Depois de Te Haver Criado, a Natureza Pasmou

A mãe, que em berço dourado

Pôs teu corpo cristalino,

É sup'rior ao Destino,

Depois de te haver criado.

Quando Amor, o Nume alado,

Tua infância acalentou,

Quando os teus dias fadou,

Minha Lília, minha amada,

A mãe ficou encantada,

A Natureza pasmou.

Deve dar breve cuidado,

Motivar grande atenção,

A um Deus a criação,

Depois de te haver criado.

Deve de ser refinado

O engenho que ele mostrar

Desde o ponto em que criar;

Cuide nisto a omnipotência,

Porque, ao ver a sua essência,

A Natureza pasmou.

Ao mesmo Céu não é dado

(Bem que tanto poder goza)

Criar coisa tão formosa

Depois de te haver criado.

Naquele instante dourado,

Em que teus dotes formou,

Apenas os completou,

Arengando-lhe o Destino,

Em um êxtase divino

A Natureza pasmou.

O Céu nos tem outorgado

Quanto outorgar-nos podia;

O Céu que mais nos daria

Depois de te haver criado?

Ninfa, das Graças traslado,

Ninfa, de que escravo sou,

Jove em ti se enfeitiçou,

Cheio de espanto e de gosto,

E absorta no teu composto

A Natureza pasmou.

O teu rosto é adornado

Dos prodígios da beleza;

Foi um deus a Natureza

Depois de te haver criado.

Pôs em teu rosto adoçado

O que nunca o Céu formou;

Ela a Jove envergonhou

Nesse deleitoso espanto,

E de ter subido a tanto

A Natureza pasmou.

Todo o concílio sagrado

Do almo Olimpo brilhador,

Subiu a grau sup'rior

Depois de te haver criado.

Da meiga Vénus ao lado

O teu ente a nós baixou,

Ente que Jove apurou,

Ente de todos diverso;

Assombrou-se o Universo,

A Natureza pasmou.

Bocage

Poeta Dom Casmurro
Enviado por Poeta Dom Casmurro em 17/10/2011
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