IMENSA FLOR & MAIS

IMENSA FLOR

Formosa flor a flor que me confronta,

orquídea rósea, fresca, perfumada,

antúrio multicor, flor delicada,

luz que seduz em verdadeira conta.

O meu encanto ao vê-la sempre monta,

de pétalas fragrantes, cor de fada,

sem sépalas talvez, mas encantada:

a Natureza inteira em doce afronta.

Como é gentil tal flor, que apenas vejo,

sem que a possa colher, inesperada,

enquanto o vento agita o coração,

essa visão da flor escancarada

ao toque apenas, talvez único beijo,

exposto ao sol, idêntico botão...

SIMULACROS I

Não vivemos isolados neste mundo;

nossas ações sempre trazem conseqüências:

modificamos os palcos, as seqüências

e até afetamos o caráter mais profundo

daqueles que nos cercam, dependendo

da intensidade com que os confrontamos

ou do perjúrio com que os influenciamos

a reagir perante nós, podendo

deste modo influenciar até o cenário

em que estamos inseridos; avatares

somos nós todos, feitos similares

a todas as ações que executamos;

e assim vemos nos rostos o fadário

do passado virtual que vivenciamos.

SIMULACROS II

Quer na vida real, quer na virtual,

todos somos simulacros, sem motivo:

avatares os 'bots, nunca o vivo

ser material em seu sofrer real;

neste viver apenas contextual,

desfeito em pixels, como um ser votivo,

cortado em bits, apenas redivivo

sobre uma tela sem pendor carnal;

portanto, evita a tua fotografia

espalhar pelos ares, pela rede,

no elástico esticar de um telefone;

ou mais ainda, na antena que esfuzia

e via satélite a espalha e ao mundo cede,

na irrealidade de um implante em silicone!

SIMULACROS III

Saio em busca dos fantasmas,

simulacros do passado:

são sessenta, lado a lado,

mais os cinco em que me pasmas.

Nessa tua ausência, me espasmas,

testemunha do pecado,

só na intenção alcançado,

no assombro que não me orgasmas.

Nessa tua ausência te esperam

sessenta e cinco fantasmas,

no plasma dos embaraços...

Teus próprios fantasmas geram,

na multidão das missivas,

sem encontrar teus abraços...

MOLDADURAS I

Até que ponto podes ter certeza

de que todo esse passado que recordas

realmente ocorreu? Ou, se concordas,

com uma fímbria de ti, uma esperteza

que se passa por real e cuja empresa

é a de substituir outro passado

que não te agrada? Um tempo descuidado

em que essa mônada não estava acesa,

mas embaçada, desvão de uma memória,

apenas advertida, a qual queremos

que saia à luz, para a outra dominar?

Assim se passa toda a nossa história:

lembramos muito mais o que perdemos,

que nosso eu verdadeiro e singular.

MOLDADURAS II

De tanto repetirmos tal mentira,

até para nós mesmos se reveste

de foros de verdade; e dentro deste

cenário enganador que nos revira

passamos a viver caracteres

diversos dos antigos que já fomos:

convencemos a nós próprios; e nos pomos

como um exemplo real, estranhos seres

que impomos lentamente aos circunstantes,

depois de superpostos a nós mesmos:

somos assim, porque assim modificamos

o que fomos um dia; e delirantes

fantasmas nos tornamos, ensimesmos,

com que o mundo e nossa mente dominamos.

MOLDADURAS III

Eu buscarei apenas, neste instante,

desencadear meus novos avatares,

se algum de fato corresponde a esgares

da personalidade de outro avante.

Eu nem mais sei qual a mônada constante

ou qual portal me trouxe a estes buscares.

Não foi a sorte apenas, mas estares,

que transformaram momento enregelante,

em que deixei atrás meu velho plano.

Foi minha alma que em novo corpo entrou

ou outra alma que de mim se apoderou?

Serei ainda, ao fim de tudo, insano?

Este mundo de outrem conquistei

ou tudo isso é ilusão e só sonhei?

INVÓLUCROS

Eu olho em torno a chama dos amores

que não são meus e sei de sua leveza;

não têm sequer raízes, com certeza:

amores simples, saibro de estertores.

