PAIXÃO DE CARANGUEJO & MAIS

PAIXÃO DE CARANGUEJO I (2009)

Não me verás chorar de dor ou pena,

por mais que a mágoa me desperte compaixão;

tampouco prantearei desilusão

por qualquer falha a que Destino me condena.

Por mim mesmo não lastimo. Tomo a pena

e escrevo apenas. Não choro de paixão

e nem lacrimarei por solidão,

com tudo acostumei e a pena é amena...

É a sorte de quem usa de estoicismo

e se reergue após cada malefício,

a vida a contemplar com nostalgia...

Porém eu choro ao ver o classicismo,

retransmitido da infância em benefício,

pois são lágrimas vertidas de alegria.

PAIXÃO DE CARANGUEJO II (01 NOV 11)

Isso que quero é a cultura verdadeira

e não desculpas da mediocridade.

Grandes conquistas de toda a humanidade

e não essa assertiva interesseira

de que esporte é cultura ou que a esteira

das escolas de samba, em estilidade,

ou esse som comercial sem qualidade

a cultura representem, sem barreira.

Toda cultura para mim é intelectual,

provém da mente e vem também do peito,

não de músculos em longa contração.

Nas Olimpíadas gregas, era normal

apresentar longos poemas sem defeito,

que recebiam os louros e a ovação.

PAIXÃO DE CARANGUEJO III

Mas hoje em dia, tudo é desvirtuado.

São esportes de equipe, populares,

os mais aceitos nos torneios e os milhares

de horas de treino e de corpo aprimorado

de um atleta real, disciplinado,

não recebem nem torcida, nem cantares

desse povo assistindo de seus lares:

seu esforço é facilmente descartado.

Ou aceitam um qualquer borrão de tinta

como se fosse a "arte experimental",

abandonando os estéticos modelos;

ou quem, em "verso livre" até nos minta

ser um poeta de talento natural,

sem ser mais que parasita em meus cabelos...

PAIXÃO DE CARANGUEJO IV

Assim se mostra essa paixão de caranguejo,

que só tem olhos para seus iguais:

andam de lado, em arrancos habituais,

em louvaminhas ao mais pobre arquejo...

Paixão de pinças a se chocar em beijo,

em seus olhos de antenas são jograis

e o lodo esculpem desses manguezais...

Mas pela areia as suas canções aleijo,

a cada vez que os rastros lhes apago

e assim se vão as tristezas da cultura,

que anda de lado e louva falsamente,

que vê talento ou gênio ou diz ser mago

quem plagia ou fragmenta a arte pura,

quais caranguejos canibais inteiramente.

PHALAENOPSIS I (3 NOV 11)

Ao se comprar um dia a orquídea azul,

elegante e majestosa Falenopse,

acima dos louvores da sintaxe,

firme e suprema da esperança exul,

pouco importava ser fruto de um adul-

tério esta Mística Azul, doida silepse,

coroa egípcia, da nobreza diástole,

digna e pura tal qual toga curul!...

Todos sabemos não ser por hibridismo,

nem por qualquer genética alteração,

que assim adquiriu sua cor celeste,

qual sangue azul que marcava o feudalismo,

sempre entrevisto através da branca mão,

e era vermelho sob a pele que o reveste.

PHALAENOPSIS II

Custa bem caro adquirir tal flor,

produzida por processo patenteado.

Quem a compra já sabe seu cuidado

não ultrapassa um ano de calor.

Mas sob o azul revela-se o frescor

dessa flor branca de pendor alado.

É das falenas o seu nome derivado

(já foste um dia a "borboleta-flor").

Não é a aparência temporária que mais vale,

mas a certeza de tal perenidade,

por que o branco é hoje desprezado?

Por que desejam que a antiga voz se cale,

que assimilava o branco à eternidade,

enquanto as cores marcavam-lhe o pecado?

PHALAENOPSIS III

Antigamente, costumava-se afirmar

que era retida na concha a voz do mar;

que aplicada ao ouvido, o som do oceano

bravio ou manso podia-se escutar...

Mas como ama o vulgar o ser humano,

mais do que ao belo (mesmo sendo engano),

e tudo atacam para o desmitificar,

ansiando à fantasia causar dano,

dizem que escutas tão só a amplificação

do próprio sangue correndo em teus ouvidos:

nada existe de marinho em tal pendor!...

Mas eu defendo diversa posição

e ao murmurar junto a ti os meus pedidos,

de tuas orelhas na concha escuto amor.

PHALAENOPSIS IV

Sei muito bem não ser azul o rio

que percorre de tuas veias o orquidário.

Sei muito bem que não existe numerário

que possa adquirir teu beijo frio.

