ROSWANIEMI / LUAR DE QUEIJO / FANTASMA DE LUZ

ROSWANIEMI I

Ela chegou e viu que me ocupava

com minhas tarefas de filatelia

e perguntou qual a graça que eu sentia

na coleção de selos que guardava.

Contei-lhe que somente a esperava

e, nessa espera, nem sequer sabia

o que fazer da espera poderia,

enquanto o fim da espera não chegava.

Ela indagou se eu preferia os selos

ao calor dos abraços feminino

e eu respondi que nunca me magoara

essa minha coleção, mas que os desvelos

tinham sido intermitentes, pequeninos,

muito mais curtos que o tempo que esperara...

ROSWANIEMI II

Ela sorriu, vaidosa, e se dispôs

a me mostrar bem mais que a coleção:

beijou-me a boca e colocou-me a mão

sobre seu seio; e logo após, repôs

sobre o seu sexo, que sem pudor, expôs.

E assim me palpitava o coração,

beijo no beijo, em plena exultação

de que o destino amor não mais pospôs.

E, findo o ato, olhou-me de soslaio:

"Não sou melhor que os selos?" - perguntou,

sabendo muito bem que era tolice...

Mas eu, tomado em ânsia de lacaio,

depois que o amor inteiro me tomou,

em novo beijo, uma mentira disse...

ROSWANIEMI III

Ela sorriu: "Mas se sou tão importante,

por que não jogas fora tantos selos?"

"E o que farei, na ausência dos desvelos,

para tornar meu tédio interessante...?

Virás mostrar-me o par de seios belos

diariamente... e prosseguir avante?"

E sua voz me ecoou como um descante,

após ter satisfeito os meus anelos...

"Não, meu querido, virei quando eu quiser,

para que dês mais valor ao que te dou,

quando em meus braços encontrarás abrigo..."

Ah, quem entende os caprichos da mulher?

Nessa hora em que por fim me desertou,

a pinça e a lupa ela levou consigo!...

LUAR DE QUEIJO I (2008)

Quem sabe vou cantar o amor funesto

que para mim te trouxe, pobre estrela...

Na busca inútil de uma hora bela,

gasta a meu lado, com sabor de incesto...

E novamente me dedico ao infesto

buscar das rimas. Já ergui a estela

a meus antigos deuses. Amor zela

e permanece ao lado, se me apresto

em busca de outras almas. Me contempla

e, a sorrir, me desvia dessa meta

ou, a zombar, permite-me que a alcance...

Pois tal amor que a vida me retempla

não é o amor da face mais dileta

que em torno de minha mente pura dance.

LUAR DE QUEIJO II (24 JAN 11)

Quando estudei "O Vendedor de Ilusões",

li uma frase que me fez pensar:

dizia o Vendedor se conformar

em usufruir somente os corações

das mulheres que a vida lhe trazia...

Porque ele apenas ilusões vendia,

o seu valor perfeitamente conhecia

e se entregava bem depressa à fantasia....

Não sei se Oduvaldo Vianna Filho

no personagem a si mesmo descrevia

ou se falava, em tom de zombaria,

dessa gente encurralada no seu trilho,

que do real amor se afastará,

na espera desses que a vida lhes dará.

LUAR DE QUEIJO III

Talvez pensasse em casos amorosos,

nesse amor transitório, amor sexual,

de certo modo, mais puro e natural

que o dos poetas de emoções vaidosos.

Talvez pensasse em luares saborosos,

feitos de queijo, amor mais gutural,

que se mastiga em refeição banal,

amor de beijos apenas voluptuosos...

Ou quem sabe, que Oduvaldo era poeta,

mesmo lembrado mais por dramaturgo,

e nutrisse, sem contar, paixão secreta

que lhe partira de mágoa o coração

e desse modo se tornasse o taumaturgo

do amor carnal, só feito de ilusão...

FANTASMA DE LUZ I (2008)

Surgiu-me uma montanha no horizonte,

onde antes nada havia, de repente:

este meu pampa tornou-se diferente,

nessa coxilha gris como uma ponte

lançada de um abismo, num reponte

para outro abismo de fundo inconsequente:

essa colina cinza e indiferente

juntava abismos, tal como uma fonte

que suga a água ao invés de a produzir.

Essa é a vida, abismo após abismo,

flanqueando pontes, qual sonho febril

e que, ao invés de tais penhascos reduzir,

provoca a cada passo um cataclismo

e nos mata em seu capricho juvenil.

FANTASMA DE LUZ II (15/1/2011)

Quiçá nem vejas tu essa montanha:

ela se oculta, pérfida e ardilosa;

é transparente, mesmo, poderosa

para sugar-te a vida em plena manha.

De abusar de ti nunca se acanha,

ela te rouba da energia a mais preciosa

quando passas por ela, maliciosa,

nesse seu beijo pálido de aranha.

E nem sequer te interrompe a caminhada:

segues teus passos com algum cansaço,

sem perceber os dias que perdeste.

Que atravessas a montanha pela estrada;

ela te acolhe diariamente em seu abraço:

já a encontraste, sim, mas te esqueceste.

FANTASMA DE LUZ III

E é por isso que nós envelhecemos:

por força e ação dessa coxilha falsa,

que no meio da jornada, magra, se alça

e nos retira o quanto mais queremos.

Essa montanha de cristal, sabemos,

nuvem de geada, para a morte a balsa,

sobre teus passos baila impura valsa,

dança macabra, qual nos livros lemos.

Ela é composta por nuvens de sereno

que brotaram de pulmões já consumidos,

dos ancestrais que não mais respirarão;

E em noites de azeviche e de veneno,

soltaram em brandas nuvens, iludidos,

Todo o calor trazido ao coração!...

FANTASMA DE LUZ IV

E é branca assim essa montanha antiga:

sopros e bafos, humana cerração,

na luz difusa que nos brota do pulmão,

nesses momentos em que o frio mais te castiga.

Por transparente, não é menos inimiga:

ela se nutre das almas que lá vão

mas não as esvazia, em precaução,

tira um pouquinho só, nessa cantiga

que assovia ao pastorear o seu rebanho.

Só eu vejo essa montanha no horizonte,

nos dias claros de minha alucinação;

e é porque lembro de sonhos maus de antanho,

quando mais forte eu era e via avante

como reais, meus castelos de ilusão...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 23/06/2011
Código do texto: T3051758
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