ESTRELITZIA (Jardim do Espanto XXVIII) & MAIS
JARDIM DO ESPANTO XXVII
A ESTRELITZIA
É uma estranha flor, parece plástico,
em justaposições inesperadas.
Mais lembra um pássaro em seu bico elástico
que de uma flor as formas consagradas.
Somente quando murcha, é que parece
o que de fato é: uma flor seca,
que logo se desfaz e desvanece
soprada ao vento e a haste só se especa
no lugar em que brotara antes a flor,
enquanto nascem outras e interrogam,
com seu estranho olhar, ao observador,
a quem perturbam e no espanto afogam.
Talvez seja por isso que Maritza
jamais plantou no pátio uma Estrelitzia.
SORTIARIUS
Luz estelar, aceita o meu pedido:
que me olhem doravante com outros olhos,
que me admirem, mesmo nos restolhos
desta minha vida, que tanto têm ferido
a injúria e a luta, nessa permanente
batalha contra o corriqueiro fado.
Contra o monótono esfiar do alado
novelo de ilusões, indiferente...
Pois que seja diverso, doravante!
Que haja um sorriso em troca do desprezo,
Que haja um sucesso a preço dos fracassos,
Que seja o mundo aberto agora e avante
se estenda a senda sempre de tal vezo,
ao rumo incerto de meus firmes passos.
JARDIM DO ESPANTO XXVIII - O RESEDÁ
Isso foi o sinal -- um puro abraço,
inesperado como o sol que brota,
por entre as nuvens, arco-íris que denota
a vastidão minúscula do espaço.
Efeito borboleta, de asas diáfanas,
a provocar algures turbilhão...
Assim o aceno, a graça de tua mão
afastará de mim tantas azáfamas
quantas me colhem hoje meus sentidos.
A luz de teu olhar, que é quase um beijo,
e essa tua imagem, que comigo está
indelével, sob a pele, nos ouvidos,
será o arauto de todo o meu desejo,
discreta e meiga, como o resedá...
JARDIM DO ESPANTO XXIX - A PAPOULA
E quem diria que o fado liberasse
um gozo mais concreto em meu caminho!...
Vivi só da esperança de um carinho
poder ganhar de ti, sem que esperasse
que algo de amor, enfim, se realizasse,
nesse viver tranqüilo e comezinho,
em que, afinal, me conformei, mesquinho,
de que somente meus anseios contemplasse.
E assim eu vejo as pétalas vermelhas,
que o vento arranca, como as sobrancelhas
deixadas nuas sobre a face calva
e as hastes balouçando à luz da alva,
incrédulo em fruir da bênção tola,
que só se encontra nos sonhos de papoula!
não preciso te dizer que existe aqui uma referência ou ópio e ao haxixe... embora eu nunca tenha experimentado qualquer dos dois... nem sequer tabaco... nem maryjane quando vivi com os hippies. minha droga era o poontang, os ventres femininos, nada mais.
JARDIM DO ESPANTO XXX - A PETÚNIA
Exponho-me nos versos: digo tudo
o quanto penso... E o que nunca pensei.
O que sempre senti ou reservei
e quanto deveria manter mudo.
Que me julgam os outros, não me iludo:
há sempre uma ironia e conservei
o olhar atento sobre quanto dei
já esperando seu escrutínio e estudo.
Mas em tudo o que digo, contemplei:
foram de outros os sonhos que sonhei,
nessa busca de afeto e de pecúnia.
E assim me vejo, ao olhar arregalado,
como uma flor de vaso, contemplado,
na artificial geometria da petúnia...
VIVEIRO XVIII -- A GAIVOTA
A quem compararei o meu amor?
Será às asas brancas da gaivota,
que se expandem, ao longo de sua rota,
que abarca as praias e os ares do interior,
das terras ribeirinhas até o pleno mar,
a sentinela que a vastidão esgota,
com a agudez do olhar e que rebrota
a cada tempestade ou preamar...?
Foi sempre inspiração dos marinheiros
que poetas foram... Para os cozinheiros
foi somente um esgoto dos detritos,
a quem sobras lançavam, cujos gritos
estridenciavam as velas e o timão.
E a mim perfuram, lento, o coração...
COPIANDO A MIM
Estou me repetindo, já conheço
os vagos escaninhos do meu ser.
