APOSTA / TALHO DOCE / GAMBITO / SEM MAIS

APOSTA I (12 AGO 79)

Na situação atual, meu coração valente,

Tenaz e decidido, mas sempre insatisfeito,

Deixou de seu dilema, antigo ideal desfeito

E firme se declara, em forma permanente.

Não trago hesitações, depois que tua reserva

Saltou dos baluartes e abriu-me os contrafortes,

Sem impor-me condições, unindo nossas sortes

No mesmo ideal de amor que há tempos se conserva.

Queria ter certeza apenas da intenção

Que em tua alma habita e todo o coração

Renova e reverbera em solo hereditário,

Porque certeza igual dentro em minhalma habita,

Apenas junto a ti, a retícula infinita

De meu ideal de amor alcançará santuário.

APOSTA II (27 SET 10)

Eu vejo em tuas palavras quiçá hesitação,

talvez somente seja a busca da certeza.

Há muitas cartas dispostas sobre a mesa

e não se sabe ao certo o naipe da paixão...

Mas quanto eu digo, em plena realeza,

é muito mais profundo que toda essa emoção,

muito mais vasto do que um desejo vão:

é segurança plena, pesada com leveza...

É saber exatamente, nessa escolha,

o quanto vale o tempo da cartada:

confiar assim no resultado dessa mão.

É pesar bem o baralho que desfolha,

tendo certeza da canastra desejada,

por dois trocando o valor de um coração.

APOSTA III

O resultado exige certa espera,

enquanto as fichas se acumulam sobre o pano:

trocar na caixa o valor do desengano

e receber o quanto o fado gera...

Que amor nunca foi pomba: é besta-fera,

de tocaia para o bote e para o dano:

as lascas da paixão do peito espano

e encontro amor por baixo... Quem me dera

que tal amor me fosse permanente,

o último da vida, o derradeiro,

assim correspondido em plenitude.

Arauto assim de um destino diferente,

que ocupe o espaço todo, alvissareiro

e de qualquer outro amor então me escude.

TALHO DOCE I (10 ago 79)

Eu já devia ter-me acostumado,

pois tanta vez já fui desapontado,

vi tanto plano sendo contrariado,

no meu desejo assim de te encontrar,

por sempre, em te buscando, não te achar

e sempre, em não te vendo, desejar,

que te pudera ver, sem te buscar,

ardentemente, sempre de meu lado.

Entrementes, em meu viver desiludido,

eu não te encontro e fico devorado

e não te vendo, encontro-me vencido,

talvez por ter perdido meu passado

em sonhos mortos, assim, de malferido

suspirar por um bem nunca alcançado.

TALHO DOCE II (29 set 2010)

Eu não te entendo, mulher, a filha estranha

desse mundo perdido e atribulado,

quando, na espera de tudo já alcançado,

vejo a incerteza sorrindo do meu lado...

Vejo a incerteza a me fazer agrado,

como sempre me mostrou sua verde manha:

o seu sorriso corta... E como lanha!

Zomba de mim, exibida, e não se acanha...

Mas será que essa incerteza vem de ti,

porque tomaste inesperadas decisões

para somente após tomadas me contar?

E já nem sei ao certo no que cri,

no vasto efeito das alucinações

que me fizeram em teu amor acreditar.

TALHO DOCE III

E penso agora que foi só esquizofrenia

que me fez acreditar em tua presença:

tão só imagem de emoção intensa,

tão só uma nuvem que se fez mais densa...

Mas, se a alucinação pede dispensa,

o que farei à luz do claro dia?

Como ter a antiga imagem eu queria,

como essa nuvem verdadeira eu cria!...

O tempo passa, carrega sua miragem,

mostrada aos outros, quando amor os cega...

Eu já tive minha parcela de infortúnio.

Mas ainda te espero, com coragem,

por mais que a afirmação pareça brega,

de alucinar teu vulto ao plenilúnio!...

GAMBITO I (9 ago 79)

O que me diz a boca, com certeza,

não é o de que está cheio o coração:

máscara turva, em sonho de incerteza.

a boca fala apenas de ilusão.

Mas o que a boca diz, nesse dilema,

nem sempre é transitório e vão disfarce:

nosso agitar no medo que se tema,

é pelo mesmo lema de negar-se

a quantos nos contemplam, dalma toda

o palpitante e vivo sentimento.

E nessa antiga e vaga e tola roda

por tanta vez se exprime o pensamento,

que, de forma bem direta, se acomoda,

de modo tal, que o julguem fingimento...

GAMBITO II (8 out 2010)

O que fala minha boca, com certeza,

não é aquilo que redige a mão:

sonhos alheios influem na redação,

às vezes feia, em outras cheia de beleza.

O que eu afirmo, não tem plena comunhão

com o que a alma sente em profundeza:

oscila o empenho de singular nobreza

com toda a egoísta e impura agitação.

Mas o que falo, em geral, é o que mais sinto;

por isso, falo pouco e mais escuto:

presto atenção às opiniões alheias,

ainda que errôneas muitas vezes as pressinto;

para conter a língua, sempre luto,

soltando a fala nos versos que me leias.

GAMBITO III

Houve um tempo em que jogava até xadrez,

mas pareceu-me bem mais perda de tempo

ficar parado em tal longo entretempo:

jogos por carta, na duração de um mês...

Quem é sincero neste jogo não tem vez:

é tudo uma estratégia em contratempo;

é preciso planejar para o além-tempo,

nesses quadrados de alvaiade e grês...

E para isso, não tenho mais paciência:

ganhar partidas não me dá satisfação

e, muitas vezes, joguei para perder...

Dando prazer a mentes de indigência,

que em xeque-mates encontram emoção,

nesses gambitos fáceis de entrever...

SEM MAIS I (8 AGO 79)

Eu te aguardei apenas de sofrido

e te esperei apenas de encantado;

quando te amei, apenas desejado

eu tinha apenas o esplendor querido

dessa tua mente, apenas, delicada,

dessa tua alma, apenas, sorridente,

sem que teu corpo, apenas, de presente,

me interferisse, apenas, nessa alada,

apenas ilusão de meu desejo,

apenas na certeza inusitada,

apenas na esperança desse ensejo,

sem desejar apenas do teu beijo

que uma intenção sutil, apenas fada,

que apenas me sorriu na madrugada.

SEM MAIS II (12 OUT 10)

E te aguardei somente de saudoso

e te esperei somente em solidão,

pois quem te quis foi somente o coração

e quis somente o sonho esplendoroso;

busquei somente a alma, cuidadoso,

busquei somente a mente, em mansidão,

busquei somente o sopro da emoção

e tão somente nisso tive gozo;

somente o que era puro em ti buscava,

somente tua meiguice desejava,

na esperança somente da alvorada,

a desejar de ti somente um beijo,

a desdenhar somente um outro ensejo,

em que somente o corpo tivesse, sem mais nada.

SEM MAIS III

Eu te aguardei tão só em saudosismo,

eu te encontrei tão só na madrugada,

tão só eu te abracei, nuvem dourada,

e te beijei tão só em solipsismo;

tão só te procurei por romantismo,

tão só te seduzi em flor alada,

tão só te idealizei luzente fada,

tão só recreio em meu maniqueísmo,

em que tão só o Bem representavas,

em que tão só o Bem me confirmavas,

em ti não vi tão só sombra de Mal,

em que tão só o amor me foi fatal:

tão só eu cepilhei com meu enxó

a fantasia e, alfim, fiquei tão só.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 12/06/2011
Código do texto: T3029221
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