MATRIMÔNIO & MAIS

MATRIMÔNIO

Retrato de sonhos perdidos na calma

Do plácido enlace e na satisfação

Da carne saciada que o sêmen embalma

Em vínculos simples de amor sem paixão.

Encanto sutil na doméstica bruma,

De modorra anestésica em paz e conforto.

Manhoso veneno desfaz, uma a uma,

Intenções de embarcar e atracar noutro porto.

Coleira gentil, mas corrente de ferro,

Que em mão voluntária prendemos à gorja

E assim trucidamos dos sonhos a corja...

Que morre sem gritos, suspiros ou berro,

Esvai-se civil, num bafejo gelado

E o corpo se engorda em sepulcro dourado...

RECORDAÇÃO VI

É uma ânsia febril, essa memória...

Não sei se uma mulher percebe a glória

Que um homem experimenta, quando orgasmo

Indubitavelmente ele produz no espasmo

Inigualável que a vagina agita,

Quando ejacula, quando as unhas crava

Em suas espáduas; e um milênio trava

Alheio ao tempo, exaltação aflita

Por se entregar enfim, deixar-se amar

Qual nunca amada foi, por mais amantes

Que tivera em seus braços, delirantes,

Mas sem sua alma poderem alcançar.

E como é raro o divinal portento

Que explode a própria alma em tal momento!

desrima

espera enfim que o tempo amadureça

espera por tabiques perigos e venenos

espera por golfadas adornos repentinos

espera por sorrisos amargos salaciosos

aguarda então na espera dolorosa

aguarda então em teu ideal desfeito

aguarda e 'chora o teu passado amado'

aguarda então os anos desvalidos

resume teu passado em vã memória

resume teu presente na ampulheta

resume teu futuro em pó de sombras

recebe tal futuro inexistente

recebe inerte a taça da alvorada

recebe em luz vazia de ilusões.

RECORDAÇÃO VII

Depois de muito fazer-se de rogada,

Ela entregou-se, pensando menstruada

Não vir a engravidar, erro freqüente,

Que ao menos desta vez, inconseqüente

Se demonstrou, pois gravidez não houve...

Sendo a primeira vez, um desajuste

Sempre surgiu; embora claro embuste

Fizesse pretender, um brado não se ouve.

Um sem prazer o esperma ejaculou,

A outra só de leve sentiu ardor, apenas,

A sugestão fugaz de quanto havia esperado.

A glória de possuir somente superou

Os anos coletados de numerosas penas,

Enquanto o pomo d'ouro foi outra vez adiado...

Este eu escrevi diretamente em inglês:

RETALIATION

This is normal indeed, for less blessed

it is to receive than to give -- o, a deal!...

as much your feelings you'd well conceal

still there's resentment for being pressed

into thankfulness; you feel you're lessened

by having to take help and someone's advice.

it's like patronizing to you; and the spice

is bitter on your tongue, you fancy wizened.

therefore so often feelings for rebellion,

were manifested, oppression and smothering,

the suffocating power of a presence

felt too strong and all the more exacting

as nothing was requested, no collection

but for heart and mind and soul's essence.

RECORDAÇÃO VIII

Mas depois... repetimos tantas vezes...

O desajuste foi-se e, bem contrário,

O prazer revelou-se, multifário,

De intensidade plena, enquanto os meses

Em anos se faziam, até que um dia

Ela me disse que tinha algo a contar:

Que o amante antigo volvera a reencontrar

E que fizera amor não me escondia,

Pois não me pertencia e, se eu podia

Fazer com ela e outra, ela também

Tinha direito aos homens que escolhesse.

Mas eu, sabendo que a ela pertencia,

Entreguei-me sem mágoa e sem porém,

Para que a mim somente pertencesse...

ABANDONO

e assim, também os versos Estertoram

quando a musa se retira, Melindrada,

quando pretende que inspirar mais Nada

é seu novo fulgor, em que se Arvoram

novos amantes, a disputar a Fada,

novos desejos, que a espoucar Estouram,

obrigações que o tempo lhe Devoram

e já nada mais resta à Encruzilhada

iluminar de quem lhe foi Sincero,

que a obedeceu em tudo, foi Austero

e apenas redigiu seus Desatinos,

abrindo mão de todos os Prazeres,

tão só por ela cumprir os seus Deveres,

quem por ela esqueceu outros Destinos.

EVENTOS

É a condição humana, com certeza!...

Depois que chegas à idade do "com dor",

A vida ainda tem igual beleza,

As cores ainda trazem seu calor...

Mas esse nome muito bem descreve

As decadências da carne continuadas:

Pois a troco de cada prazer breve,

Recebes trinta dores demoradas...

Não é que seja a corrupção da idade:

Foi resultado de pura distração,

De tanto maquinar "poesidade",

Levei um tombo e quase quebro a mão;

E como a pôr à prova a própria fé,

Ao sair da farmácia... torço o pé!...

este deve ter sido assoprado em meus ouvidos pelo Aporelly, o famoso poeta burlesco Aparício Torelli, editor de O Malho e O Tico-Tico.

PLANGER

Nós abusamos: ficamos muito unidos,

Nossa amizade deu muito na vista,

Num esplendor amargo de conquista,

Que os melindres alheios tem ferido...

Nós abusamos: falamos de magia

E se uma coisa há que não se aceita

É que feliz de amor seja a desfeita,

Sem que tragédia surja e sem poesia...

Nós abusamos: fomos dois meninos,

Inconscientes, cumprindo desatinos,

Num bimbalhar de sinos e ilusão...

Sem compreender que os sinos a rebate

Marcam o fim apenas do combate,

Mas nunca do amargor no coração.

ASSOVIO

Razão sutil existe de esperança,

mesmo que o amor perdure insatisfeito,

para quem ama, sempre é dom perfeito

gozar do amor, à espera da bonança...

Pois isto de possuir o corpo amado

pode trazer satisfação sensual,

pode abrandar a excitação sexual,

porém do sonho desfaz o bem sonhado...

Sonhar de amores é som de nostalgia,

viver de amores é idílio de poesia,

gozar de amores é apenas um momento:

Fiéis embora perdurem os amantes,

os sentimentos frágeis, rebrilhantes,

se desfarão num sibilar de vento...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 29/06/2011
Código do texto: T3063617
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