GARIMPO V & MAIS

GARIMPO V (abril de 2008)

A James Cabell eu devo esta noção,

que já li há tantos anos: que o amor,

em todas suas nuanças e calor,

é tão somente o encontro fugidio

de sombra e substância, na emoção

de uma manhã de inverno ou então de estio,

de uma noite de calor ou pleno frio,

quando o olhar no olhar encontra ardor.

Mas vê-se aqui a marca do romântico

ideal -- quem guarda esta lembrança,

conserva para si o que podia ter sido:

tem a sombra para sempre, nesse cântico,

mas quem adquire para si a substância,

esquece a sombra e percebe-se traído.

GARIMPO VI

Não é no corpo da mulher que se acha amor:

esse troféu é apenas biológico;

passa o momento, em verso tautológico,

pois tanta vez se lançou este clamor...

É para o bem da raça tal calor,

que leva o homem ao matrimônio ilógico,

ao monogâmico fato sociológico,

que exige a religião, no seu impor.

Quem quer amor, só noutra alma o encontra

e como é raro que a alma sobreviva

ao encontro dos corpos, sem magia...

Que a sociedade é a verdadeira montra,

da galeria de enganos rediviva

em que cada geração insiste e cria.

GARIMPO VII

Se não se tem amor, nada se perde:

por mais que faça falta, não é dano;

nem sequer se perdeu o desengano,

se amor não foi um bem que a gente herde.

Quando amor houve, o que se quer de

possuir... é a constância do reclamo:

segurar a folha fresca desse ramo,

enquanto o par segura a folha verde...

Se amor não houve, apenas se perdeu

o usufruto carnal de uma ilusão.

Muito mais forte é o amor do coração,

esse fruto da magia que escolheu,

a nossa alma para seu abrigo

e que sempre assim será fiel contigo.

GARIMPO VIII (4/2O08)

Macio é amor, qual poeira de esmeralda,

que se mistura nas faces para o viço;

igual que a flora, no seu brotar castiço,

amor é a chama que nos ferve a calda!

Amor é a força com que se galga a falda

do monte peregrino, até que nisso

se alcance o cume e depois, esquecediço,

não se saiba o porquê de tanta balda...

Não se saiba a razão dessa estridência

que nos levou tão longe, sem descanso,

até esse auge do arrebatamento.

Não foi amor a causa da potência:

e a conquista do amor foi só o remanso,

na calmaria que segue ao encantamento.

TOADAS DESIDRATADAS I

Amor é negra fonte de martírio,

Algidamente escura em sua pureza:

Antes fosse esperança de certeza,

Alvura fresca de perpétuo lírio.

Assim como o candor de grosso círio,

Ao redor do ataúde, em vã nobreza,

Afasta as sombras da malvada empresa,

Almas levando a se adentrar ao Empíreo,

Abandonando o corpo passageiro,

A nossa vida também é abandonada,

Ao perpassar de um sonho tão ligeiro.

Ardor da alma assim espedaçada,

Árduo é o amor no instante derradeiro,

Alfim sabendo que não nos leva a nada.

TOADAS DESIDRATADAS II (5/2008)

O que é melhor lembrar, amor perdido,

Escuso nas entranhas do passado,

Amor vencido, amor atribulado,

Pelas rédeas do corpo conhecido;

Ou amor formoso, sempre concebido,

Como perfeito, por nunca desfrutado,

Amor presente no coração alado,

Que guarda a juventude, em dom querido,

Porque não foi, mas ter sido poderia,

Melhor do que ter sido e não ser mais,

Já que esse é o amor que vive derradeiro,

Esse amor do talvez, que nos daria

A sensação perfeita do jamais,

Pois só o nunca se ganha por inteiro!

TOADAS DESIDRATADAS III

Será que eu mesmo entendo por inteiro

Esse amor que já senti, de cintilança,

Esse amor de fagulhas de bonança,

Esse esperado amor do cavaleiro,

De armadura brilhante, alvissareiro,

Seu pendão auriverde de esperança,

A flutuar sobre o gume frio da lança,

Cálido e vasto sonho derradeiro,

Esse amor concebido por herói,

Que apenas quer a gesta ver cumprida,

Pela prenda recebida por condão,

Da bela dama que o coração lhe rói,

Mas que nunca beijou na despedida,

Enquanto ia vencer mais um dragão...?

TOADAS DESIDRATADAS IV

Eu nem te escondo que é idolatria

Essa noção que trago interiormente:

Somente adoração manter podia,

Reflorescido o vácuo amortecente,

Que em mim habita, se te vejo ausente;

Não é mais que uma luz que a mente cria,

Mesmo sabendo ser incoerente

Esse negro fulgor que me iludia...

Porque esse amor se sabe lateral,

Sem que encontre na vida seu condão:

É amor pelo amor e não por ti;

Mas se algum dia erguer-se o véu fatal,

Verás que não existe um coração

Por trás de tantos versos que escrevi.

TOADAS DESIDRATADAS V

Caso pudesse, um laço teceria

Com as lianas firmes de minhas veias:

Balançaria então, sobre as ameias,

Quando passasses pelo meu castelo.

E, num lance perfeito, o lançaria,

Eliminando tais ausências feias:

Roubava assim de ti teu rosto belo

Que para mim tão só conservaria.

Há muito deveríamos já estar

Ligados um ao outro, num jardim:

Tu te ressecas nessa solidão

Enquanto eu murcho por não te abraçar.

E o laço das artérias será assim

A sacra estola de nossa comunhão.

TOADAS DESIDRATADAS VI

A mariposa se arroja para a chama,

Ansiosa pela luz e por calor:

Não teme a mortidão desse fulgor,

Se arroja à chama e estala enquanto exclama.

A mariposa adeja nessa flama,

Na luz do orgasmo firme de sabor

E nem percebe talvez, em seu ardor,

Que queima as asas e a auriverde rama.

A mariposa vem de longe e busca a luz;

Talvez julgue ser sol visto na lama,

Que tanta vez beijou ao derredor,

Matando a sede no sol que a água conduz.

E como a mariposa beija a flama,

Assim se arroja o homem para o amor.

TOADAS DESIDRATADAS VII

Eu vejo em ti o amor subjacente

da primavera gris, sem ter aurora.

Adejo a teu redor por toda a hora,

na luz escusa de um olhar descrente.

Eu busco a ti na cláusula infrequente,

apenas um luzir no meu outrora...

Um farfalhar azul que foi embora,

enquanto te buscava totalmente.

Por três anos vivi nessa esperança,

sem nada receber, mas recebendo

a certeza do bem, do mal, do incerto.

E agora estou morrendo, sem tardança,

a vida era de ti e a estou perdendo,

tão longe que me estás, estando perto...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 20/09/2011
Código do texto: T3229767
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