JARDIM DO ESPANTO I-XXX
J A R D I M D O E S P A N T O
[ASTONISHMENT GARDEN]
Ciclo de Sonetos Alusivos a Flores
WILLIAM LAGOS [julho/agosto 2006]
JARDIM DO ESPANTO I
O HELIOTRÓPIO
Não me pertence o destino exuberante
de um cantor de rock ou de um piloto
glorificado; ou então de um boquirroto
político, nem sequer do altissonante
pastor ou padre de cunho carismático;
e nem sequer eu quero tais destinos.
A glória e a fama são dois desatinos,
cujo esplendor não passa de um errático
fluir efêmero de uma exaltação.
Minha vida é bem mais mansa e corriqueira:
somente em versos exalo minha paixão,
que vem de dentro e embala como o ópio.
E é bem assim minha vida alvissareira,
suave e humilde, tal como o Heliotrópio.
JARDIM DO ESPANTO II
O ESTROFANTO
Não é que eu cheire mal, porém exalo
Uma aura de vigor dessazonado
Que sei despertar medo; e difamado
Sou mais ainda, mesmo quando calo.
Quem sabe se é por ser vegetariano
Em terra de carnívoros... mais salgado
Seja o cheiro dos outros, conformado
Ao que esperam as narinas, sem reclamo.
Mas é que esparzo tantas coisas mais:
Tenho cheiro de livros, de jornais,
Não cheiro a carro e menos a cavalo.
E, desse modo, eu causo um certo abalo
E quando me farejam, vêem meu pranto
Cheirando mal, qual cheira um Estrofanto.
JARDIM DO ESPANTO III
A ARTEMÍSIA
Não me interessa provar do absinto,
Que de tantos poetas tristes vidas
Destruiu, em miragens incontidas,
Nas visões verdes de pavor retinto;
Nem preciso da Erva de São João
Para tratar meus males e minhas dores:
O que preciso é do elixir de amores,
Que mais feliz me tornasse o coração...
Porque esta grande família de singelas
Flores inclui o hipérico brilhante,
Traduz remédio e licor alucinante;
Pois dentro em mim, outro palor se estígia:
Cura a si mesmo; e mostra. em frases belas,
O amargo coração, tal que a Artemísia...
JARDIM DO ESPANTO IV ---
A TRADESCÂNCIA
O que eu sinto por ti, dia após incerto dia,
É inquietação tranqüila e vaga insegurança,
De não saber quem és, na simples esquivança
De quem mostrar-se bela deseja e nem sabia
Como manter seu bem, a quem, trocando açoites
De más palavras, ferozes, como pérolas
De maus amores, ardentes como férulas,
Conservar bem aceso o interesse e às noites,
Depois de um dia de atroz digladiação,
De ser uma mulher cruel e depois meiga,
Mostrar-se dadivosa e ardente, nessa instância
De uma incerteza certa, em pálida emoção,
Que me converte a alma, na religião mais leiga,
Tranqüilamente inquieta, tal como a Tradescância.
JARDIM DO ESPANTO V
O AGAPANTO
Não é que eu queira mal, não é que a vida
Me tenha sido ingrata ou indiferente:
Sempre vivi na observação freqüente
De que lazer é esforço e a paz é lida...
Trabalhei sempre, desde os onze anos,
Pois dedicado à datilografia
Fui desde cedo; e quanto mais sabia,
Tanto mais tinha a fazer, nesses tiranos
Anos da adolescência e, sem mesada,
Fazia relatórios, cartas e a chamada
Dos alunos da escola de meu pai,
Aceitando as tarefas, sem um ai,
Até que despertei, para explodir em canto,
Num chuveiro violeta, tal como o Agapanto...
JARDIM DO ESPANTO VI
A PASSIFLORA
Não busco minha vantagem: sempre faço
Quanto me pedem em favor dos outros;
Esqueço a recompensa e até est'outros
Prêmios do esforço com que me desfaço;
E o resultado, malgrado meu, é aziago:
É como se esperasse o que pedir não peço;
Fazer com que adivinhem o quanto mais mereço,
Mas nunca lhes perpassa na mente qualquer pago.
Porque, se não cobrei, por que me deveriam
Retribuir em espécie ou dote monetário?...
Apenas "obrigados" granjeio e me devora
Talvez a expectativa do que me atribuiriam;
E só me resta tornar, em gozo multifário,
Complicadas minhas flores, tal como a Passiflora.
