ORGASMOS DA ALMA / SIMBIOSE / SEQUELAS

ORGASMOS DA ALMA I (2008)

A luz azul que assim minhalma invade,

tão azul quanto essa flor sob a janela,

azul como o estertor de cada vela,

azul da radiação que me pervade,

azul de gelo frio, mortalidade,

que me consome, azul por ser singela,

azul fugaz de inconsequente estrela,

azul que me devora à saciedade,

azul da luz lunar, azul da rocha,

azul que me delira e me enaltece,

pálido azul do céu em pleno estio,

azul que o peito crema, facho e tocha,

azul que traz o bem e o mal esquece,

nesse azul de uma turquesa em pleno cio.

ORGASMOS DA ALMA II (13 mai 11)

A verde luz que a alma me consome,

a verde luz de todos os projetos,

a verde luz dos sonhos mais secretos,

a verde luz que em ambição me tome,

a verde luz que o coração me come,

a verde luz refletida pelos fetos,

a verde luz pintalgando tantos tetos,

a verde luz que minhas ânsias dome,

A luz é verde, dizem, da esperança,

a luz é verde dessas samambaias,

a luz é verde e sempre persistente,

que verde é a luz que meu olhar não cansa,

tão verde a luz dessas quimeras gaias,

quão verde a ingenuidade permanente.

ORGASMOS DA ALMA III

A luz que amo traz a cor turquesa,

a luz que amo mostra-me o berilo;

a luz que amo se reflete em cada silo,

a luz que amo não me traz certeza...

Mas essa luz cianofícia de pureza,

a luz da turmalina em cada filo,

a luz secreta que origina o Nilo,

a luz esmeraldina da altiveza,

essa mescla de verde com azul

e que reflete tantas ilusões,

não é a luz real da Natureza,

branco reflexo da toga do curul,

negro enlutado por mortais paixões,

é a luz do amor que amou e ora despreza.

ORGASMOS DA ALMA IV

Que toda a luz do azul faz-se esverdeada,

na mescla alquímica, em prisma de amarelo,

na missiva lacrada em tons de selo,

nessa luz glauca da primeira madrugada.

Que a verde luz tem laivos de azulada,

lápis-lazuli do esplendor mais belo,

gateada e zarca nos reflexos do gelo,

azul e verde na praia ensimesmada...

Azul deste desejo ainda premente,

enquanto verde aos poucos se desbota:

pode ser última a esperança, porém morre

e é assim com todo o cio: o mais presente,

após o orgasmo, vertida a última gota

da própria alma, que azulverde escorre...

SIMBIOSE I (2008)

Não era para ser a transcendência:

era apenas um amor de pó e rascunho.

Somente uma razão para meu punho

traçar um labirinto, com paciência...

Era pra ser não mais que revivência

de jatos amorosos, luz de junho,

abeirada de um sol de estranho cunho,

gravando em pedra luz de transparência.

Mas transcendência foi. Tomou-me todo,

sacudiu célula e nervo, cada rim,

e consumiu-me, no brilho de uma prece.

Na sarabanda de emoções a rodo,

mais uma vez eu constatei, assim,

que cada um tem a transcendência que merece.

SIMBIOSE II (14 mai 11)

E é essa que mereço. Não consigo

amar apenas superficialmente

e quando me enamoro, bem contente,

me entrego corpo e alma nesse abrigo.

Não meço consequências, nem perigo:

amor somente é amor quando é ardente.

Cada amor morno um amor indiferente,

cada amor seco um fino grão de trigo,

não mais que nutrição; sem alma o sexo

não passa de um amor feito em mingau,

nessa pasta de líquidos humanos,

em pura troca mútua, sem ter nexo,

um pobre amor mesquinho, um amor mau,

sacrificado aos deuses mais tiranos.

SIMBIOSE III

Mas o que busco é mais a transcendência

e não apenas um roçado de membranas.

Eu busco as emoções super-humanas,

que só nas almas têm sua revivência.

Não busco amor pela superveniência

do desejo sexual dos doidivanas.

Embora sinta do sexo as mil ganas,

na insistência da raça em permanência.

O que eu desejo é bem mais do que o desejo

de desejar a carne que mais quero.

Mesmo o desejo de um corpo que venero

não se esgota somente em puro beijo.

Pois o meu beijo é muito mais profundo,

um beijo dalma com que a nós dois inundo!

SIMBIOSE IV

E fico assim em amor mais luciforme

e não de Lúcifer, somente, em palidez.

Não foi amor tão só que a gente fez,

mas sentimento bem mais desconforme.

Essa ansiedade viril que me transforme

em pai da raça, da raça de minha grês,

filho da raça, em fúlgida altivez,

da raça humana, por mais que se deforme.

Pai de mim mesmo e pai de ti, no ato,

em que derramo o sêmen de meus versos

sobre o ventre da mente palpitante.

Filho de mim e filho teu, de fato,

em transcendência voraz assim conversos,

neste poema que bem sei ser delirante.

Sequelas I (2008)

Amor é a cornucópia da esperança,

em sua ilusória sensação de plenitude.

O próprio solo perde a concretude,

envolvido em ondas rosa de bonança.

Porém não é a cornucópia da abundância,

que a bênção desse amor somente ilude,

pois só impede que se trabalhe ou estude,

envolto assim no ópio da fragrância...

Mas mesmo assim, amor é privilégio

de feromone perfeito e triunfal,

por mais que tal olor seja ilusório...

Não obstante, permanece o sortilégio,

que em fugacíssima glória terrenal

nos faz viver no eterno o transitório.

Sequelas II (28 mai 11)

Mas como essa certeza nos ilude!

Amor é frágil taça de cristal

que se confrange aos poucos, natural

consequência dos brindes a que alude.

E então, num toque de feição mais rude,

se faz estilhas, em lágrima final,

e os fragmentos nos mordem em caudal,

enquanto o vinho o sangue nos escude...

Fica na mão o cálice quebrado,

pela sua haste apenas sustentado,

gotas de amor nas vestes se respingam.

Melhor que um copo, enfim, que cortaria

bem mais profundo a mão e talharia,

em finos cacos os sonhos que nos pingam.

Sequelas III

E mesmo assim, não permanece eterna

esta incerteza que a alma retalhou?

O rasgão fica, por mais raso que chegou,

na pele da alma, em emoção interna...

E de branca que era, a derme externa

se tinge desse vinho que escoou

por entre os dedos e na pele se entranhou,

até chegar à alma sempiterna...

Pois não é verde a esperança nalma,

é antes rósea flor, meigo botão,

a titilar, em cada exultação,

a mais tranquila e cuidadosa calma,

porque amor nos dá prazer em quantidade

e é lenço branco a prometer felicidade.

Sequelas IV

Mas o que amor nos traz é inquietação:

do mundo em torno o brando esquecimento.

A cornucópia escorre em jorro lento

e não dá mais total satisfação.

Porque ao invés de ser chifre essa emoção

do corno da abundância em seu portento,

é feita de cristal e assim, quebrantamento

é seu destino e de bem curta duração.

Mas essa glória em que o amor fenece

se troca, às vezes, pela convivência,

por algo bem mais longo que a paixão.

Cada carinho o apego de uma prece

e em cada afago, renovo de paciência,

eu cirzo a alma com fiapos de ilusão...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 04/06/2011
Código do texto: T3013445
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