SUBITAMENTE & MAIS

SUBITAMENTE

por certo não desejo, por certo foi certeza...

acometido fui de estranho sentimento,

mais garantia do que pressentimento

de que todos os caminhos da nobreza

para nós se abririam, sem demora:

que as portas seriam descerradas,

que as emoções se fariam reveladas

e as campânulas dobrariam nossa hora,

em que afinal, depois de longa espera,

em que o engano trocista me traía,

em que trilhaste largos descaminhos,

estaremos de novo nessa esfera

que em paz e afluência nos unia,

na permanente guirlanda dos carinhos...

CANTO INDECISO XXXIV

Dá ouvidos a ti mesmo e atenção

ao que de fato queres, bem no fundo:

talvez descubras lá amor profundo

que nunca revelaste ou que a razão

te impulsiona a caminho bem diverso

desse que agora trilhas. A mudança

é um dom dos deuses. A criança

que vive em ti deseja novos versos...

Talvez, até agora, te negaste

o que bem lá no fundo mais querias,

mas sempre há tempo, se houver vontade!

Escuta a voz de dentro, que apagaste

e busca o velho impulso que sentias,

quando teus olhos viam sem maldade...

ALCORÃO V

Não era um iletrado o carpinteiro

Jesus de Nazaré, que alguma vez

escreveu, sobre a areia e sobre a grês,

algum preceito, que se apagou ligeiro...

Seus discípulos redigiram, por inteiro,

apenas trechos dos sermões que fez

e não se saberá quanto refez

a Igreja, no Evangelho derradeiro...

Tampouco posso ter a pretensão

de que durem para sempre tantos versos

quantos compus ao longo destes anos...

Somente me alivia o coração

expandir-me em sentimentos tão diversos

quanto diversos os corações humanos...

ALCORÃO VI

Dizem que Jethro é que ensinou Moisés,

da boca para o ouvido, lentamente,

à beira da fogueira, brandamente,

sabedoria ofertada de través...

Ele escutava o sogro; e a seus pés

sentava Séfora, esposa complacente,

que talvez fosse intérprete inocente

desses princípios das mais antigas fés.

Quanto a mim, mal me tenho por profeta

e nem sequer aceito a obrigação

de acreditar nos versos que escrevi...

Apenas sigo minha função de esteta

e, quando alguém me pede explicação,

eu lhe respondo: "Eu só trabalho aqui..."

CANTO INDECISO XXXV

Que mais resta cantar que ideais desfeitos,

sonhos perdidos nos vazios cansados

de universos amargos, descuidados,

em que meus sonhos nasceram, contrafeitos.

Meus pobres sonhos poderiam ser perfeitos,

mas com o passar do tempo, lastimados,

se ressecaram, meus sonhos machucados,

sem pena ignorados, sem efeitos...

Que, pouco a pouco, se foram encolhendo

e se tornaram tão só sonhos mesquinhos,

que fui levado a amar, os desprezados

por meus ideais de outrora, recolhendo

cacos de sonho apenas, pequeninhos,

por serem só tão raro realizados...

CANTO INDECISO XXXVI

a Natureza, em todos seus caminhos,

busca o menor Esforço; e já foi dito

que só a presença de um Construtor bendito

poderia explicar os Escaninhos,

em que se acolhem Fenômenos vizinhos,

da Maneira mais fácil, qual escrito

já fora o seu Roteiro circunscrito,

para encaixarem-se em todos os Cantinhos.

mas seria de Espanto bem maior

que a natureza inteira Procurasse

aquilo que lhe fosse mais Difícil...

pois, certamente, a Busca do melhor

bem mais Fácil será, sempre que achasse

o alvo mais correto de seu Míssil...

FERRARIA I

Quando o ferreiro tempera o seu metal,

martela com o malho, muitas vezes

até que se enrijeça; em seus arneses

o prende com tenazes... Tão real

é o calor, que até o aço se avermelha

e então se torna duro e quebradiço:

tem de ser resfriado e novo viço

ele adquire, maleável para a grelha.