JARDIM DO ESPANTO VII
A AVENCA
Minha alma é forte e tem a resistência
De quem se acostumou a esperar nada;
E mesmo assim, esperou pela alvorada,
Que só pode surgir por persistência...
Retorna a cada dia; a vida é zombeteira:
Pendula a reluzir promessas transitórias
E a palpitar oscila, em seu pendor de glórias;
Porém a permanência é muito mais certeira
Nos dois pontos extremos que o pêndulo completa;
A cada oscilação, assim, no mesmo instante,
Logo suspende e hesita; e ao outro se despenca...
A glória só reluz no centro dessa inquieta
Fascinação fugaz, que me enche, delirante,
De frágeis emoções, tremendo como a Avenca...
JARDIM DO ESPANTO VIII
O AZEVINHO
"Nada mais resta, já nem mais consolo
Existe para mim..." --- e como é fácil
Simplesmente ocultar-se nesse ingrácil
Queixume antigo como o olhar do tolo...
Mas o mundo está aí por ser provado,
Mesmo que tudo não passe de ilusão,
Que a mulher seja uma nuvem, com tua mão
Podes moldar o orvalho derramado...
Ou, pelo menos, crer que um beijo amigo
Seja promessa de um amor nostálgico;
Que um cartão vire verso, que água é vinho,
Que "querer é poder", qual no ditado antigo...
E eu sou assim: meu pensamento é mágico,
Tal como é mágico o pendor deste Azevinho.
Na Inglaterra é costume colocar ramos de azevinho em guirlandas no interior das casas, na quadra do natal. o azevinho é um espinheiro de folhas verdes e brilhantes, recortadas e pontiagudas, que não secam no inverno; e frutinhas vermelhas cor de sangue [não esqueças de que o Natal, por lá, é no inverno]. dizem que é mágico e que o casal que, nessa época do ano, se beijar sob uma dessas guirlandas de azevinho, terá amor eterno. ramos de azevinho aparecem com freqüência em cartões de natal.
JARDIM DO ESPANTO IX
A CAMOMILA
Não há nada de vistoso nesse amor:
É um gesto corriqueiro, tão comum,
Quase num chiste se descobre um
Que diferente seja em seu ardor...
Existe em profusão, em qualquer prado;
Singelas flores, de um odor discreto:
Dizem que acalma um coração inquieto
E que conserva os esposos lado a lado.
Não que desperte vascas de paixão,
Mas ambos tranqüiliza em seus pendores
E se dão mais valor e, assim, resfila
Arestas entre si... e traz perdão.
E eu fico assim, imerso em meus labores,
Pelos pés esmagado, tal como a Camomila.
JARDIM DO ESPANTO X
O JASMIM-DO-CABO
Ela falou-me, em tom aconchegante:
"Espera um pouco mais, que então te chamo,
Tem paciência e verás que te reclamo,
Para um amor completo e apaixonante;
Mas não agora: o tempo não é pronto,
Dia virá, minuto, instante e hora,
Em que te prenderei, não mais embora
Irei ou deixarei, num contraponto..."
E assim, aguardarei pela completa
Transmutação de seu humor em beijo,
Que veja a flor em mim, qual nela vejo...
Adiada aceito então seja minha meta:
E assim respiro; e meu ardor apago,
No odor pungente do Jasmim-do-Cabo...
JARDIM DO ESPANTO XI
A BELA-EMÍLIA
Mulher intrigante, com olhos de orvalho,
Brilhantes, fulgentes, teus olhos de poço,
Que à morte me chamam, frieza de esboço,
Se neles mergulho, se neles me espalho,
Tais olhos me inflamam... e apenas avaliam
E nunca neles vi a sombra de um convite:
São apenas amigos, ainda que me incite
Meu fútil coração a provar quanto podiam
Renovar em minha vida a flor azul do amor,
Nessa esperança inútil, tão só de desvalia,
Por mais que reconheça tão gélida essa flor,
Por mais que me debata no ardor que me apresilha,
Permanece o desejo e a antiga nostalgia
De um claro olhar azul, tal como a Bela-Emília!
JARDIM DO ESPANTO XII
A MADRESSILVA
Seu beijo será agreste, em pleno matagal,
Depois, por rochas nuas, de vastidão feridas.
Seus seios em botão, ainda que paridas
Quantas crianças tivesse, tal como virginal
Permanecesse ainda, essa mulher de aurora,
Disposta a tudo; e entanto, permanecendo pura...
Que exista tal mulher, que na mortal ternura,
É sempre renovada e é virgem como outrora!...
