Loira

Eu descia o Chiado lentamente

Parando junto às montras dos livreiros

Quando passaste irônica e insolente,

Mal pousando no chão os pés ligeiros.

O céu nublado ameaçava chuva,

Saía gente fina de uma igreja;

Destacavam no traje de viúva

Teus cabelos de um louro de cerveja.

E a mim, um desgraçado a quem seduzem

Comparações estranhas, sem razão,

Lembrou-me este contraste o que produzem

Os galões sobre os panos de um caixão.

Eu buscava uma rima bem intensa

Para findar uns versos com amor;

Olhaste-me com cega indiferença

Através do lorgnon provocador.

Detinham-se a medir tua elegância

Os dandies com aprumo e galhardia;

Segui-te humildemente e a distância,

Não fosses suspeitar que te seguia.

E pensava de longe, triste e pobre,

Desciam pela rua umas varinas

Como podias conservar-te sobre

O salto exagerado das botinas.

E tu, sempre febril, sempre inquieta,

Havia pela rua uns charcos de água

Ergueste um pouco a saia sobre a anágua

De um tecido ligeiro e violeta.

Adorável! Na idéia de que agora

A branda anágua a levantasse o vento

Descobrindo uma curva sedutora,

Cada vez caminhava mais atento.

Mas súbito parei, sentindo bem

Ser loucura seguir-te com empenho,

A ti que és nobre e rica, que és alguém,

Eu que de nada valho e nada tenho.

Correu-me pelo corpo um calafrio,

E tive para o teu perfil ligeiro

Este olhar resignado do vadio

Que fita a exposição de um confeiteiro.

Vi perder-se na turba que passava

O teu cabelo de ouro que faz mal;

Não achei essa rima que buscava,

Mas compus este quadro natural.

Cesário Verde

Poeta Dom Casmurro
Enviado por Poeta Dom Casmurro em 27/11/2011
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