VIVEIRO (BIRDCAGE)
B I R D C A G E [V I V E I R O]
Ciclo de Poemas sobre o Amor e os Pássaros
William Lagos, 2006
VIVEIRO I -- O CISNE
A quem compararei o meu Amor?
Ao cisne alado, de grande envergadura,
Suas penas brancas, de singular textura,
Seu deslizar constante e sem temor...
Vive nos lagos, à sombra de um castelo
[Castelo eu tenho, no meu coração],
Corta as alturas, seus remígios são
Leme seguro ao seu destino belo...
E agora, ela se esforça por tornar
[Depois de tantos anos desperdidos],
Em perfeição, a mágoa de seu seio...
E sei que um dia chegarei a olhar
O vôo branco e os triunfos obtidos
De uma menina que foi Patinho Feio...
VIVEIRO II -- A ÁGUIA
A quem compararei o meu amor?
À águia altiva, de olhos penetrantes,
Senhora dos espaços cintilantes.
A mostrar, corajosa, esse valor
Que conquistou, com tanto sacrifício,
Depois de sofrer muito, pelos erros
Que cometeu, ao longo dos desterros,
Que lhe trouxeram tanto malefício...
Porque essa águia real, essa mulher,
Que encontrei um dia, malferida,
Por um antigo amor desiludida,
Um dia há de tornar-se o que mais quer:
E quando seus tesouros compartir,
Seu coração em glória há de expandir.
VIVEIRO III -- O PARDAL
A quem compararei o meu amor?
Ao pequeno pardal, que mal pipila,
Exposto aos gatos, nem sequer vacila
Ou aos golpes do ciúme e desamor.
Porque esta doce prenda de menina,
Enraizada há tantas gerações,
Nesta terra sulcada de emoções,
É, ainda assim, graciosa e feminina.
Temor não sei qual seja que a dirige
A confessar amor e a recantar,
Qual se tudo não passasse de ilusão,
Na insegurança, afinal, que tanto a aflige,
Penas castanhas de vago cintilar,
Na singeleza castanha da infração...
VIVEIRO IV -- A COTOVIA
A quem compararei o meu amor?
À cotovia, que anuncia a aurora,
Que vôo alça inda à noite, nessa hora
Em que o sol mal nos mostra seu rubor,
Mas canta a alba do risonho dia,
Gorjeia alegre e cheia de pujança,
Na melodia que me dá esperança
De ver-me nos seus olhos, como via
Brilhar nos meus o canto da saudade,
Dessa avezinha tímida e insegura,
Nas tempestades de seu coração,
Tão turbulento em sua opacidade,
Quão cristalino, na alvorada pura,
Desse seu canto frágil de emoção...
VIVEIRO V -- A PEGA
A quem compararei o meu amor?
À pega ladra, que prefere o brilho,
Que rói os cacos, que procura o estilho,
Cintilante, mas falso, do fulgor...
A pobre pega, que deseja a jóia,
Mas a confunde sempre com a centelha,
Que se espatifa na imagem que lhe espelha,
O vidro transparente e a clarabóia...
Negros cabelos são suas negras penas;
Como se lança, em tal sofreguidão,
Empós os lumes falsos do capricho...
Qual muda de pendor; e busca, apenas,
O rebrilhar intangível de um esguicho,
Nesse inconstante ardor do coração...
VIVEIRO VI -- O ROUXINOL
A quem compararei o meu amor?
Ao rouxinol, que à noite nos encanta,
Escuro e esquivo, cujo canto imanta
E magnetiza qualquer perseguidor...
Um passarinho negro e tão mesquinho!
Quem diria, ao enxergá-lo, à luz do dia,
Que seu gorjeio tanta melodia
Pudesse produzir no escuro ninho...
Eu encontrei, um dia, um rouxinol,
Humilde e triste... E nem cantar sabia...
Mostrei-lhe seu valor e o doce canto
Que podia emitir, já posto o sol...
E hoje ela canta, estuante de harmonia,
Mas para mim restou somente o pranto...
VIVEIRO VII -- O MERGULHÃO
A quem compararei o meu amor?
