CARROSSEL / MEANDROS / RAPSODO / PRETEXTO
CARROSSEL I (9 ago 79)
Queria estar agora a sós contigo,
Em nossa noite azul de sangue ardente,
Correndo nas artérias tão fremente
Pelo teu jovem corpo tão antigo.
Queria estar agora em permanente
Rosácea vinculada a teus sentidos;
Queria ser a pérgola de olvidos
Por que o mundo avistasses continente.
E te amaria então, com o mesmo ardor
Que sinto pelas veias tumescidas,
Nas costas desta mão bem aquecidas
Pela força da espera desse ensejo...
Quisera estar agora em pleno amor,
Meu sangue a fecundar teu puro beijo.
CARROSSEL II (20 set 2010)
Queria ver-te assim, qual vi outrora,
enaltecida pelo ardor primeiro,
no surpreendente ardor que, derradeiro,
me feche as pálpebras ao soar da hora.
Queria ver-te assim, na mesma aurora
em que te percebi, quando esse argueiro,
em lágrimas dos olhos, sorrateiro,
de mim fluiu quando te foste embora.
Queria conservar perpétuo o abraço
que vejo agora somente no passado,
esse estrondo de luz feita em orgasmo
e percorrer assim o antigo traço,
já tanta vez riscado, em véu alado,
no próprio som rotundo do entusiasmo.
CARROSSEL III
Queria estar contigo entre meus braços
qual nunca tive antes, em tamanho
orgasmo multicor de meu antanho,
em listra paralela a de teus passos.
Queria agora cruzar iguais espaços,
para te transmitir o mesmo ganho
de prazer a tremular em igual amanho
que confirmasse o ardor de velhos laços,
para te amar inteira em transparentes
correntes multicores de paixão,
tão permanente em sua fragilidade
quanto as cores derradeiras dos poentes,
nessa tristeza que envolve o coração,
enquanto as cores vão perdendo a majestade.
MEANDROS I (11 ago 79)
Eu tenho tanto para te contar!
Tanta esperança em vesga nostalgia,
tanto prazer fingido de agonia,
tornado verdadeiro ao te abraçar...
Eu tenho tanto para te dizer!
Tantos planos ainda no inseguro,
inquieto planejar do meu futuro
porvir a que deveras pertencer...
Eu tenho tanto para te falar!
E inda não sei se falarei um dia,
pois essas vezes em que a hora fugidia
permite-nos rever na intimidade,
são devotadas do corpo à saciedade
e nunca a alma te posso revelar!
MEANDROS II (5 ago 10)
É que minhalma não é feita de uma só
experiência de vida: eu tenho muitas!
Tenho almas que se arrastam pelo pó,
tenho almas que se apegam às alturas,
tenho almas encadeadas em agruras,
outras que foram breves e fortuitas,
tenho almas amarradas com cipó,
outras tenho a gozar delícias puras!
Por isso tenho tanto que falar:
não são apenas as facetas de uma alma:
em mim habita essa esquizofrenia
de mil almas em constante balbuciar,
entre tormento e a mais perfeita calma,
nesse balé que rege a fantasia...
MEANDROS III
Verdade é o que te digo ao pé do ouvido
ou nestes breves, múltiplos bilhetes.
Mas os versos são revoada de confetes,
que a cor de tantas almas tem contido.
Será inútil realizar as mil enquetes
necessárias a domar o desabrido
burburinho de idéias transmitido,
nem há arquivo em que todas introjetes.
Mas procura me ler além das rimas,
para que escutes minha voz real,
que te fala com maior sinceridade
que a dessas almas perdidas nas esquinas
dos escaninhos do mundo imaterial,
meu próprio amor ocultando em falsidade.
RAPSODO I (9 AGO 79)
Eu devo apenas um -- soneto escrever hoje,
Porém que seja puro e a lágrima que foge
Me sirva assim de tinta e o coração me arroje
No mesmo ideal de amor e seiva fugitiva.