Mas quando a calidez te acorda o cio,

eu sou falena em busca de sacrário,

sou a anilina em nuance, multifário,

torno-me o mar e a teu calor me alio.

Não te comprei a preço de esmeraldas,

tampouco trago em mim o sangue azul,

mas te busquei na espera da alma pura

e meus cristais somente arranco às faldas

deste meu peito, pela orquídea exul:

seixos de sangue, enquanto a vida dura!

EXPRESSO DO ORIENTE I (26 out 11)

Houve um dia em que, tomadas de cansaço,

preferiram ficar as duas no hotel,

esposa e filha; e foi na noite, justamente,

que nos levaram a jantar nessa estação

ferroviária a guardar o antigo traço

do Expresso do Oriente, exatamente

na parada que encerrava essa excursão.

Mantinha ainda a decoração antiga

o velho restaurante em que Poirot

foi colocado por Agatha Christie

e refilmado a cor e em branco e preto.

(Ninguém assassinou qualquer amiga;

de certo modo até me senti triste,

pela ausência de um enigma secreto...)

É claro que eu poderia ser suspeito

e as prisões turcas têm má reputação...

Mas limitei-me a assassinar minha sopa.

Também meu peixe triste me fitava,

porém não vi no seu sabor defeito,

nem no raki servido na minha copa,

enquanto a companhia reclamava...

EXPRESSO DO ORIENTE II

Os pratos nos chegavam em carrinho,

locomotiva em seu formato saudosista,

com chaminé para o vapor e até farol,

porém a única fumaça que subia

era a da sopa trazida com carinho,

ainda quente, qual raio de sol,

tanto quanto aquele clima permitia...

Havia uma fonte, bem elaborada,

construída com pedras, qual presépio,

reproduzindo uma cena do passado...

Mas, na verdade, apenas disfarçava

a descida até a cozinha, pela escada

e o acesso do banheiro, mais ao lado...

Será que aqui o Rei Guilherme se aliviava?

Bem certamente existem marcas nos esgotos

de Agatha Christie e de Pierre Loti,

que antes de criar a ambientação

de "Aziyadê", veio-a estudar também.

Pelas paredes as mais variadas fotos,

embora algumas tão só reprodução

desses atores que a memória ainda contém...

EXPRESSO DO ORIENTE III

Foi nessa noite que adquiri passagens

no carro-leito para Sófia, na Bulgária.

Para meu desaponto, só noturna

era a viagem para tal país!...

Mas comprei mesmo assim, porque bagagens

já me causavam impressão soturna

e enfrentar outro aeroporto já não quis...

Há uma longa extensão na plataforma,

que avança talvez meio quilômetro.

Fontes de pedra para bebedouro,

os prédios todos fechados nessa hora.

Marchei até o final, na noite morna,

para ao menos conhecer o logradouro.

Rodeei o último poste e vim-me embora...

E novamente procurei fantasmas...

Não os achei ao ar livre ou na balbúrdia

do restaurante, com tantos comensais.

A fachada do prédio ainda em reforma,

os aerossóis expulsaram os miasmas,

comprei alguns folhetos comerciais

e logo a van para os hotéis retorna...

EXPRESSO DO ORIENTE IV

Vi alguns trens chegando à plataforma,

iguais a quaisquer outros europeus;

são trens elétricos de umbilicados fios.

Nada restava do aroma do carvão,

o conjunto da engrenagem já não torna,

tudo coberto por esses painéis frios

de corrugado alumínio sem paixão...

Busquei em vão as lanternas mais antigas,

não encontrei relógios ou semáforos.

O guichê mantinha horários digitais...

E sabendo ser meu turco insuficiente,

pedi ao guia de maneiras tão amigas

que presidisse às démarches naturais,

na aquisição do ingresso pertinente...

A outro século queria ter voltado,

que mais não fosse durante a meia-noite...

Mas ai de mim! Saí de lá cedo demais...

Não me perdi nos salões em Art-Nouveau

e assim confesso que fiquei desapontado,

pois queria era embarcar-me no jamais

e o trem do antanho nem ao menos apitou!...

PAIXÃO DE CARANGUEJO I (2009)

Não me verás chorar de dor ou pena,

por mais que a mágoa me desperte compaixão;

tampouco prantearei desilusão

por qualquer falha a que Destino me condena.

Por mim mesmo não lastimo. Tomo a pena

e escrevo apenas. Não choro de paixão

e nem lacrimarei por solidão,

com tudo acostumei e a pena é amena...

É a sorte de quem usa de estoicismo

e se reergue após cada malefício,

a vida a contemplar com nostalgia...