Aos vôos loucos desse mergulhão,
Que cai subitamente, na efusão
De se lançar sobre melhor sabor...
Mergulha a fundo, pleno de emoção,
Mas logo volta à tona e se refaz,
Pensa de novo que algo mais lhe apraz
E volta ao vôo até nova ilusão...
E desse morno viver, esse biguá
Avista um novo alvo, precipita,
Se lança uma vez mais e até parece
Que quanto quer da vida ali achará;
E eu fico pasmo, como me concita
Para um imenso amor e então me esquece...
VIVEIRO VIII -- A CACATUA
A quem compararei o meu amor?
À pluma multicor da cacatua,
De olhar tão reluzente, em seu olor,
Que evoca a mágoa da promessa nua.
Porque é bela essa ave e quase fala:
Sua voz é rouca, estrídula, potente,
Não tem muito a dizer mas, persistente,
Repete a mesma frase e não se cala...
Quisera ouvir, que sempre repetisse,
Envolvido no encanto da plumagem,
No bico adunco, um verso reclamava
Meu coração, que mais queria ouvisse,
Esgotado o rigor da parolagem,
Que apenas reiterasse que me amava...
VIVEIRO IX -- A GARÇA
A quem compararei o meu amor?
À garça alada, de esplendor diverso,
Na elegância mais pura, ao bastidor
Espreitando meu destino, num perverso
Maquiavelismo de quem só busca ter
Um domínio total, uma perfeita,
Extrema garantia em seu poder,
Antes de ao homem se mostrar sujeita.
Porque essa mulher firme, essa beldade,
Esbelta e ágil, de casta envergadura,
Que corta os ares branca de vaidade,
Tem pernas magras e seu longo bico
Não vê que enamorado mais eu fico
Quanto mais a contemplo em minha ternura.
VIVEIRO X -- O MARTIM-PESCADOR
A quem compararei o meu amor?
Ao martim-pescador, de tantas cores,
Exuberante e esquivo em seus amores,
Avaro de mostrar seu esplendor...
Para os outros se veste, pois a mim
Quão raramente me engalana a vista...
Parece tão segura em sua conquista
Como se nem mais quisesse ter, enfim,
Como se nada lhe importasse e o alvo
Muito longe estivesse e, descontente,
Percorresse com a vista entre os escolhos
Onde melhor pescar, para que, a salvo,
Eu me sentisse, até lançar-se em frente,
Num mergulho certeiro até meus olhos...
VIVEIRO XI -- O QUERO-QUERO
A quem compararei o meu amor?
Ao grito contumaz do quero-quero,
O companheiro diário do pastor,
Cujo chamado escuto e então espero
Que faça rebrotar dentro em minhalma,
Um eco inútil, pois me desespero
De a conseguir prender, em meu austero
E casto suspirar, fingindo a calma
Instalada bem fundo ao coração.
Mas eu me agito tanto!... E segue a vista
Esse pássaro audaz, que cruza o prado,
Castanho contra o azul, bico aguçado,
Na busca de outra presa, que conquista,
A devorar tranqüila outra paixão.
VIVEIRO XII -- O CONDOR
A quem compararei o meu amor?
Já é mais árdua a escolha... Resta ainda
A indomitável herança do condor,
Nos montes a vencer distância infinda.
Sobe aos "mais altos píncaros da glória", *
Constrói seu ninho pela imensa altura;
Jamais se conheceu, em toda a história,
Outra ave de mais brava envergadura.
Nem sempre é mansa a fêmea do condor:
Defende o ninho com igual bravura
Às amazonas da épica cantiga...
E quando ela me assalta em seu fervor,
Sinto crescer em mim uma segura
Certeza desse amor de lenda antiga!...
(*) alusão ao ciclo da "poesia condoreira" do século dezenove.
VIVEIRO XIII -- A HÁRPIA
A quem compararei o meu amor?
À hárpia dominante, de ombros largos,
Em que asas se assentam, olhos amargos,
Eterna insatisfeita em seu pendor...
Que, olhada pelas costas, dá a impressão
De ser até mulher... Negros cabelos
Pendentes sobre os ombros, como selos,
Penas das penas contráteis da paixão...
