PRIMAZIA & MAIS
PRIMAZIA (4 ago 79)
Nosso amor foi tão curto e tão pequeno...
Amor de adolescentes, tão vigiados,
Tantos olhares aos ombros debruçados,
Tantos sorrisos de sutil veneno...
Nosso amor foi tão breve e fugidio...
Roubado instante, um figo temporão,
Num clímax febril, nossa ilusão
Desfez-se em véu bem longo de vazio...
E nosso amor, pequeno e cintilante,
Só na alma rebrotou-me, em doce canto
De sutil esplendor na madrugada...
Nosso amor foi condão da mesma fada:
Leve botão de flor, brilho de instante...
Foi tão pequeno... e a mim encheu-me tanto!
PRIMAZIA II (26 jun 10)
Foi tão pequeno e a mim encheu-me tanto
que queria um novo amor de adolescente:
amor vigiado por olhar frequente,
amor que eu possa transformar em canto,
amor que eu possa ver mais complacente
do que o amor que foi grande e, no entretanto,
se esvaiu, tal como sempre seca o pranto,
com o perpassar do tempo indiferente...
Eu quero tal amor de luz fagueira,
que me permita beber de novo a aurora,
que me autorize um naco de ilusão,
que me dê uma certeza derradeira,
deixando para trás o meu outrora,
nessa troca da esperança por condão.
PRIMAZIA III
Nessa troca da esperança por condão
já não preciso cortejar a fada:
entre centelhas admite ser amada,
muito mais que em altar de adoração.
Todo poeta sofre tal inclinação:
num pedestal a deusa idolatrada
colocar firme e pintá-la de dourada,
mais fulgurante que sonho de paixão.
Mas esse brilho sai por entre os dedos,
a boca se enche de ouro em beijo forte,
tem carne e osso a deusa de meu canto...
E aqui lhe contarei os meus segredos:
eu quero mesmo é entretecer minha sorte
com a dessa fada a quem desejo tanto...
VEREDICTO II (24 JUN 2010)
Minha carne no teu ventre, sem contê-la,
esvaiu-se de luz, em ilusão possível,
quimera verdadeira, imarcescível,
nessa explosão beata de uma estrela!
No terremoto de penhor inexaurível
em que me concedeste a carne bela,
sem rédeas na paixão e sem perdê-la,
mesmo após um prazer incompreensível.
Que não se chega à flor de teus segredos
somente por cantares de magia:
é pelo ventre que se chega ao coração;
não passa por lamúrias de degredos,
porém por meio da exigência que sentia,
bem mais forte que o bater dessa paixão.
VEREDICTO III
Bem mais forte que o bater dessa paixão
é tal reclamo da original demanda,
porque desejo somente assim se abranda
na ejaculada centelha da emoção!...
Talvez nisso eu esteja em contramão
do que a ética à poética comanda,
em que o sexo seja ação nefanda,
em contraste com os sonhos de Platão!
Mas embora seja linda a abstenção,
que nos permita criar melhores versos,
se não guardada, um outro colhe a rosa.
E que tudo o mais é só contrafação
dos desejos no sexo dispersos,
tu me ensinaste hoje, deleitosa!...
CENSURA I (21 AGO 79)
Eu digo a todos o que ninguém diz:
Quer gostem, quer não gostem, está dito
No meu cantar de bênção ou maldito
Eu conto a todos quanto ninguém quis
Contar antes de mim de igual maneira,
Pois trago deste mundo o ferimento,
Cravado firme em pleno sentimento,
Numa pancada seca e derradeira.
Por isso que meus versos são chocantes!
Não por falar de orgasmos cintilantes,
De fezes, de suores, de vagina,
Mas porque as chagas mesmo, horripilantes,
Exponho sem pudor, tão humilhantes,
Tal qual se me orgulhasse dessa sina!
CENSURA II (24 JUN 2010)
Mas já não digo mais o que eu dizia...
Não que as palavras se tornem comedidas
pela auto-censura. É que as feridas
se tornam cicatrizes de elegia.
Hoje meus versos assumem a harmonia,
são mais naturalmente concebidos
que em tempo de paixão. São por mim lidos
e, sem querer, pratico cirurgia
e amputo esta palavra mais feroz,
que poderia causar um tsunami
e podo os versos quase sem sentir,
oculto assim, nas dobras do albornoz,
sem esperar jamais que alguém me ame,
evito os ódios que possa produzir...
CENSURA III
Logo agora em que dizem tanta coisa
da forma mais grosseira e mais vulgar,
eu evito referir-me ao lupanar
em que os preços são escritos numa lousa.
Talvez porque tal ânsia enfim repousa:
é outra alma que fala em meu lugar:
aquela escrita audaz e irregular
tornou-se florentina e mais sedosa...
Que as rimas ricas brotam do luar,
enquanto o Sol é menos complacente.
Eurídice, afinal, perdeu Orfeu
mais do que Orfeu a ela, em seu penar.
E embora eu permaneça ainda fremente,
não mais importa qual destino seja o meu.