Esse é o processo do enrijecimento:

uma alternância de frio e de calor,

até que o gume se aguce e mais se afine.

Também isso nos ocorre... O sentimento

tem de esfriar, às vezes... Só o amor

não é perpétuo para o fim que se destine...

FERRARIA II

Será assim na vida: o martelar,

golpes constantes, calores e tortura

nos enrijecem, mas quebra-se a ternura;

alheio alívio precisamos alcançar...

Mas quando tudo é fácil de moldar,

a nossa alma permanece impura,

moldável e pliável... Nunca dura

esse formato a que se deve adaptar...

É essa linha fina e equilibrada,

entre a dor e seu alívio, calculada,

que cria o aço e a alma temperada...

Como é difícil aos outros educar!...

Mesmo que em nós seja a têmpera alcançada,

talvez até se perca... ao se tentar!...

METAMORFOSE

Que foi que me tocou? Os dedos leves

A seguir-me dos malares o contorno,

Numa prece tão meiga e sem retorno

Que apenas enviar aos deuses deves?...

Que foi que me tocou? A insinuação

Velada apenas ao véu nictilante

De ofídios olhos teus, tão cintilante

De que vinhas a buscar-me o coração?

Que foi que me tocou? A sensação

De ter achado com finalidade

A fonte amiga da emoção mais pura?

Só sei o que senti: suave emoção,

Num leve adejo de felicidade,

Toca-me a face e a mágoa assim me cura.

INVITATION

Clear it is, that when poems I write,

(even when in the verses never tampering

because they come ready and, at sight,

I only cover the sheets with lingering

lines galore, so weirdly throbbing,

in their genteel metrics so uniform,

their pure singing rhymes liquid sobbing,

though in the ideas always disconform...),

I should like to have pleasure with thou,

mine in writing -- yours, in the listening,

in such a pure miracle as of yore,

clear to the eyes of all, but human though,

if only thou the means will find fitting

to open me thine heart's secret store...

(English version composed on Jan 4, 2006, over the original in Portuguese below, from 1979.)

CONVITE

Claro está, que ao traçar de meus poemas

(Mesmo que nos poemas não interfira,

Porque já chegam prontos e eu apenas

Recubra do papel a longa tira,

Com versos que palpitam, singulares,

Na métrica sutil tão uniformes,

Na rima puros e límpidos cantares,

Mas nas ideias sempre desconformes...),

Eu gostaria de ter prazer contigo:

Eu, de escrever... E tu, de me escutares,

Nesse milagre puro e tão antigo:

Claro aos olhos de todos, mas humano,

Se tu ao menos meios me entregares,

De abrir-te o coração -- em gesto arcano...

AMBLYOPE

So that's my Fate, to see myself doubled

In the same generation that left me forlorn,

Ever so often by Love's crafty smile torn,

Again so often by such Love troubled...

I ran away a little, you showed a little scorn,

And then you challenged me in hatred and struggled

My bitter flesh to bound -- and with vastness adorn,

Repealed, invited, beckoned, in withdrawal boggled.

Never understood women, men have never known,

Only ken myself -- and the Love from me flown

Toward you -- the Love unpent and unenjoyed.

Love so often lost, in Love never rejoiced,

Love within my grasp and lost the Love sought:

Love minced to bits the only Love I caught...

AMBLÍOPE

Meu destino, afinal, é ver-me duplicado

Na mesma geração que tem-me desvalido,

E quantas vezes creia Amor tenha sorrido,

Nas mesmas vezes tenha Amor desprestigiado...

Um pouco fujo eu -- um pouco tu me evitas,

Quase me desafias, em detestar me odeias,

A carne minha amarga de vastidão enleias,

Repeles, retrocedes, acenas e concitas...

Nunca entendi mulher, dos homens nunca soube,

Eu sei só de mim mesmo, eu sei quanto te quero,

Amor não cabe em mim, Amor nunca me coube:

Amor que perdi sempre, Amor não recupero,

Amor que julgo ter, um outro Amor me roube,

Amor que despedaça o Amor que mais espero!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 07/06/2011
Código do texto: T3019267
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