EM TEUS SONHOS

Ontem era uma pedra sem família

Um lar de desertos e poemas pendurados nos ombros

Uma pedra sem lembranças

Um tio sem parentes e nenhuma foto desbotada no embornal

Ontem era uma pedra solitária

A discorrer sobre perdas e danos e poetas desajustados

Suja de terra e de nariz vermelho

Uma pedra - diria - abandonada e que discorria sobre lagartos

Que mal amanhecia e já se punha no mesmo lugar

A olhar as aves e as salamandras e búfalos e elefantes

Uma pedra

Esquecida por quem a poliria até um enfeite

E em teus sonhos - pedra -

O rio navegava sobre teus lábios de pedra-ume

Umedecida por toda a sua vida

Em teus sonhos

Saía a passeio no colo da mulher mais bonita

E dormia sobre a vasta pedra-mármore com os braceletes

Mas te vejo

Adormecida e sem fragmentos

No meio do nada

Onde repousam as partículas que vão e vem

Sem perguntas sem respostas

Avessas ao movimento das rodas dos girassóis

Que se movem diante do sol.