Enquanto outras existem, que mesmo sendo freiras,
Já nascem defloradas, são secas desde o berço,
Sua alma é inadimplente, seu coração não silva,
Nasceram para a morte assistir, são carpideiras,
No próprio funeral rezando um longo terço,
Crescendo abandonadas, tal como a Madressilva!...
JARDIM DO ESPANTO XIII
A GLOXÍNIA
E como é transitório esse esplendor
Com que um dia amor nos revestiu:
Brilhou fulgente, claro e multicor,
Depois despetalou-se e nos fugiu.
Por sorte, restam folhas, em que gravo
Os sentimentos todos e as raízes;
E permaneço da esperança escravo
De escutar doçura no que dizes...
Que reviver consiga esse botão,
Que as radículas fervilhem no Natal,
Que os sinos tanjam nova turmalina,
Que os olhos encha na revelação:
Que se abram novas flores, afinal,
Nessa cadência triunfal da Gloxínia!...
JARDIM DO ESPANTO XIV
O ANTÚRIO
Nessa cadência em que canto a fantasia,
De um grande amor de alma desejar,
Que se o espírito se entrega, sem negar,
Em nada importe que a carne seja fria,
No metro variegado da poesia,
Por onde vou, enfim, nesse cantar?...
Quero distância ou perto me quedar?...
Na sombra e substância escolheria
A sombra mais perfeita, a imaginar
Que a substância, ao alcance percebida,
A carne e a mente, o áureo e o sulfúrio,
Não são mais, lá no fundo, que o girar
Desse amor, qual medalha refletida,
Gentil e fálico, qual parece o Antúrio...
JARDIM DO ESPANTO XV
A CALÊNDULA
Na solidão tranqüila do escritório,
onde redijo versos e trabalho,
me assaltam os fantasmas, o ilusório
dos dias que perdi na forja e malho;
Que foi esta minha vida, ferraria
de almas humanas, tantas vidas
que passaram por mim, que me diria
poderia talvez nessas guaridas
instalar as sementes de paixão
pelos livros e lendas, pela história,
sofrendo semestral desilusão.
E, no entretanto, como a mente esplêndula!
Permanecer em alguns terna memória,
qual o frescor alaranjado da Calêndula...
JARDIM DO ESPANTO XVI
O HEDÍQUIO
Apenas num relance eu entrevi
seu rosto simples, de meiga harmonia.
Foi uma sombra fugaz... Eu pressentia
ser apenas mais um sonho que sofri.
Esses sonhos compactos, empolados,
em que retorno a secular mansão
e lá a vejo: meus olhos, sem razão,
a reconhecem, entre arbustos perfumados...
E quantos rostos vejo e assim esqueço;
mas que relembro de novo ao ver, então,
de cada vez que ao próprio sonho eu peço
me reconduza outra vez ao meu delíquio,
com que a vejo no jardim... mais um botão,
na mágica deiscência de um Hedíquio...
JARDIM DO ESPANTO XVII
A HELICÔNIA
Amor é o fio cortante de um alfanje,
A cimitarra precisa da ansiedade,
Punhal agudo, bisturi que tange
Veia após veia, no esguicho da saudade:
Um corte vago e, mesmo assim, preciso,
Um talho exato, direto entre as costelas,
Evitada a omoplata, sem que o riso
Impeça de invadir e enfiar-se nelas...
Que todas essas faces perfurantes,
Esses sorrisos, setas lancinantes,
São risco feito a giz, no qual a insônia
Transparece na loucura do momento,
Em que finjo paixão e me apresento,
Cortante o gume, tal como o da Helicônia.
JARDIM DO ESPANTO XVIII
O ROSMANINHO
Embora me pareça ter sido quase inútil
o balanço de minha vida, sem nada esplendoroso,
sem fama ou glória, sem castelo fútil,
sem harém em que reinasse majestoso,
em retrospecto, vejo entanto, que servi,
executando minhas tarefas, habilmente,
talvez a muito mais que percebi,
no incentivo e no apoio a tanta gente...
Porque à disputa nunca tive inclinação:
não sou de competir... quero me escolham,
que me convidem e busquem, de mansinho,
que todos estes versos eu fiz sem ilusão:
buscam o sol somente, enquanto se desfolham,
em brotação suave, tal como o Rosmaninho.