É uma hárpia selvagem, tal mulher:
Quando deseja, lança-se imponente,
No exigente insistir do seu querer...
Depois... esquece tudo e nem sequer
Deseja ouvir ou ler o dom freqüente
De quem versos não lhe cansa de escrever.
VIVEIRO XIV -- O BEM-TE-VI
A quem compararei o meu amor...?
Ao bem-te-vi silvestre, de coração de ouro,
Recoberto de penas, castanha cabeleira,
Bico pequeno, suave em seu pendor.
Uma avezinha meiga e sem desdouro,
Assim parece, uma gentil menina,
Mas que surpresa nos dá, se surge inteira
A cólera; ou pela fome se encanzina,
A procurar um novo zelo; e a antiga
Luz põe de lado, sem o menor pejo,
E vai em busca, então, de um novo beijo...
Sem se importar com toda a minha cantiga,
Perdida em versejar... E assim, certeza vem:
Que, lá no fundo, amor por mim não tem...
VIVEIRO XV -- O PAPAGAIO
A quem compararei o meu amor...?
Ao papagaio, que nos fala, quase humano,
E a quem nos apegamos, nesse arcano
Amor do humano pelo seu verdor...
De forma igual que o homem, por frescor
Que sente na mulher, busca o cigano
E transitório amor, no soberano
Poder com que domina o seu ardor...
E enquanto for assim, enquanto o belo
Se quiser abraçar --- nunca se aprende!...
A mulher terá o domínio, no singelo
Verdor de sua plumagem transparente,
No transpirar do beijo, assim freqüente,
Ao qual o homem, sem querer, se rende...
VIVEIRO XVI -- A POMBA
A quem compararei o meu amor?...
À meiga pomba, que mansamente arrulha
E, ao mesmo tempo, meu quintal entulha
De branco guano de imortal fedor...
Que meus leitores esperavam, creio,
Nesta comparação de sonho e aves,
Falasse de ternura, como tanto leio,
Ao mencionarem as pombas, sem entraves...
Mas são aves ferozes, as pombinhas...
Pois matam outros pássaros, sem pena,
E se agridem umas às outras, às bicadas!
Não me servem de símbolos, nem minhas
Quero mulheres cujo amor condena
Este cantor a suportar línguas de espadas...
VIVEIRO XVII -- O COLIBRI
A quem compararei o meu amor?
Ao colibri, quem sabe, pequenino,
Como um amor de egoísta, em seu divino
Pairar nos ares e recuar, sem destemor.
Bebe somente os líquidos mais nobres,
Pois água nunca toma; é cintilante
A sua penugem, azul e verdejante,
Em vários tons cambiantes; só são pobres
As notas de seu canto, que é um estalo,
Do fundo da garganta, estertor leve.
E como é arisco, enfim, o beija-flor!...
Um pássaro sem asas, um vivo halo,
Um arco-íris de sangue, que até deve
Ter sido o sonho de um fauno multicor...
VIVEIRO XVIII -- A GAIVOTA
A quem compararei o meu amor?
Será às asas brancas da gaivota,
que se expandem, ao longo de sua rota,
que abarca as praias e os ares do interior,
das terras ribeirinhas até o pleno mar,
a sentinela que a vastidão esgota,
com a agudez do olhar e que rebrota
a cada tempestade ou preamar...?
Foi sempre inspiração dos marinheiros
que poetas foram... Para os cozinheiros
foi somente um esgoto dos detritos,
a quem sobras lançavam, cujos gritos
estridenciavam as velas e o timão.
E a mim perfuram, lento, o coração...
VIVEIRO XIX -- A ANDORINHA
A quem compararei o meu amor?
À andorinha, que percorre os montes,
Que abrange os mais distantes horizontes
E tudo vê e observa em seu candor.
Porém provando somente a água das fontes
Que lhe permitam voar, ao alcandor,
Mas sem participar desse esplendor
Que o mundo enche e estabelece pontes
Entre o virtual e o apenas corriqueiro.
Mas meu amor é doce e persuasivo
E me conduz a névoas registrar...
