DRAGÃO & MAIS
DRAGÃO
Passam-se os meses e sinto nas narinas
a flama escura do cheiro fugidio
que deixaste em meus dedos. Luzidio
como o rastro de estrelas vespertinas...
Que deslizam no céu tão brandamente
quanto endurecem ao toque teus mamilos
e me despertam a ânsia de possui-los,
só para mim, perpétua e ternamente.
Esses mamilos que desejo puros,
junto a meus lábios, nus, efervescentes,
num revoar de sonhos feitos sóis...
Mamilos que me fisgam, como anzóis,
mamilos multicores, beijos duros,
contas de lava em gotas transparentes...
TRINADOS
O que não cabe é ficarmos a pensar
no que trará o futuro -- a previsão
não é impossível se, com ponderação,
as sendas certas formos perlustrar.
Porque o futuro são só nossas escolhas,
que nuas perduram nos aros dessa roda
e deixam as demais, em cruel poda,
jazendo secas e explodindo em bolhas
de sabão: translúcidas de sonhos...
Os destinos possíveis dos risonhos
fantasmas pueris, em vagas melodias,
que só se escuta mesmo na memória...
Notas perdidas de esperas fugidias
antegozando uma cadência inglória.
GIROSCÓPIO
É isso que acontece: uma pintura
ali está para ser vista inteira,
tão completada quando uma escultura
que as mãos do cego percorrem derradeira.
Um livro ou uma poesia é mais difícil
comunicar: estão parte no espaço,
parte no tempo em que tua mente físsil
se apóia sobre eles, passo a passo,
percorrendo suas frases inquietantes...
O teatro, porém, no tempo é que transita,
igual que a música, tal qual uma ampulheta,
de grãos de areia escoando delirantes,
que apenas por instantes se conecta
quando ao passado o presente precipita...
SORVEDOURO
Existe um ralo no centro de meu peito,
por onde escorre a vida, lentamente...
O futuro me assalta, no inclemente,
veloz avanço a que se dá o direito...
Nunca permite que tome em minhas mãos
o momento que passa, por feliz
que seja... E até parece que me diz
que o instante de tristeza, ou esses vãos
segundos que me escorrem, sem valor,
seja de bem ou mal, muito depressa
ao ralo torvelinham... E, então, vingança
eu tomo do porvir, porque esse ardor
eu processo por mim, zombando à beça,
enquanto mudo o passado em esperança.
REGRAS DA VIDA XXI
Aceita a vida agora, enquanto ela te assiste...
Ela passa ligeiro e não pára um instante.
Os minutos esvoaçam, em tal delirante
corrida acirrada que incessante persiste.
Pois chegam a dizer que tal vôo consiste
para o final adeus tão só preparação...
O quanto mais freqüente nos bate o coração,
mais vivaz se apressura e para a morte insiste.
É impossível deter do tempo a marcha assim.
Mas não é necessário assistir na impotência.
Não é um filme que passa -- se escoam nossos dias...
E planejar a vida é salvação, enfim:
Marcar objetivos e alvos, com freqüência,
transformando em conquistas as loucas tropelias...
REGRAS DA VIDA XXII
A roupa faz o homem -- qual antigo
ditado que expressou a popular
sabedoria, em seu conselho amigo
e bem intencionado, a te indicar
a forma de viver em sociedade,
de tal modo a melhor impressionar,
na feira das vaidades barganhar
a venda de ti mesma e, sem piedade,
comprar passagem na nau dos insensatos,
onde o que importa é a aparência externa
e não o que tu guardas em teu peito
ou em tua mente... Os olhos são ingratos
e a meiga alma não desperta terna
avaliação de amor, sequer respeito...
FÍMBRIAS
Para mim é difícil atitude [postura, adoção]
pensar no efeito que causa [perde, ganha]
minha aparência, pois me ilude [mostra e tapa]
o brilho de um olhar, quando em mim pausa... [soa, afunda]
Para mim vale mais é ter carinho, [amor e luz]
ser gentil e compreensivo a cada dia, [lua e sol]
manter na mente o esplendor do vinho [sal e azeite]
e conservar constante essa alegria [pura e nua]
que me caracteriza, quer feliz [amargo, meigo]
ou frustrado me encontre É interior [som e cor]
e pouco tem a ver com o exterior. [poeira e amálgama].
E é isso que busco ver em ti. [estrela-guia]
Não um trajar opulento em frenesi, [vão e falso]
mas um cérebro pulsante de vigor... [asa de ave]
FEIRANTES
porém no fundo eu sei que é bem Verdade:
não importa, de fato, a Inteligência,
não interessa a bênção da Bondade,
se contraposta ao peso da Aparência.
claro está que mais bela é a Opulência,
aos olhos das mulheres, que a Maldade
subjacente a ela e, com Freqüência,
não têm no coração qualquer Piedade,
nem sequer por si próprias, quando Vêem
a chance material, Felicidade
somente monetária e Reluzente.
e pouca avaliação seus olhos Têm
ao contemplarem a Sensibilidade,
em caráter mais profundo e Permanente.
ZODÍACO
Quando mais doce jaz o sentimento.
imerso na paixão da desvalia;
Quanto mais prenhe então assim sentia
essa emoção de desfalecimento;
Quando me vi, no desconhecimento
da pura avaliação da nostalgia
de perder esse amor, que mais queria,
a troco de fingir-me dele isento,
Então, somente então, despercebido,
foi-se insinuando o meu ideal ferido,
qual um inseto que se arrasta pelo chão...
E tomou-me de assalto persistente,
a perda desse amor... Equivalente
à picada pungente do escorpião...
PLENISÓLIO
Tens estado tão bela ultimamente!...
Cada vez que te vejo, certa luz
Resplandece em teus olhos, me seduz,
Como se fosse a vez primeira, totalmente...
É como se, de novo, à superfície,
Subisse o amor em jóia cintilante...
Não se pode esperar seja constante
A expressão do amor, nessa imundície
Que produz o marasmo corriqueiro...
Os dias feitos lodo, dias de limo,
Que mofam e empanecem relações...
E, no entretanto, como vem ligeiro
Ao canto de teus lábios, esse mimo
De sorriso, que expande os corações!...