Solidão

Se queres saber o meio

Por que as vezes me arrebata

Nas asas do pensamento

A poesia tão grata;

Por que vejo nos meus sonhos

Tantos anjinhos dos seus:

Vem comigo, ó doce amada,

Que eu te direi os caminhos,

Donde se enxergam anjinhos,

Donde se trata com Deus.

Fujamos longe das vilas,

Das cidades populosas,

Do vegetar entre as vagas

Destas cortes enganosas;

Fujamos longe, bem longe,

Deste viver cortesão!

Fujamos desta impureza,

Só vês cordura por fora;

Mas nunca o vício que mora

Nas dobras do coração!

Fujamos! Que nos importa

Rodar do carro que passa,

Esta orgulhos vã glória,

Que se resolve em fumaça?

Estas vozes, estes gritos,

Este viver a mentir?

Fujamos, que em tais lugares

Não há prazer inocente,

Só alegria que mente,

Só lábios que sabem rir!

Fujamos para o deserto;

Vivamos ali sozinhos,

Sozinhos, mas descuidados

D'estes cuidados mesquinhos;

Tu o azul do espaço olhado

E eu só a rever-me em ti!

Quando depois nos tornarmos

À terra serena e calma,

Aqui acharei tua alma,

E tu me acharás aqui.

Ou corramos o oceano

Que d’imenso a vista cansa;

Dormirei no teu regaço

Quando o tempo for bonança,

Quando o batel for jogando

Em leve ondular sem fim.

Mas nos roncos da procela,

Nossos olhos encontrados,

Nossos braços enlaçados,

Hei de cantar-te, inda assim!

Ou se mais te praz, zombemos

Das setas que arroja a sorte;

Vivamos nas minhas selvas,

Nas minhas selvas do norte,

Que gemem nênias sentidas

No seio da escuridão.

Não tem doçura o deserto,

Não têm harmonia os mares,

Como o rugir dos palmares

No correr da viração!

Tu verás como a luz brinca

Nas folhas de cor sombria;

Como o sol, pintor mimoso,

Seus acidentes varia;

Como é doce o romper d’alva,

Como é fagueiro o luar!

Como ali sente-se a vida

Melhor, mais viva, mais pura

Naquela eterna verdura,

Naquele eterno gozar!

Vem comigo, oh! Vem depressa,

Não se esgota a natureza;

Mas desbota-se a inocência,

Divina e santa pureza,

Que dá vida aos objetos.

Feituras da mão de Deus!

Vem comigo, ó doce amada,

Que são estes os caminhos,

Donde eu enxergo os anjinhos,

Que tu vês nos sonhos meus.

Zorro Poeta
Enviado por Zorro Poeta em 29/07/2011
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