Não que o fantasma seja verdadeiro,
Não mais que um sonho seja redivivo,
Pois vive apenas na ânsia de cantar.
VIVEIRO XX -- A CODORNIZ
A quem compararei o meu amor?
Talvez deva referir-me à codorniz,
ave de estranho pingente no nariz,
gorda, estonteada e cheia de temor...
Dificilmente um símbolo amoroso
essa codorna... Ainda que se diga
que seus ovos têm poder, que se consiga
manter-se por mais tempo no audacioso
combate pelas fêmeas sorrateiras...
Pois tudo querem, pouco dando em troca,
por mais que se lhes desse o coração...
Essas mulheres nunca verdadeiras,
que mentem a si próprias, cuja boca
nunca revela qual seja sua intenção...
VIVEIRO XXI -- O GAVIÃO
A quem compararei o meu amor?
A um gavião que, pedaço por pedaço,
me arranca a carne e só me dá escasso
retorno em troca de todo o meu valor...
Tem garras afiadas a gavião...
Já me arrancou das órbitas os olhos,
com que pretendia ver escolhos
e conduzir firmemente o meu timão.
Para alcançar, enfim, melhor futuro,
para ser de meu barco o comandante,
para meus planos assim realizar...
Mas estou cego, a perscrutar o escuro.
Um gladiador sem armas, delirante,
que nem sequer decide o que enfrentar.
VIVEIRO XXII -- A ALMA-DE-GATO
A quem compararei o meu amor?
À alma-de-gato, cuja voz plangente
melindra o homem do campo, em seu freqüente
miado lamentoso e enganador...
É como se cortasse a solidão,
no reencarnar pujante de um felino...
Talvez um leão-baio... ou um desatino
a horrorizar de emboscada o coração.
E assim eu vejo nela: hoje ronrona,
mas amanhã é a onça, que me espreita
e nunca sei como a mim reagirá...
Nem sei como resisto, se ressona
um rancor sideral, que me desperta
e nem sei que outros desgostos me trará...
VIVEIRO XXIII -- A AVESTRUZ
A quem compararei o meu amor...?
Quem sabe, ao avestruz de longas penas,
de grandes olhos, ávidos de gemas,
duas gemas eles mesmos, no rigor
com que examina o mundo, cobiçoso...
Mais que comida, procura sua moela
conservar bem repleta, porque ela
lhe permita triturar o mais nodoso
alimento, que engula quase inteiro...
Mas meu amor engole humana gente,
que tritura no fundo de sua mente
e transforma em novos personagens,
para que, num alento derradeiro,
possam povoar de seus contos as miragens...
VIVEIRO XXIV -- O PINGÜIM
A quem compararei o meu amor?
Será ao pingüim, com seu fraque ridículo?
Como um bruxo, a presidir um conventículo
de feiticeiras nuas... seu calor
a exudar... permeando o trajo inadequado,
buscando conservar-se inacessível,
ao mesmo tempo que busca a impossível
consolação de um beijo imaculado...
Por sua posição, de incrédulo profeta
da deusa viva e morta e ressurreta.
Ele que apenas quer-se ver amado,
mas se entoleima na gala, apalhaçado,
de quem pretende conhecer segredos
por trás da máscara... que só lhe esconde os medos.
VIVEIRO XXV -- O PAVÃO
A quem compararei o meu amor?
Pensemos no pavão, que a cauda espeque.
Centenas de olhos cegos neste leque,
escudos num velame de esplendor.
Pois dizem que sequer olhar os pés
consegue... São disformes essas patas,
adequadas a planícies, não a matas,
como pobres alicerces têm as fés.
que tanta vez empolgam os humanos...
Uma cabeça altiva, em suas roupagens,
um substrato oco em suas miragens,
mas sem quaisquer poderes sobrehumanos.
E assim é meu amor, rico e vazio:
leque abrangente em seu destino frio...
VIVEIRO XXVI -- O TUIUIU
A quem compararei o meu amor?
Ao tuiuiu, de plumagem tão estranha,
de hábitos mutáveis, de tamanha
versatilidade em seu vigor...
Desaparece ao longo de estações.