Porém eu choro ao ver o classicismo,

retransmitido da infância em benefício,

pois são lágrimas vertidas de alegria.

PAIXÃO DE CARANGUEJO II (01 NOV 11)

Isso que quero é a cultura verdadeira

e não desculpas da mediocridade.

Grandes conquistas de toda a humanidade

e não essa assertiva interesseira

de que esporte é cultura ou que a esteira

das escolas de samba, em estilidade,

ou esse som comercial sem qualidade

a cultura representem, sem barreira.

Toda cultura para mim é intelectual,

provém da mente e vem também do peito,

não de músculos em longa contração.

Nas Olimpíadas gregas, era normal

apresentar longos poemas sem defeito,

que recebiam os louros e a ovação.

PAIXÃO DE CARANGUEJO III

Mas hoje em dia, tudo é desvirtuado.

São esportes de equipe, populares,

os mais aceitos nos torneios e os milhares

de horas de treino e de corpo aprimorado

de um atleta real, disciplinado,

não recebem nem torcida, nem cantares

desse povo assistindo de seus lares:

seu esforço é facilmente descartado.

Ou aceitam um qualquer borrão de tinta

como se fosse a "arte experimental",

abandonando os estéticos modelos;

ou quem, em "verso livre" até nos minta

ser um poeta de talento natural,

sem ser mais que parasita em meus cabelos...

PAIXÃO DE CARANGUEJO IV

Assim se mostra essa paixão de caranguejo,

que só tem olhos para seus iguais:

andam de lado, em arrancos habituais,

em louvaminhas ao mais pobre arquejo...

Paixão de pinças a se chocar em beijo,

em seus olhos de antenas são jograis

e o lodo esculpem desses manguezais...

Mas pela areia as suas canções aleijo,

a cada vez que os rastros lhes apago

e assim se vão as tristezas da cultura,

que anda de lado e louva falsamente,

que vê talento ou gênio ou diz ser mago

quem plagia ou fragmenta a arte pura,

quais caranguejos canibais inteiramente.

PHALAENOPSIS I (3 NOV 11)

Ao se comprar um dia a orquídea azul,

elegante e majestosa Falenopse,

acima dos louvores da sintaxe,

firme e suprema da esperança exul,

pouco importava ser fruto de um adul-

tério esta Mística Azul, doida silepse,

coroa egípcia, da nobreza diástole,

digna e pura tal qual toga curul!...

Todos sabemos não ser por hibridismo,

nem por qualquer genética alteração,

que assim adquiriu sua cor celeste,

qual sangue azul que marcava o feudalismo,

sempre entrevisto através da branca mão,

e era vermelho sob a pele que o reveste.

PHALAENOPSIS II

Custa bem caro adquirir tal flor,

produzida por processo patenteado.

Quem a compra já sabe seu cuidado

não ultrapassa um ano de calor.

Mas sob o azul revela-se o frescor

dessa flor branca de pendor alado.

É das falenas o seu nome derivado

(já foste um dia a "borboleta-flor").

Não é a aparência temporária que mais vale,

mas a certeza de tal perenidade,

por que o branco é hoje desprezado?

Por que desejam que a antiga voz se cale,

que assimilava o branco à eternidade,

enquanto as cores marcavam-lhe o pecado?

PHALAENOPSIS III

Antigamente, costumava-se afirmar

que era retida na concha a voz do mar;

que aplicada ao ouvido, o som do oceano

bravio ou manso podia-se escutar...

Mas como ama o vulgar o ser humano,

mais do que ao belo (mesmo sendo engano),

e tudo atacam para o desmitificar,

ansiando à fantasia causar dano,

dizem que escutas tão só a amplificação

do próprio sangue correndo em teus ouvidos:

nada existe de marinho em tal pendor!...

Mas eu defendo diversa posição

e ao murmurar junto a ti os meus pedidos,

de tuas orelhas na concha escuto amor.

PHALAENOPSIS IV

Sei muito bem não ser azul o rio

que percorre de tuas veias o orquidário.

Sei muito bem que não existe numerário

que possa adquirir teu beijo frio.

Mas quando a calidez te acorda o cio,

eu sou falena em busca de sacrário,

sou a anilina em nuance, multifário,

torno-me o mar e a teu calor me alio.

Não te comprei a preço de esmeraldas,

tampouco trago em mim o sangue azul,

mas te busquei na espera da alma pura

e meus cristais somente arranco às faldas

deste meu peito, pela orquídea exul:

seixos de sangue, enquanto a vida dura!

William Lagos
Enviado por William Lagos em 18/12/2011
Código do texto: T3394819
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