SÉRVULA (JOVENS DE ROMA) & MAIS

JOVENS DE ROMA LXVIII -- SÉRVULA

GOZEI DE AMOR, AMOR DE SEPULTURA,

ONDE MEU SANGUE BRANCO DERRAMEI:

BEM NAS ENTRANHAS DA MULHER DEIXEI

MEU BATALHÃO DE SOLDADOS, EM TERNURA,

AVASSALADOS NA MISSÃO MAIS PURA, ´

TRAÍDOS POR MIM MESMO, SEM MAGIA,

PORQUE TINHA CERTEZA E BEM SABIA,

NÃO ALCANÇAR A PRINCIPAL DOÇURA.

MAS NUNCA VIVENCIEI CAMPA MAIS TERNA

DO QUE ESSE TÚMULO DE ESPUMA DESLUMBRANTE,

EM QUE MEU CORPO ESVAÍ, SEM COMPUNÇÃO.

NESSES TEUS BRAÇOS, TENHO A VIDA ETERNA,

TODO O UNIVERSO CONTIDO NESSE INSTANTE

DO CINTILANTE MOMENTO DA PAIXÃO.

ESPERA INÚTIL I

Eu sinto em mim de novo o imortal fogo

que me faz combater a entropia:

reúno sentimentos e energia

para aplicar em mim, sem qualquer rogo

de obter para mim fichas do jogo

da vida: essa virtual melancolia,

que enfrento sem desgosto, dia a dia,

sem protestar, sem ódio e sem regougo;

ainda que, por vezes, até possa

me parecer, permeio a meus deveres,

que a saga de minha musa se esvanece,

logo retorna, real, logo se esboça

em novo traduzir de meus prazeres,

na imperfeição divina de uma prece.

ESPERA INÚTIL II

Agora, a chuva brota sobre mim:

eu sou adubo e nascem plantas d'água;

eu sou crisálida no canto desta mágoa;

eu sou arco-íris, a reluzir assim,

saído de meus lábios; sou, enfim,

pararraios e relâmpago; sou a frágua

de cada ribombar; e vejo n'água,

refletidos, meus dentes de marfim;

eu sou trovão, no derradeiro gesto;

sou estertor e o grito nascituro;

eu sou da vida o imortal clamor;

sou amoral também, no meu incesto,

que tudo prende e tudo traz seguro,

fingindo em versos não sentir amor.

ESPERA INÚTIL III

Na presciência do grito, rua a rua

percorrem meus fantasmas, seminus,

com eles me deparo, nestes crus

entrecruzares, assolados pela lua.

Não sei se sou eu mesmo ou sou passado,

quando deparo comigo. Incontinenti,

nessa visão de mim, sou mais potente,

pois marcho no seu grupo, lado a lado.

Revivo meu passado e o considero:

renovo os meus tempos mais mesquinhos,

porque, de fato, são só palimpsestos...

Meus espectros verão, de rosto austero,

que gozaram seus prazeres comezinhos

e comigo praticaram seus incestos...

ESPERA INÚTIL IV

Meus fantasmas se conectam às sombras dela,

que nessas ruas mesmas palmilhou

o sonho do irreal. Quem mais sonhou,

afinal, o impossível? Eu ou ela...?

Nossas sombras se cruzam, "pimpinela

escarlate" de tal romance antigo...

São meus fantasmas que lhe dão abrigo,

seus espectros me abrem sua janela...

E piso exatamente onde seus passos

pisaram ontem e não pisam mais,

carinhos morrem com o afagador...

Hoje, que a chuva deletou regaços,

eu me percebo o fantasma do jamais,

de mil sombras furtivas caçador...

ESPERA INÚTIL V

Eu sinto o cheiro do pó de tantos corpos;

lambo do ar o som de tantos passos;

meus ouvidos percorrem mil regaços

de corações batendo, em anticorpos

lançados contra mim: sou triste intruso,

sem direito a um olhar sequer randômico;

meu coração também bate, no seu cômico

dardejar de fractais... São fios de fuso

desenvoltos e orfanados de sua roca.

