ARGUMENTOS CASUAIS I-XII

CASUÍSTICA I (2007)

Alguma utilidade deveria

possuir esta folha de papel,

caída da parede, em que podia

avisos transmitir-nos a granel.

Tomei do chão a folha desse dia

e redigi meus versos cor de mel

contra esse texto de indiferente fel,

quando ilusão de ti em mim brunia.

Perdi meus desapontos, um a um:

fiquei sem nada. Somente vejo agora

o esmaecido reflexo nem tido...

E os resultados se alinham, sem que algum

desperte no meu peito, nesta hora,

qualquer orgulho de dever cumprido.

CASUÍSTICA II

Nunca fumei, mas não estou de acordo

que o proíbam tanto. Já é fascismo

impor preceitos de tal absolutismo,

que não permitem, nem sequer a bordo

do próprio lar, que se chupe uma fumaça...

Claro que é péssimo hábito, cancerígeno

sem dúvida, mas existe tanto antígeno

abundando por aí, que até embaça

de longe os danos causados ao pulmão.

Automóveis refluindo escapamento,

radiação de celulares, conservantes,

dos fios da luz se escapa radiação...

Não é o cigarro proibido de um momento

que nos fará mais saudáveis e elegantes.

CASUÍSTICA III

Como eu queria que minha situação

se resolvesse de uma vez por todas!

Que conseguisse me libertar das modas

que me causam despesa e inquietação!

Se por um só momento, o coração

se aliviasse da carga dessas rodas

de impostos e despesas, quantas podas

mensais no meu salário e exultação...

Se não gastassem tanto nesta casa,

em luz e telefone, eu, que mal gasto,

certamente alguma sobra guardaria...

Mas como está, todo meu ganho vaza

em troca de infeliz, magro repasto,

que nem sequer carinho me alivia!...

CASUÍSTICA IV

Não é que ganhe pouco: são os gastos

a que me levam com frequência a incorrer.

Há muito desperdício e, até morrer,

não vou poder juntar sequer os rastros

de um pecúlio, tudo gastam em mil faustos

desnecessários e lançam-me a perder,

sem que retorno haja... Um despender

que já me incita a buscar alheios pastos.

Se fosse comer fora, gastaria

uma fração do que despendo aqui

e os pratos não teria de lavar...

E se morresse sozinho, poderia,

desses impostos de que sempre sofri,

pelo menos no túmulo escapar!...

CASUÍSTICA V

Tudo depende do tipo de mensagem

que encontrar agora; de um amigo

responderei com prazer; darei abrigo

a quanto me pedir em sua visagem.

De uma editora, tomarei coragem

e direi que contar podem comigo

para nova tradução que, sem perigo,

tudo farei para sua e minha vantagem.

Mas se for de um amor desconhecido,

logo encherei do outlook as linhas,

com palavras de afeto e compreensão.

Porém duvido que alguém tenha querido

falar de amor, que as vozes são mesquinhas

e só me escreve quem de mim têm precisão...

CASUÍSTICA VI

Meus dedos se desmancham pela poeira,

ao longo destes traços. Como tinta,

uso meu desespero, estranha finta,

quando finjo estar tranquilo para o mundo.

Porém os anos passam, neste imundo

tatear de versos. Sinto a vida extinta,

engasgado o coração por uma cinta

de eventos enroscados em zoeira...

Meus dedos se desmancham. Cada verso

são células conversas em farnel,

que sirvo aos outros e não suspeitam nada.

E mesmo que suspeitem, que eu disperso

o cerne de mim mesmo, em ouropel,

quem se importa com minha vida dissipada?

CASUÍSTICA VII

Vou cerzir versos como cirzo a alma,

ponto após ponto. Cheia de remendos,

costuras e farrapos, com tremendos

rasgões que pespontei com toda a calma.

Depois, este arremedo que me empalma

grampearei com cuidado. São pudendos

os meus buracos, do espírito rebentos

que a alma tem frustrado. Só me embalma

o odor gosmento desse esparadrapo

que colei sobre os grampos, a firmar,

com mais cuidado as fendas da emoção.

E por uns dias mais, assim me escapo,

da friagem do vento, a esfiapar

fibra por fibra, a alma e o coração...

CASUÍSTICA VIII

Não vou fingir ser puro. Se contigo

demonstrei sempre até subserviência,

muito mais que exigiria só a paciência,

esse era o preço de fazer amor contigo.

Essa arma tão sórdida, consigo

agora rejeitar. A repetência

quebrou-lhe a ponta e o gume é só ausência;

já mal desejo voltar a tal abrigo.

Pois tanto me custou durante a vida,

em carinho e despesa, moeda e tempo:

manipulaste meu coração sensível,

com violência e fúria mal contida,

enquanto eu enfrentava o contratempo,

sempre aguardando o câmbio do impossível.

CASUÍSTICA IX

Estranha esta minha vida. Não prevejo

resultado de ações. Não manipulo

aqueles a quem amo. Só estipulo

os alvos para mim. E o que cotejo,

de tempos para tempos, bem calculo

que se transforme em som de realejo,

melodia esganiçada, na qual vejo

meus hábitos mudarem, quando anulo

detalhes falsiformes de minha vida.

Mas se o caráter se transmuta, a outrem

não consigo jamais modificar,

nem em favor de mim levar vencida.

Elas reagem, como sempre têm,

sem a meus planos em nada se adaptar.

CASUÍSTICA X

Um dia, eu partirei, sem que o esperes

e não retorno, depois de ter partido.

Mas não pretendo ir por ter sofrido,

nem por desprezo constante que me feres.

Pois só irei por ter sumido o sentimento

que me prendera a ti, ano após ano,

que lamentar me fazia o antigo plano,

entre nós dilacerado em julgamento.

Irei, porque me sinto indiferente,

sem a menor vontade de tornar,

muito mais triste que se amargura fosse.

Só resta a anestesia, permanente...

Não há desgosto ou mágoa, só o cansar

de tantas vezes esforçar-me por tua posse.

CASUÍSTICA XI

Foi-se o desejo, mas ficou a nostalgia

desse meu crime de mostrar-te amor,

por tantas vezes, sem qualquer calor,

porque o ardor já se fora em bastardia...

Foi-se o amor, no entanto, não queria

me convencer que a perda desse ardor

fosse prova, afinal de um estertor

final do que tão grande foi um dia...

E não morreu por si: assassinaste,

dia após dia, em motes de acerbia,

flor após flor, os brotos renitentes.

Bem que tentei, entretanto, recusaste

me dar aquilo que tanto mais queria,

nos teus amuos de esgares impacientes.

CASUÍSTICA XII

Depois que estiver morto e engavetado,

(ou se meus filhos me cremarem, qual pedi,

embora, é bem verdade, nunca cri

que quando esteja velho e já alquebrado,

por qualquer deles venha a ser auxiliado.

Terão suas próprias vidas. Sempre vi

que não precisarão de mim aqui

e que, portanto, não serei acompanhado),

findo o parêntese, minhas cinzas espalhadas,

talvez encontrem as cinzas de meus versos

e as misturem com água e então exponham,

quais obras de arte, tais canções atribuladas,

os bens de minha ironia, bens dispersos

por entre amigos, cujo valor nem sonham.

William Lagos

Tradutor e Poeta

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com

William Lagos
Enviado por William Lagos em 04/09/2011
Reeditado em 12/09/2011
Código do texto: T3200973
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