Meus biriqüetes deixo de esconder...
O pudor de meus órgãos, não esqueço
meu cerebelo, os meandros do hipotálamo.
Já apresentei meus rins e meus pulmões...
E o espírito me indaga: Como expões
a todos os segredos que, no tálamo,
e nele apenas podiam, cochichados,
aos ouvidos do amor serem contados?
E eu desafio ao espírito, entretanto,
pedaços de meu ser soltando a esmo.
Só me envergonho de repetir, no entanto,
num complacente plágio de mim mesmo...
VIVEIRO XIX -- A ANDORINHA
A quem compararei o meu amor?
À andorinha, que percorre os montes,
Que abrange os mais distantes horizontes
E tudo vê e observa em seu candor.
Porém provando somente a água das fontes
Que lhe permitam voar, ao alcandor,
Mas sem participar desse esplendor
Que o mundo enche e estabelece pontes
Entre o virtual e o apenas corriqueiro.
Mas meu amor é doce e persuasivo
E me conduz a névoas registrar...
Não que o fantasma seja verdadeiro,
Não mais que um sonho seja redivivo,
Pois vive apenas na ânsia de cantar.
AMOR DE CÂMARA IV
A melodia foi meu amor primeiro.
Depois veio a poesia, de iludido.
Ou, realmente, meu coração ferido
poderia transportar-se, por inteiro,
ao propalar da arte requerido.
Mas encontrei teu abraço derradeiro,
fui teu escravo e a música, ligeiro,
abandonei, mas sempre condoído.
Que nesse orgasmo eu gero a mim de novo,
imerso assim nas garras da ilusão,
pois nesse amplexo, eu sinto-me infiel.
E é por isso que procuro, num renovo,
para não desfatiar meu coração,
fazer amor aos acordes de Ravel...
A FILHA DE APOLLO III
a Musa só me espia do Jardim:
sua Lâmpada não cheira e não tem Gosto,
sua Voz é muda e, para meu Desgosto,
sua Tocha tremeluz, mas mesmo Assim,
a cada Vez que vejo uma Centelha,
quanto me Diz, em tímida Mensagem,
uma Palavra apenas, de Encoragem,
eu Ouço, em seu Murmúrio, que aconselha
confie em seu Amor [Repositório].
estranho Amor, Amor meu insolente,
mais Amargor que Amor, de tão freqüente
foi a Palavra dura, de Admonitório
Aviso de que Amor, enfim, Partira:
revolto na Ilusão que sempre Inspira.
A FILHA DE APOLLO IV
e fico assim, a remar contra a Corrente:
Kallyopsis me acena, bem de Longe...
às Vezes canta, a seduzir o Monge,
que preferia, até, ficasse Ausente...
do que surgisse assim, permeio à Bruma
de tantos Dias envolta em Ocultor,
hermética em Segredo e Desamor,
para surgir então, envolta em Espuma,
como Aphrodite erguendo-se do Mar...
na nua Inspiração de meu Cantar,
que Tudo visto e dito, nada Novo
nos tem a Acrescentar, nenhum Renovo,
senão levar-me a Escrever, sem Pausa,
por um Amor de que nem sei a Causa...
AS JOVENS DE ROMA XXXV
FURIA
ELA ME VIU NO PÓDIO DO SENADO,
DURANTE UMA PALESTRA À ASSEMBLÉIA,
NUM DEBATE IMPORTANTE, QUE PLATÉIA
TROUXERA A TAL DISCURSO, DE INFLAMADO
INTERESSE PARA A ÉPOCA E INDIFERENTE
PARA OS DIAS QUE CORREM: TUDO PASSA.
[TÃO LOGO SUA LEMBRANÇA SE DESFAÇA
E NOSSO CORAÇÃO NÃO MAIS ESQUENTE].
ENTÃO ME AMOU, COM A FÚRIA DE SEU NOME:
LEVOU-ME EM SUA LITEIRA, ATÉ SEU CLÍNIO,
PARA QUE AMOR FIZÉSSEMOS, SEM PAUSA.
PORÉM DESEJO PASSA E SE CONSOME...
E LOGO O NOSSO VIU O SEU DECLÍNIO,
QUE É TRISTE O AMOR QUE FAZ AMOR SEM CAUSA.