foi minha em mil instantes...

DESCONHECIDA XII

Hoje me escrevem e dizem sou a voz

de tantos mudos que ao redor abundam.

Que meus versos bem no cerne lhes afundam,

qual de suas próprias emoções andasse empós.

Mas é que o mundo de todos é o algoz

e os mesmos sofrimentos nos inundam,

para que as musas sobre nós infundam

a descrição das mágoas, em feroz

riso sardônico, que me lixa a alma

e a poeira eleva de meu coração,

esparzida aos quatro ventos, sem pudor.

E é para isso que seu toque acalma:

para que eu seja o veículo da emoção

que sente cada um no próprio ardor.

William Lagos

Tradutor e Poeta

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com

William Lagos
Enviado por William Lagos em 09/05/2011
Código do texto: T2958316
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