Amores satisfeitos em sexores,

nada mais que o apelar da natureza:

novas centelhas da mesma vela acesa,

peles vazias buscando novas cores.

E eu sou escriba, estou emaranhado

nesses conluios, que passo a ponderar

e que depois registro, peregrino.

É quando mais inútil sinto o fado

dos momentos que fico a registrar

do amor vulgar da gente sem destino.

PSEUDÓPODOS

Como pétalas recaem no meu rosto

os beijos do silêncio, toques leves

de aurora descarnada, beijos breves

sobre meus olhos e pômulos têm posto.

Etérea a musa, seus ossos em desgosto

tornados pó, ardentes como as neves,

sintetizaram as cores que não deves

imaginar sem que à loucura exposto

te apresentes. São névoas que se infletem

em verde e negro de veleiros lépidos:

sussurram de minha boca o verso posto.

São cantos babuínos, quase fétidos,

sentenças que se esparzem e derretem,

cacos de sonhos a escorrer do rosto...

HONESTIDADE I

Às vezes, os alheios sentimentos

malferir não queremos e escondemos

os nossos próprios, nem sequer queremos

expor honestamente os pensamentos

que nos vão pelo cérebro, os momentos

em que um conselho seria, pelo menos

mais indicado para afastar venenos

da insídia de terceiros, dos eventos

que podem afetá-los; bem maior

é a dor que sofrem, passados alguns dias,

do que o conselho simples que pensamos,

mas não lhes demos, fugindo a tal rigor

dessa confrontação, com covardias

ferindo muito mais a quem amamos.

HONESTIDADE II

Melhor então é retirar a pedra

do caminho e falar sem mais rodeios:

talvez com tato, talvez por outros meios,

mas arrancar esse engano que já medra

no coração do amigo e dizer claro,

enquanto tal problema só começa,

o jeito de evitá-lo, se depressa

não se tomar consciência desse amaro

desdouro que se encontra à sua espera;

por isso, a honestidade é necessária,

mesmo que traga estranha consequência,

pois sem advertir, maior é a esfera

que só se ampliará e a multifária

mágoa maior em toda a sua potência.

SIMULACROS IV

Eu me lanço pela rede, espatifado:

cacos de mim flutuam na alvorada,

outros se perdem pela madrugada,

sou apenas estruturas, digitado

em pixels e bytes, desventrado,

nem sequer uma película prateada.

Quem me reconstituirá noutra jornada,

ou ficarei para sempre desfocado?

Porém sou luz a nível eletrônico:

são fractais de mim mesmo que te envio,

apenas quanta pálidos de gelo.

Talvez me possa refazer biônico:

fantasma feito de meu próprio cio,

intangível e ausente de desvelo...

SIMULACROS V

É por isso que hoje envio para ti

retalhos de mim mesmo em vã poesia:

frangalhos que deixei na penedia,

remisso dom de tudo o que senti,

pois cada verso que te remeti

foi parte de meu ser em salmodia:

destarte em ti lancei a minha folia,

na escada sem degraus que percorri,

incapaz de tocar-te dentro ao peito,

apenas sons vazios, quais filigranas:

manchas d'água só visíveis contra a luz,

sem que tivesse, afinal, qualquer direito,

porque no amor a mim jamais te irmanas

e em teu sorriso o carinho se reduz...

FUNGOS

Depois, que adianta? Nem mais tenho ocasião

de rever essa pilha de rascunhos

em que registro de minha vida os cunhos

e há quatro meses cresce sem vazão. (+)

Quando retorno ao verso antigo, num serão,

nem mais recordo o dia em que meus punhos

garatujaram as frases nos abrunhos

que me arranharam dor no coração.

São penas tão antigas, repassadas,

ultrapassadas, vazias, esquecidas,

que nem sequer me acordam emoção.

Poemas magros, pobres, ressequidos,

juntando polvadeira, amarelados,

como fibras mofadas de ilusão.

(+) Escrito pela metade de março de 2007. De lá para cá, os quatro meses viraram 24. B.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 17/05/2011
Código do texto: T2975371
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