JARDIM DO ESPANTO XIX
O AMOR-AGARRADINHO [ANTÍGONO]
Um certo amor existe que dura muitos anos,
Que resiste aos percalços da vida e aos desenganos,
Que suporta a pressão do enfado; e o dia a dia
Aceita sem surpresa; e até a monotonia
Recebe em desafio, pois sob o mesmo teto,
Permanece constante um refluir de afeto,
Que apesar das brigas, da pena e discussão,
Conserva firme à vista qual é a aceitação
Que guarda os dois unidos contra o mundo,
Nos olhos um do outro um refletir profundo
Perdura sempre, em duplo afogamento.
E assim se suspende, no amor, o julgamento.
Amor é duradouro, se amor não é mesquinho,
Fiel e persistente esse Amor-Agarradinho...
JARDIM DO ESPANTO XX
A SETE-LÉGUAS
por que esses versos recobrem toda a gama,
do filosófico ao erótico, tantos temas,
tudo que abrange a expressão humana,
para que rimas toantes exponham gemas
de lapidar fulgor, até que apenas
resultem frases de expressão profana,
sentenças cálidas em vastas cantilenas,
sentenças frígidas que a exultação ufana,
por que se espalham, do amor vão à preguiça,
do assombro à calma, da frustração à fúria,
Fazem de odor amores e aos dedos não dão tréguas,
acumulando, assim, em produção maciça,
do auge da nobreza à insipidez espúria,
tão abrangentes quanto a Sete-Léguas...
JARDIM DO ESPANTO XXI
A JACOBINA
Depois de tantos anos de silêncio,
Recomecei a escrever a partitura
De melodia de expressão bem pura,
Que já criara ao piano há vários meses...
Porém meu adiamento logo vence-o...
Perdi a prática, meus dedos estão duros,
Colcheias saem tortas, são escuros
Os borrões que se me escapam; japoneses
Terei de contratar para o restauro
Da pobre pauta sempre corrigida;
Antes de dar, a quem ela se destina,
Esta canção em que o olhar exauro,
Num acalanto da alma adormecida,
Fiel e humilde, tal como a Jacobina...
JARDIM DO ESPANTO XXII
A BOUGAINVILLEA [BUGANVÍLIA]
Nunca entendi qualquer fosse a razão
de negar-me suas flores esta bela,
como se nunca, na amplidão singela,
mostrado houvesse a alguém o seu botão.
Porém eu sei que o esplendor vermelho
dessa nua flor, vibrante de três pétalas,
por muitos fora visto, que suas sépalas
em brácteas se tornavam, nesse velho
costume que conserva a trepadeira
de querer sempre mais experimentar.
Para dar flores, tivemos que a podar...
Também eu vi podada a maravilha,
antes de ver transformada a vida inteira
no esplendor que me ostenta a Buganvília!...
JARDIM DO ESPANTO XXIII
O CRÍNIO
Transplantei sem cuidados os rizomas:
Eram sadios, ao solo aclimatados,
Robustos, rústicos, logo rebrotados
Em rosa e brancas flores dão aromas...
Transplante com cuidado a meiga angélica,
Parecendo também forte e resoluta,
Porém não floresceu, sua força dissoluta
Murchou, secou, ao sopro da famélica
Brisa do outono: fiquei sem essa flor.
Do mesmo modo, atentamente, amor
Procurei transportar ao meu escrínio...
Mas não vingou: depressa dissipou-se...
A flor altiva em nada transformou-se:
A angélica secou, restou-me o crínio.
JARDIM DO ESPANTO XXIV
A ÍRIS
Meu padrinho que trouxe, do estado da Virgínia,
As mudas e rizomas da flor que mais me agrada:
São íris, lírios roxos, de perfeição sagrada;
E cada flor que brota, é como uma perínea,
Fértil de vida, que nova muda gera;
Mesmo deixada ao léu, abandonada assim,
Produz novos arbustos, preenche o meu jardim
E tantas flores roxas revestem-me de espera...
Porém, com meu amor, a coisa é diferente:
Não se gera a si mesmo, precisa ser regado
Por um gentil sorriso; então, se retirares
A oferta do carinho, irá, bem suavemente,
Se desfazendo em poeira, igual que o sol negado
Provoca lentamente a morte dessa íris...
JARDIM DO ESPANTO XXV
O RAIO-DE-SOL
Quantos amores há que não se fala!...
Amores impensados, aleatórios,
Amores permanentes, transitórios,
Como se fora a vida que os trescala...
