OLHOS E OUVIDOS (Cocléias e Quiasmas) / PARQUE DE DIVERSÕES
COCLEIAS E QUIASMAS I (2008)
Eu vou pedir passagem por teus olhos
e bater, discretamente, em tuas pupilas,
que são da mente as mais fiéis ancilas,
pois quero entrar de tua mente nos refolhos.
Serão tuas lágrimas iguais aos santos óleos
da minha extrema unção. Extensas filas
de serafins, vivendo em simples vilas
nos canais lacrimais, cujos escolhos
já tantas vezes me naufragaram a entrada.
Mas de novo insistirei, para tua alma
transformar em minha perene habitação.
Percorrerei o córtex, na longa caminhada
e em teu tálamo me deitarei, em plena calma,
a regular-te, gentilmente, o coração.
COCLEIAS E QUIASMAS II (21 jun 11)
Porém, se nas tuas órbitas me apego,
sou irritante de teus dutos lacrimais
e tuas lágrimas me expelem, discordiais,
pois não me dão acesso nem sossego!...
Pelas tuas faces, levemente, esfrego
meus pensamentos em lentos festivais;
teus sentimentos não aquecem meus fanais
e as ilusões que eu queria não te lego.
Porque teus olhos, que eu amava tanto,
centelham anticorpos para mim,
a rejeitar-me, fluindo em plena calma...
E assim percebo, para meu espanto,
quantos venenos que me dás assim,
igual que fungos a devorar minha alma!
COCLEIAS E QUIASMAS III
Pois então, me ocultarei em teus ouvidos,
protegido por teus róseos pavilhões,
a escutar de teus ecos multidões,
até os tímpanos, de vibrações feridos...
E assim eu me exporei aos golpes tidos
por três ossículos, em constantes mutirões.
Fujo ao martelo e à bigorna, em percussões,
porém me abrigo nos estribos mais queridos.
E neles, trapezista, me balanço
para o interior desse teu labirinto,
em que talvez me perca eternamente...
Mas se a cocleia finalmente alcanço,
eu subirei por teus nervos, pois me sinto
qual um sussurro enrodilhado na tua mente.
COCLEIAS E QUIASMAS IV
Como um sussurro, na cocleia me apresento,
como um lampejo apenas no quiasma.
O meu murmúrio, de leve só, te espasma;
numa centelha, em teu olhar me adentro.
Sobre teu córtex eu tomo o meu assento,
qual obsessão perene de um fantasma.
Mas só tua mente racional se pasma
e minha impressão esvai-se como o vento.
Como eu queria chegar ao mais profundo
desses teus sentimentos e me instalar
como perene e fúlgida emoção!...
Mas entre as redes neurais eu me confundo,
por mais constante que seja em conquistar,
uma por uma, tuas grutas de ilusão!...
COCLEIAS E QUIASMAS V
Talvez devera ter seguido outro caminho
e te invadir os centros hormonais...
Ou pela hipófise ou nas suprarrenais,
para te abrir o coração, devagarinho...
E de endorfinas te encheria, com carinho,
e acionaria tuas percepções neurais,
de dentro para fora, em naturais
canções de amor, a descrever sozinho
visões de amor para teus olhos cegos...
E desse modo, o labirinto acionarei,
a provocar em ti qualquer tontura,
que no futuro não te dará sossegos...
Seres tonta por mim te obrigarei,
na mais completa e mais real ternura.
COCLEIAS E QUIASMAS VI
E assim passagem não mais te pedirei,
por me encontrar em ti inteiramente.
Todas as glândulas eu te influenciarei,
serás escrava minha, totalmente.
Porém não te revoltes, que estarei
inserido em teu ser completamente.
Sair nunca jamais conseguirei,
só brotarei de teu seio qual pingente.
E assim, eu nunca mais te perderei,
porque a mim mesmo nunca perderás,
já que em tua alma serei profundo cravo,
pois quanto existe em mim eu te darei
e para sempre te conservarás
escrava minha, de quem me fiz escravo.
PARQUE DE DIVERSÕES I (2008)
Montanha russa foi minha vida toda:
altos e baixos, sempre inesperados...
Os outros a meu lado, apavorados
e eu só pensando em como a vida engoda.
Altos e baixos, sem completar a roda
da sansara sem fim, corpos usados
por décadas apenas e então lançados
de volta à terra... ou nessa tola moda
de engavetar os restos, circo inútil:
festins e funerais, quanta sandice!
Se apenas giram sempre iguais esferas...
De há muito já rachada a vida fútil,
girando sem parar, pura tolice,
no carrossel das mais breves esperas...
PARQUE DE DIVERSÕES II (29 JUN 11)
Ou talvez tenha sido outro brinquedo:
um barco, seja viking ou pirata
ou uma roda gigante em que se abata
toda a coragem esfumada pelo medo
de uma simples brincadeira sem segredo,
já controlados, desde longa data,
velocidade e o vento que se esbata,
contra meu rosto qual gélido dedo.
Há muitas variações da fantasia
dos giroscópios de toda a sociedade:
nada mais são do que alienações,
que para mim não têm qualquer valia,
sem me causar qualquer felicidade
e muito menos propiciar satisfações.
PARQUE DE DIVERSÕES III
É preciso lembrar que seus padrões,
tendo começo, fim terão bem certamente.
Tudo o que nasce, morre... É ter presente
que são da vida marés de imitações.
Apenas nos controlam as durações
por um espaço limitado e impermanente.
Os carrinhos se movem velozmente,
sobem e descem sem mais continuações.
E quando acaba o tempo desse mito,
surge um novo brinquedo pela frente,
que por instantes nos leva até as alturas
para depois nos rebaixar até o infinito,
por nossa vida não mais que indiferente:
jogos apenas, mas de ilusões bem duras...
PARQUE DE DIVERSÕES IV
Assim, eu não me abalo, se a maré
torna-se baixa em presentes circunstâncias
ou se faz alta em mais outras instâncias,
que um vaivém constante a vida é.
Pois muitas vezes no retêm no rodapé
e noutras nos eleva até as fragrâncias
da glória e do poder, em inconstâncias,
pois tanto faz estar no píncaro ou sopé.
As coisas mudam e quanto sobe, desce;
tudo o que desce, um dia há de subir.
Como Kipling falou, são impostoras...
Mas não se afastam por esforço ou prece,
já que somente com paciência há de luzir
nossa alforria destas duas senhoras.
PARQUE DE DIVERSÕES V
E há uma coisa mais: na baixamar
é quando os barcos o alto mar alcançam,
aproveitando que as águas mais se lançam
na direção que buscam encontrar.
Enquanto em maré alta, há que gastar
muito mais energia. E assim descansam,
até que as águas novamente avançam
e em direção ao mar alto irão zarpar.
Se tudo então te parece ser contrário,
é quando tens a real oportunidade
de para o alto mar te projetares...
Que o destino é um disfarçado perdulário:
mil portas te abre, com generosidade
e só de ti dependerá as atravessares...
PARQUE DE DIVERSÕES VI
E não te esqueças: qualquer roda gigante,
um barco viking ou mesmo um carrossel
de cavalinhos a pular sob um dossel,
só se pagares te irão levar avante...
Após comprares a entrada, num instante
a entregas a um porteiro, que ergue o anel
dessa corrente que ao futuro dá quartel:
tens a escolha do brinquedo a teu talante.
Pois pelo teu viver, és tu que pagas,
com o teu tempo, afetos, pensamentos,
com o constante palpitar do coração.
Mas vivencias até o final as sagas
que escolheste por teus consentimentos,
que a vida inteira é um parque de ilusão!