SUSPIROS SEM DONO & MAIS

SUSPIROS SEM DONO

Um dia eu chegarei, sem que ela espere

ouvir de mim o som do sentimento

e lhe direi, em vão, meu pensamento,

que apenas os meus lábios refrigere.

Talvez... ela me espere, em tal momento.

Que em seu olhar um brilho reverbere,

que, com carinho, sua mente me pondere

e me faça saber, meigo portento,

que o tempo todo ansiava por me ouvir,

sem esperar, mas não que não quisesse,

nem ressonasse o mesmo ideal fulgor.

Ansiando, tão somente, retribuir

carinho por carinho, em que me desse,

apenas num suspiro... igual amor.

BALISTICA

SOU FILHO DE MEUS PAIS, ISSO É INEGÁVEL:

LANÇARAM-ME NA VIDA QUAL FOGUETE.

MAS ISSO NÃO ME CAUSA A INELUTÁVEL

TRAJETÓRIA RETILÍNEA DE UM JOGUETE.

FUI CAUSADO POR ELES SÓ UMA VEZ

E DE UMA SÓ: NÃO ME CAUSARAM MAIS.

APÓS SEREM NUTRIDOS OS BEBÊS,

CESSA O CONTROLE DE SUAS MÃES E PAIS

ELES APENAS APONTAM TRAJETÓRIAS,

A QUE ME ATIVE SOMENTE ENQUANTO QUIS

[POR DIFÍCIL TENHA SIDO ME ESCAPAR].

NÃO SÃO OS PAIS QUE CAUSAM AS HISTÓRIAS:

DE TEUS PROBLEMAS, O ÚNICO JUIZ

SERÁS TU MESMA, A FIM DE OS DOMINAR.

PSICOPOMPO

Minha mãe surgiu em sonhos à minha filha

anos após sua morte, protestando

estar cansada de continuar cuidando

dos bisnetos a quem na Terra a trilha

não estava ainda aberta, pois seus netos,

a quem amava muito e que eram nove,

não aceitavam o anseio que comove

a gerar vidas no abraço dos afetos...

O sonho é de minha filha, ainda solteira,

que não confeccionou, para tais almas,

assim expectantes, organismos...

Sua avó, por isso, continua toda inteira

a cuidar de seu pequeno curral d'almas,

que nem transpõem da vida os paroxismos.

ESPADANA

Já estava em tempo de cortar o fluxo

da verborréia azul destas sentenças,

que exprimem tanta vez estranhas crenças

ou incredulidade em seu influxo...

A pilha se acumula no refluxo

de tantos versos, cujas desavenças

redemoinham em motins... extensas

pilhas de sonhos de empuxo e contra-fluxo...

Nem sei se poderei este repuxo,

que o ar contém da hora cintilante,

comunicar um dia a quem espera...

Só sei que, a cada dia, mais debuxo

e a forma se mantém, expectante,

até o momento que o fado a destempera...

BIOMOLÉCULAS

Nos antros infinitos do Universo

encontra-se gerada a Biologia,

filha da Química, que lhe produzia

os materiais adequados. E o diverso

pintalgar multicor de tantos mundos,

esparzido em planetas indolentes...

Neta da Física, que condições freqüentes

lhe preparou adequadas, nos profundos

arcanos das galáxias e estrelas...

Filha e neta da Química e da Física,

a Biologia é como um véu de seda

que polvilha os planetas, nessas belas

contrafações da força Metafísica,

em que a Razão humana então se enreda...

DIAS MEDÍOCRES

Estou a recolher-me e aos sentimentos

que tanta vez mostrei, a reflorir.

Já não me predominam pensamentos,

esquecidos do afã de seduzir...

Imerso estou de novo nos portentos

de um trabalho exaustivo. Noite e dia,

me esforço sem cessar,sem desalentos...

e o tempo emprego, sem pausa, nessa esguia

espiral de ver os parcos resultados

que não me tomam as taxas e os impostos,

pois quanto mais trabalho, mais me cobram.