Depois retorna, tal qual uma cegonha,
esse pernalta, por mais que se exponha
às investidas de tantas gerações
de répteis famintos... Cruel mundo
é esse tão louvado -- o natural...
E meu amor é assim que sobrevive,
por pura persistência, de rotundo,
aos embates do plano individual,
em todos os ambientes em que estive...
VIVEIRO XXVII -- O DODO
A quem compararei o meu amor?
Ao pássaro imortal, o extinto dodo.
Um amor empalhado, com denodo
a resistir às traças, com valor...
Um amor antigamente devorado;
amor outrora tido delicioso,
amor de pássaro, sem nada de ardiloso,
que hoje só pode em museus ser encontrado.
Pois tinha amor tão manso, tão gentil,
o pobre dodo, que nunca se esquivava...
E era logo morto e alimentava
os navegantes... Sem nada de sutil,
realizou-se a extinção de tal amor,
então buscado... tão só por seu sabor.
VIVEIRO XXVIII -- A CEGONHA
A quem compararei o meu amor?
Será à cegonha, de vôo compassivo,
trazendo ao bico, no mais puro candor,
os filhos de uma raça?... Ao redivivo
rebrotar fraudulento de uma lenda,
em que não se acredita... E se pretende,
nessa invenção solícita, ver prenda
de um Criador que às preces sempre atenda,
quando um casal deseje conservar
para novas gerações o seu genótipo...
É assim o meu amor, finjo que é meu,
mas só pertence à lenda, que a adejar,
renova em mim as fraldas... Num arquétipo
de tantos versos que Dionysos me deu...
VIVEIRO XXIX -- A GRAÚNA [THE GRACKLE]
A quem compararei o meu amor?
Às asas negras daquela graúna
louvada de Alencar, e que reúna
em si as graças de um vago e sedutor
sorriso que, afinal, nunca apelara
para meus gostos fixos na Europa,
nessa cultura fixa, que engazopa
seus descendentes, em modelos que marcara
como sendo ideais completos de beleza,
na nórdica perfeita e escandinava,
mas que, enfim, não me acordou paixão...
E agora vejo, sem grande surpresa,
que meu ventre cada vez mais excitava
a típica morena da canção...
BIRDCAGE XXX -- O TANGARÁ
A quem compararei o meu amor?
Ao tangará, que dizem sete cores
possui em sua plumagem de esplendores
a reluzir dos bosques no verdor.
Porque essas sete cores, também tenho,
Meus versos não são simples. Ao contrário,
podem ser lidos em estranho e multifário
e múltiplo sentido, em cada empenho.
Onde se vê ciência, existe sexo.
E onde se vê sexo, é alegoria
para guerra ou religião. E se avizinha
por trás dos versos, um obscuro nexo.
Em vez de amor, lá está a filosofia,
que me consola das ausências da rainha...
VIVEIRO XXXI -- O UIRAPURU
A quem compararei o meu amor?
Ao uirapuru, que dizem seresteiro,
em seu canto profundo e condoreiro,
proclamando nos bosques seu valor...
Como todos, o seu canto é interesseiro.
Não se encontra dos humanos ao dispor.
Não se destina a transmitir calor,
mas apenas demarca o seu terreiro...
Territorial é esse canto. A área de caça,
a posse de suas fêmeas, seu domínio:
nenhuma transcendência nos perpassa...
Porém, quando se vive em solidão,
seu canto surge, com fatal fascínio,
e esmaga, gentilmente, o coração...
VIVEIRO XXXII -- THE ALBATROSS
A quem compararei o meu amor?
Finalmente, chegamos ao albatroz,
ave sacra-maldita, em seu atroz
receptáculo de intrínseco valor...
Também maldita, pois se um marinheiro
arranca a vida a uma dessas aves,
[especialmente nas antigas naves
sopradas pelos ventos] o aventureiro
levava por força ao pescoço sua carcaça,
até que ela caísse e essa desgraça
afastasse do barco em que se achava...
E é assim o meu amor: contradição
que tanto me maltrata... e pendurava
por minhas artérias ao próprio coração.
[Shades of Coleridge, do forgive me!...]