O ser e o nada

sempre resta algo depois da chuva que passa

o perfil molhado

o cabelo de cachoeira sobre os ombros

as curvas empinadas das ancas

os bicos acesos dos seios

fica um pouco do perfume

o cheiro do vestido simples e belo

a lembrança da mão no rosto

e as roçadas no nariz firme

fica a lembrança da vida

a derrota momentânea da morte

o impossível controle do tempo

as chances perdidas

fica a cadeira vazia

o copo onde ninguém bebeu

o salgado frio que ninguém comeu

o ser que conheceu

fica o aconchego da amizade

a vida cheia de lealdade

um mundo de cumplicidade

e palavras ditas muito tarde

finalmente, fica friamente o nada

a escuta da fraca respiração

o passar leve da mão

e as atitudes cínicas de decepção.