Assim, os dias meus, malbaratados,

quase nunca pela compra de meus gostos,

descubro foram gastos e não sobram...

EL HOMBRE MEDIOCRE

[com uma barretada para Ingenieros]

Eu me sinto qual se a alma retirada

tenha sido de meu corpo e a veja fora,

espezinhada, sangrando, perfurada

por mil facadas que sofri no outrora...

É como se essa alma, dessangrada,

que se arrasta após mim, em triste hora,

não mais me pertencesse e, de esfolada,

não mais do que gemer soubesse agora...

Pois não é minha, então. Eu, nunca gemo.

Suspiro, apenas, quando perco o bem:

renovo as forças e a luta recomeço...

Enquanto a alma que vejo, nesse extremo,

já se entregou e quer morrer também...

Mas, se eu puder lutar, nada mais peço!

IDEAL MEDÍOCRE

Se Deus inspira em cada um o ideal

do que deve aspirar, também em mim

mediu-me Sete Dons, que vêm, assim,

em benefício imenso, em espiral

ascender lentamente, alicerçados,

nos sulcos multifários do desdém,

nos desencantos que as tristezas têm,

nos ciclos multicores dos passados...

O que eu vejo, ao olhar a meu redor,

é que sempre me esforço o quanto posso

[e faço bem mais que outros, com certeza].

E, se prazer eu tenho, é no sabor

de ter cumprido o alvo a que me esboço,

de transformar desgosto em mais beleza.

EMOÇÃO MEDÍOCRE

No calor, me derrete a inspiração

e sai pelos esgotos de minha alma.

Não sai a lastimar, morre com calma,

no desvaziar da mente e coração.

No calor, não me alento por poesia:

não quero nada. É a pura realidade.

Só sinto o arder desta animosidade

que me transforma a vida em fancaria.

Bem sei que outros não fizeram nada,

enquanto eu trabalhei horas sem pausa:

talvez por isso não me sobre exaltação.

Mas o verão me estrangula a desejada

transcendência infeliz... Morro sem causa,

ao pingar versos suados de emoção...

TAREFA MEDIOCRE

Deixei de ser feliz: meus versos são tarefa:

alguma coisa se partiu dentro de mim ---

meus servos se esgotaram, não querem mais, assim,

louvar o amor vazio, labor que triste cessa.

Inusitada a espera, provada vã do prenhe

momento azul em que o organismo treme

e se arreganha no instante em que mais geme

a partejar dos sonhos o que ordenhe...

O coração que vejo, senil e amarfanhado,

não mais quer esperar outro encantado

responsório de fulgor e exultação...

Se o verso quer trabalho, que assim seja!

Não pararei porque a musa não se enseja,

por mais vazio que esteja de emoção...

TALVEZ MEDÍOCRE

Um dia, talvez goste destes versos

que agora faço, no meio da canícula,

da onda concreta e da vazia partícula

de sentimentos em esgar conversos...

Mas o que sinto agora, é veleidade...

Não obstante, mantendo a versogênese,

como mais um dever, como ergogênese,

enquanto o reverbero da cidade

referve em torno a mim, no burburinho

de horas falazes, curtidas de vapor,

em que só posso descrever meu desconforto.

Pobre poema este, assim mesquinho:

não fala de virtude, nem de amor,

mas tão somente de um presente morto.

AMORES MEDÍOCRES

Eu vejo a meu redor tantos amores

levianos, vagos, de curta duração,

só por dizer que um outro coração

ressona transitório em seus sexores...

E assim como começam, tais ardores

depressa se desfazem sem paixão:

não se acha amor na pobreza da emoção,

mentiras breves, curtos seus pendores...

Só pele contra pele... Sem razão,

sem perdurar, não mais que a companhia

que não os deixe a sós na multidão...

Mas não os meus: são firmes e potentes,

mesmo que estejam juntos, à porfia,

são sólidos amores permanentes...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 02/09/2011
Código do texto: T3196498
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