Minha vida é um novelo de impaciências:

tapeçarias frágeis e abstratas...

Meu próprio cérebro um animal na toca,

com medo de sair, nas indulgências

dessa tocaia de que nunca me resgatas...

ESPERA INÚTIL VI

Um dia, talvez leiam estes versos

os olhares curiosos que me espiam;

talvez meus próprios olhos me sorriam,

por meu expor-me em esgares tão diversos...

Quem sabe, um dia, aceito estes perversos

gladiadores, que as bênçãos maldiziam;

azafamares, que as maldições desfiam,

em remorsos multicores e dispersos...

Mergulhando pelo mundo, em sentimentos

represados por outrem, plenamente,

que, de algum modo, veem a luz por mim,

nesse parto de selvagens pensamentos,

manifestados tão só intensamente,

pelo descaso que esperam ter no fim.

ESPERA INÚTIL VII

de novo, a espera, velozmente Lenta,

na lentidão veloz que me Alimenta,

quando soergue, levemente, o Véu

e vejo o vácuo que a mortalha Esquenta.

melhor é contemplar a densa Bruma,

desse mundo irreal que me Resuma,

quando, entre os dedos, se derrama o Céu

e o sol me beija, em olhos de Verruma.

pois me perfura a alma, sem Carinho,

esse sol que a lua mostra, em seu Bordado,

a cintilar nas gotas de minhas Mãos.

qual me penetra o peito, de Mesquinho,

esse amor desvaído e Aveludado,

por centelhas de arco-íris em Desvãos.

ESPERA INÚTIL VIII

eu sei e bem não sei da espera Dúctil,

maleável seda de aço Cristalino,

no estertorar do mundo Peregrino,

envolto na estamenha do Inconsútil.

porque, afinal, toda esta vida Fútil

se agiganta na ampulheta, em som de Sino,

se faz anã, no luzir mais Pequenino,

dos grãos de areia, em seu esforço Inútil

de tornar a subir pelas Paredes,

tal se pudessem o passado Reviver

e não apenas memorado Ser,

por nova vida, envolta em claras Redes,

quando o grumete chegasse a Reverter,

marcando a hora, seu tempo de Viver.

ALCORÃO XI

E, pela vida, milhares de filósofos,

astrólogos, poetas, escritores,

teólogos, cientistas, prosadores,

teóricos, psiquiatras e sociólogos

deixaram seus escritos e monólogos:

escritos vagos de livres-pensadores,

escritos simples de pesquisadores,

ou de políticos avessos a diálogos...

Excertos dos filósofos mais velhos,

rebotalhos de jovens apressados,

que acabam renegando tal bobagem...

Todos ansiosos para dar conselhos...

E eu, já li tudo, nos anos repassados,

de cada um sondando sua miragem.

ALCORÃO XII

Não é só por vaidade que te escrevo:

se assim o fora, tentaria publicar,

mas não faço questão de propagar

minhas ideias; e nem sei se o devo.

São meus fantasmas, que na mente cevo:

prefiro outros preceitos aceitar,

nada de novo tenho a acrescentar,

salvo o meu jeito, que em sonetos levo.

E fico a matutar, em tal ensejo,

se eu mesmo não devia deletar,

os milhares de rascunhos desta mão

ou desta boca, que prefere o beijo

do que o vazio do seu filosofar,

para esconder a dor no coração...

VÉUS DE TULE V

Depois, foi em girândola desdém,

um véu pluricolor e transparente,

muito mais frio que fora o indiferente,

com muito ainda a ocultar também.

A dança gira e roda e, quando vem,

em minha direção, em surpreendente

rodopio feito de geada, impertinente,

um véu de névoa a sussurrar: "Porém..."

Esse demora mais, foi muito usado,

é quase como carne consumado,

mostrando os olhos em rápido luzir...

Mas tanto gira, tanto vem e vai,

que tal desdém no solo também cai,

numa odalística promessa de porvir...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 12/06/2011
Código do texto: T3029225
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