DECLARAÇÃO & MAIS

DECLARAÇÃO

Se alguém me tem amor, terá de me buscar:

terá de vir a mim, porque não buscarei;

minhas regras são bem claras: não mais procurarei,

quem antes procurei, sem conseguir achar.

Se alguém me tem amor, terá de vir a mim:

demonstrar seu desejo, até mesmo insistir;

a vida ressabiou-me: não quero mais sentir

o que antes senti. Não buscarei, assim,

por mais que alguém anseie, por mais

que o coração

se expanda e se contraia, na estranha humilhação

de depender de alguém que de mim

não dependa;

de atender alguém que para mim não atenda;

de esperar por alguém que por mim não espera:

considerar, enfim, quem não me considera...

SOBRE OS MONTES DO PASSADO I

[referência a 1º de janeiro de l990]

Sobre os montes do passado marcharei,

sem que sequer suas emoções recorde.

Vou voltar ao antanho e dir-lhe-ei

o que agora sinto e me remorde.

Nesta atual vida gentil e desacorde

que à tona da memória encontrarei.

Com que talvez o fato não concorde,

mas a memória é viva e narrarei.

Linha após linha, é a história que refaço,

que sempre me foi dura em seu regaço.

Como mãe que rejeita o nascituro,

eu não descreverei o acontecido,

mas o que dele me lembro, o malquerido

revisar de mil sinapses impuro.

SOBRE OS MONTES DO PASSADO II

[referência a 2 de janeiro de 1990]

Ao empreender um arremedo de memórias,

serei igual aos outros que mentiram:

só contam fatos com que se iludiram

e se surpreendem com reais histórias

que os documentos mostram. As inglórias

percepções de passados compromissos,

mal recordadas, não por pobres vícios,

mas submersas num fulgor de glórias

que nunca receberam; de honrarias

azinhavradas, iguais velhos ouropéis,

medalhas embaçadas, fitas velhas,

roídas pelas traças... mortas vias

são invocadas em tais tristes lauréis,

quais os ferrões com que morrem as abelhas.

SOBRE OS MONTES DO PASSADO III

[referência a 3 de janeiro de 1990]

De todos os projetos que já fiz,

este seja talvez o mais maluco:

retorno a meu passado noctiluco,

estes versos do tempo em que não quis

escrever versos, quando a boca diz

o que sente o coração naquela hora,

em que outros corações, no mesmo agora,

falam por mim e me tomam feito giz

[o mesmo giz que forra meus pulmões]

e escrevem o que mandam, sem vontade,

que pouco após escrito, já é apagado

nos quadros-verdes de novas gerações,

tal como esse meu dia, sem saudade,

foi esquecido tão logo desgastado.

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SOBRE OS MONTES DO PASSADO IV

{para 4 de janeiro de 1990}

Enxergo a vida em gotas de atropina

que me deformam o olhar e o astigmatam,

mas não são chagas que me estigmatam,

somente ondulações, que a vista ensina

a contemplar a vida, em repentina

transformação dos rostos e paisagens,

as coisas nunca em místicas miragens,

sempre mais ásperas do que minha retina

pretendia que fossem: a miopia

revela mais detalhes, mas esquece

a pintura geral e, na armadilha,

mal defendido por hipermetropia,

eu caio às vezes, ainda que me aquece

essa visão imperfeita de minha trilha.

AMOR DE CÂMARA XXIX

Quando a tomo em meus braços, cada dia

e sinto o seu perfume e o som da pele

e a voz do coração quanto me apele,

sou envolvido na cor dessa elegia...

Quando a mim nos braços toma, nessa fria

cordialidade dos tempos de calor,

a tal ponto me refresca, em seu amor,

que a pele acalma e a mente me esvazia.

A cada vez, me sinto mais surpreso,

que retome o anseio de seu beijo,

em tal orgasmo, refletido em intermezzo.

Que assim retome a força do desejo,

cálido e leve, sol em seus afélios,

amor fazendo aos acordes de Sibelius.

IMAGEM AOS BORRIFOS

Bem a conheço, tanto que a vi nua,

não há segredos que seu corpo esconda,

por mais que seu amor assim me ronda,

já mais vezes a vi que a luz da lua...

E quando ela se banha, como estua,

em gotas peroladas, pura onda,

que escorre, que respinga e que me sonda

o coração e a alma perfura como pua...

Mas ela corre a cortina, em seu pudor

e eu fico fora, por ódio ou por amor,

da intimidade que não posso partilhar...

E é como se jamais tivesse visto:

e é por isso que tal sombra olhar insisto,

nesse mistério da cortina a farfalhar...

A MANGRA DA PUREZA *

"Branca e radiante, vai a noiva,"

como descrito no bolero antigo,

a igreja cheia, sob esse inimigo

olhar das outras... Corta como goiva

a maldade com que tantas observam;

a mamãe chora, o pai vai emproado,

o noivo espera junto ao altar, cansado

desse longo ritual em que o conservam...

E avança a noiva, em toda a sua pureza...

Mas, de repente, seus olhos se arregalam,

suas faces de rubor se fazem roxas...

É que a mancha vermelha, com certeza,

que lhe marca o vestido, todas falam:

é o sangue menstrual entre suas coxas!...

* [was going to put Mácula, but Mangra sounds best and synonymizes for Mancha as well].

O RELÓGIO DA ESTRELA

enquanto a estrela sobre mim pingavA

o seu brilho de cor esverdinhadA

e em ultravioleta me irradiavA

e me remodelava a compassadA

rítmica do coração e me cegavA

os olhos para a Terra acobertadA

de infravermelho e então me derramavA

a taça de cobalto ardente reveladA,

ela me despertou para a alegriA

o âmago da vida, finalmentE,

porém no próprio dom, assim jaziA

o veneno da velhice e da emoçãO,

pois se me fez viver, completamentE,

também o ritmo me adiantou do coraçãO.

INSETAÇÃO

São quase cinco e me sinto pirilâmpico,

estuando de energia e vagalúmico,

tal qual o mundo, tão lamelibrânquico

deixasse para trás e, assim, gafanhotúmico,

saltasse pela relva, ser besôurico,

a meu redor tão doce, quase grílico,

ou projetasse casulo aracnídico,

no mundo a debater meu eu cascúdico.

Talvez devera me tornar um ser mosquítico,

sugar meu próprio sangue, em maripôsico

reler de antigos versos, borbolético,

repelindo a mim mesmo, num mutúquico

zombar de mim, em zumbido pernilônguico,

ferrão e garras de meu signo escorpiônico.

élitros

e novamente sinto-me morcêguico,

a viajar num curso carrapático,

repleto de desejo sanguessúguico,

porém em segurança caracólica,

mesmo que seja apenas tartarúguico

este meu adejar tão maripôsico,

este meu requeimar quase falênico

e o nojo de mim mesmo assim lepísmico.

desse modo permaneço só um vérmico,

à alegria fugindo, num virótico

reproduzir de versos bactérico,

no reluzir balsâmico e escaravélhico

de quem pretende ser um lepidóptero,

mas sem passar de triste coleóptero.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 19/09/2011
Código do texto: T3229492
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