Ama-se apenas o bimbalhar do sino;
Ama-se a chuva fresca no calor;
Ama-se o vento, um rosto pequenino
De velha ou de criança, sem temor,
Como reflexo de nós, como perfume,
Como o que fomos ou que iremos ser:
Amor da humanidade no arrebol.
Amor do ocaso, em que, sem azedume,
Breve entraremos, nesse entardecer
Alegre e puro... qual um Raio-de-Sol...
JARDIM DO ESPANTO XXVI
A AZALÉIA
A vida é inesperada: mais que crises,
nos conduz mansamente a nosso fado,
no qual nos vemos. Espelho revelado
de um novo mundo, em que nossos deslizes
abrigam os possíveis ofegantes
de novos fatos... Eventos perfilados,
mostrando as almas, então comandados
por nossas decisões periclitantes.
E então, nós escolhemos ao acaso,
ou por deliberação. E eles se esvaem,
em gotas de almas mortas, na epopéia
de conseqüências surgidas, em tal caso,
inelutáveis, que ao colo caem
domésticas e suaves, tal como uma Azaléia.
JARDIM DO ESPANTO XXVII
A ESTRELITZIA
É uma estranha flor, parece plástico,
em justaposições inesperadas.
Mais lembra um pássaro em seu bico elástico
que de uma flor as formas consagradas.
Somente quando murcha, é que parece
o que de fato é: uma flor seca,
que logo se desfaz e desvanece
soprada ao vento e a haste só se especa
no lugar em que brotara antes a flor,
enquanto nascem outras e interrogam,
com seu estranho olhar, ao observador,
a quem perturbam e no espanto afogam.
Talvez seja por isso que Maritza
jamais plantou no pátio uma Estrelitzia.
JARDIM DO ESPANTO XXVIII
O RESEDÁ
Isso foi o sinal -- um puro abraço,
inesperado como o sol que brota,
por entre as nuvens, arco-íris que denota
a vastidão minúscula do espaço.
Efeito borboleta, de asas diáfanas,
a provocar algures turbilhão...
Assim o aceno, a graça de tua mão
afastará de mim tantas azáfamas
quantas me colhem hoje meus sentidos.
A luz de teu olhar, que é quase um beijo,
e essa tua imagem, que comigo está
indelével, sob a pele, nos ouvidos,
será o arauto de todo o meu desejo,
discreta e meiga, como o resedá...
JARDIM DO ESPANTO XXIX
A PAPOULA
E quem diria que o fado liberasse
um gozo mais concreto em meu caminho!...
Vivi só da esperança de um carinho
poder ganhar de ti, sem que esperasse
que algo de amor, enfim, se realizasse,
nesse viver tranqüilo e comezinho,
em que, afinal, me conformei, mesquinho,
de que somente meus anseios contemplasse.
E assim eu vejo as pétalas vermelhas,
que o vento arranca, como as sobrancelhas
deixadas nuas sobre a face calva
e as hastes balouçando à luz da alva,
incrédulo em fruir da bênção tola,
que só se encontra nos sonhos de papoula!
não preciso te dizer que existe aqui uma referência ou ópio e ao haxixe... embora eu nunca tenha experimentado qualquer dos dois... nem sequer tabaco... nem maryjane quando vivi com os hippies. minha droga era o poontang, os ventres femininos, nada mais.
JARDIM DO ESPANTO XXX - A PETÚNIA
Exponho-me nos versos: digo tudo
o quanto penso... E o que nunca pensei.
O que sempre senti ou reservei
e quanto deveria manter mudo.
Que me julgam os outros, não me iludo:
há sempre uma ironia e conservei
o olhar atento sobre quanto dei
já esperando seu escrutínio e estudo.
Mas em tudo o que digo, contemplei:
foram de outros os sonhos que sonhei,
nessa busca de afeto e de pecúnia.
E assim me vejo, ao olhar arregalado,
como uma flor de vaso, contemplado,
na artificial geometria da petúnia...
JARDIM DO ESPANTO XXXI - A SETCRÍSEA
E assim me vejo, excedendo meus limites,
tal como faço em tudo... Imoderados
são os meus apetites e pecados...
[poéticos, apenas, mais convites,
que nem sei o que faria se aceitassem...]
Me acostumei comigo, meu carinho
se distribui em versos... Mas sozinho
até prefiro estar, que me abraçassem...
Porque é preciso tanto acomodar!...
Visitas e presentes, nesse ardor
que o furacão acalma e a brisa alísia...
E assim, me escondo por baixo do cantar,
sem nunca desfrutar de um novo amor,
purpúreo e róseo, como a Setcrísea...