SOMENTE TU & MAIS
SOMENTE TU
perdes
o teu destino é teu: és tu que escolhes
ganhas
antes
a cada decisão tomada agora
depois
sofres
provocas conseqüências, que recolhes
usufruis
doravante
e não consegues expulsar, embora
para sempre
estimulante
te esforces por mudar o fado ingrato
inesperado
na morte
e obter um sucesso enfim na vida
na chama
instante
mesmo que voltes atrás, ao mesmo fato
inquietude
ponderada
e tomes decisão que fora preterida.
esquecida
prometem
os caminhos diversos se apresentam
ameaçam
cristalina
porque já lá se foi a tua antiga
irrefletida
aceitáveis...
decisão, que matou tantos prováveis...
horrores...
escondeu
sucessos e insucessos e mostrou
balançou
traidor
que o livre-arbítrio é insensato auriga
trapaceiro
para a sorte...
que te conduz por mares insondáveis...
para a morte...
ELEIÇÕES
Um sonho nunca é vão, pois, se sonhaste,
satisfizeste a angústia do momento
e refúgio encontraste no portento
desse castelo nas nuvens, que embasaste,
diretamente; ou alicerçaste nos neurônios.
Sonhos existem em ti, nessa tua mente
cheia de dúvidas, de anseio efervescente,
na paralaxe interna dos axônios...
Pois dentro em ti também tens os solstícios
da mente; por mais que sejam equinócios,
podes fugir ao novelo de interstícios
e preenchê-los com sonhos: em teus ócios,
concretizar a abstrata precessão,
até tornar-lhes concreta a abstração...
DESAFORAR
Um homem, lá fora, forçado a viver,
por seu amor a toda a natureza,
longe da vida urbana e sua incerteza,
gozava o sol da alba ao entardecer...
Um homem lá, fora forçado a se esconder
e a viver sob falsa identidade;
e lastimava, sempre e com saudade,
a vida a fora, o que tivera de perder...
Um fora expulso, por crimes perseguido;
o outro, por prazer, vivia lá fora.
Um fora para as grotas exilado
e o outro fora, para lá seguido,
porque morava lá fora, sem cuidado;
lá fora o outro de sua vida posto embora...
INACENTUAR
De fora a fora, passo a relembrar
na vida, o fora, que me desvaliu...
Na vida a fora, nunca me cumpriu.
Na vida o fora tive de aceitar...
Porque, se esta minha vida assim não fora,
eu não teria já lançado fora
o sonho mais gentil que a vida doura,
nem ilusão jamais mandado embora...
Se fora fora então que eu me sentisse,
do amor daquela, por quem tal carinho
eu sinto agora e fora repelido;
E fora fora então, que assim me visse
e fora fora o sonho mais querido e
posto fora fora enfim o meu caminho...
REGRAS DA VIDA XIX
Não vivas no passado, já se foi além
do teu alcance, embora ainda te pertença,
quer por saudade, quer por malquerença,
quer por desejo de reviver também...
Se é por remorso que o revês, porém,
é coisa inútil: desfazer não podes
o que uma vez fizeste e que sacodes
mil vezes de tua mente, com desdém...
E torna a perseguir-te, quando a guarda
rebaixes por momentos. Compensa, se puderes,
mas desmanchar não podes... Reviver
os momentos felizes é inútil salvaguarda
igualmente. Faz o presente o alvo dos quereres,
porque ele foge e rouba-te o prazer...
ETAPAS [para mário régis sudo]
Somente tu escolhes, não te iludas.
E não culpes a ninguém pelo destino:
nem a Deus, nem a humano desatino.
Foi a própria visão, em que te escudas,
essa mesma razão, em que te esmeras,
esse teu julgamento, em que confias,
essa visão do mundo, em que teus dias
refletes, essas bênçãos por que esperas,
que te trouxeram ao ponto em que hoje estás.
Se te fizeram mal, tu permitiste;
se mal fizeste aos outros, é tua a culpa.
Só a natureza humana te desculpa,
porque sempre encruzilhadas acharás,
para lugares bem diversos dos que viste.
SONETO C X X X V [Wm. Shakespeare]
Outras têm seu Desejo, tu tens teu Will;
De Will tens bastante, Desejo demais,
Além do que queres, Vontade gentil,
Que à tua doce Vontade não foge jamais...
Queres tu, que tens grande e formoso Desejo,
Ocultar num momento meu Desejo no teu?
Este Will que foi tido, por mais de um ensejo,
Como grande e importante, por ti se perdeu...
O mar, que é tão grande, a chuva recebe
E a seu manancial acrescenta, sutil.
Assim tu, cuja graça meu Desejo concebe
Adiciona em teu peito meu pedido gentil:
Que ninguém nos separe, querida – percebe
Que somente um existe e que esse é teu Will.
SONETO C X X X V I [William Shakespeare]
Se tua alma te impede que eu chegue mais perto,
Confessa que é cega e que sou teu Desejo;
Que Will, tua alma sabe, merece o ensejo
De ser recebido em teu peito deserto...
Que Will um tesouro em teu peito, por certo,
Irá recolher e te encher com a Vontade
Mais plena, inda seja tão só a Unidade
Que é tida por Nada, pouco mais que um deserto...
Então neste número, que eu passe esquecido,
Embora em teu peito, lembrança sutil,
Em nada me prenda, pois sou perseguido
Por ser Algo e ser Nada, em teu seio gentil.
Mas que seja meu nome somente querido,
Pois assim me amarás, pois meu nome é Will!
os dois últimos eu traduzi em 27/11/2002.
COLMÉIA
Assim sempre vivi. O meu passado
está morto... Em arquivos alienado,
alguns de bem, muitos de atribulado
enfrentar de momentos, outros de indiferente
rememorar de fatos corriqueiros:
rotinas a esquecer... Hospitaleiros
foram mais os instantes derradeiros
em que cumpri meus deveres. Finalmente,
certos momentos de criação brilhante
de música ou de versos... Da estuante
regência de um coral... Da talentosa
performance num palco... Ou do freqüente
fruir do orgasmo em morte renascente,
como o esplendor solar que queima a rosa...