Eu quero apenas um -- orvalho em claro verso,
Porém que seja fresco e em relva já disperso,
A cintilar nas teias, qual em colar converso,
Tecido alacremente em prece rediviva.
Apenas um poema, a troco de meus dias,
Que prenda o antigo ardor e a trama capture
De forma tal que o aroma também me enrapture
E leve-me a entender, no cintilar da aurora,
Que meiga tremeluz centelhas fugidias,
A mesma chama azul que ardeu no meu outrora.
RAPSODO II (22 AGO 10)
Desejo apenas um -- soneto de lembrança,
Porém que seja claro e, sem qualquer poupança,
Descreva integralmente o meu ideal, que alcança,
Em vascas de saudade, a estrela fugidia.
Preciso só de um -- retalho de minha vida,
Já tão esfarrapada, já tão desiludida,
Já tão depauperada, levada de vencida,
Enquanto a seu redor o antanho se escondia.
Apenas um poema, a troco dessa luz,
Que escorre de teus dedos, em singular carícia,
Translúcida tua pele, em mágica agonia,
Que ainda em meio à treva ao fado me conduz
De apenas divisar, envolto em pudicícia,
O antigo ideal de amor, que mal tremeluzia.
RAPSODO III
Eu lembro apenas um -- modelo para o sonho,
Um sorriso de leve, um leve esgar tristonho,
Um cintilar de espanto, espanto assim bisonho,
Nas gotas de surpresa que em teu olhar eu via.
Eu busco apenas um -- enlevo assim furtivo,
Na luz que só me atinge após passar o crivo,
Na treva que me envolve, em manto quase vivo,
Enquanto almejo em vão sentir o que sentia.
Apenas mais um dia, em que me dance a alma,
Aberta a jaula assim, de tão enferrujada:
São barras de saudade que cercam meu presente.
Perdi o que antes tive, enovelado em calma
Somente de esperança, sem voo, desterrada
Para um porvir incerto, a rir-me indiferente.
PRETEXTO -- 19 NOV 05
Disseste-me, faz pouco, como sabes
quanto as palavras valem para mim:
sua forma, seu sabor, seu cheiro, enfim,
como me atraem e o quanto nelas cabes...
Palavras são mistério, são desdouro,
são despautério, intriga, são verdade
e são mentira: são alma em grãos de ouro,
são saciedade e fome, são saudade.
Palavras são altivas, feroz potro,
que toma a si as rédeas - não são linhas
que se domine e se destine a um outro.
Palavras são de prata e são mesquinhas...
Mas que fazer, se já ouviste doutro
aquelas que eu quisera fossem minhas?
PRETEXTO II -- 24 set 2010
Ou quem sabe, não sou eu que agora falo,
mas esse outro que te amou um dia?
Talvez essa voz muda, que dizia,
junto de ti o sonho que hoje calo...
Tivera um sonho, eu preferia dá-lo
somente a ti, mulher que reluzia
por entre o devaneio, estrela guia,
depois archote, depois vela em gargalo...
Ah, sim, palavras! Podem tanto e nada,
certamente não impedem rodamoinhos,
nem turbilhões de vento ou corredeiras,
mas quando a alma sente-se esfaimada,
abre às palavras todos os seus ninhos,
até mesmo às mais falsas e grosseiras...
PRETEXTO III
Mas de mim não ouvirás palavras falsas:
são verdadeiras até as que não sinto,
enquanto as proferir e assim pressinto
serão da alma a outra igual que balsas,
transpondo o rio da solidão, retinto
de sentimentos alquebrados, valsas
dançadas sem compasso, loucas salsas
que mais se agitam a suspeitar que minto.
Porém trato as palavras com respeito:
pontífice eu serei de uma pinguela,
se ponte pênsil construir eu não consiga...
Mas erguerei a levadiça do meu peito
e acesso te darei à torre antiga,
em que a palavra se esconde mais singela.