BALADAS E GALERAS & MAIS

GALERAS E BALADAS – 23/12/11

Como mudam das palavras os sentidos!

Hoje chamam de balada esses ensejos

em que se trocam perdulários beijos,

sem precauções ou cuidados pressentidos.

Antigamente, em versos eram lidos

os feitos dos heróis, entre os harpejos

dos alaúdes, na balada dos adejos,

quando os amores de romance eram mais cridos.

Hoje balada é tão somente pegação,

desfeitas as correntes das galeras,

mais outro termo que perdeu o significado.

Não que eu condene do sexo a atração,

lastimo apenas que se lancem hoje às feras

essas palavras de tão antigo fado!...

AVIDEZ – 16/12/11

Decerto os deuses nos criaram por capricho,

pelo desejo de serem adorados,

pela fumaça do holocausto alimentados,

pelas velas colocadas no seu nicho...

Às vezes, nos estendem um esguicho

de bênçãos e talentos desusados,

mas outras vezes nos olham enojados

e nossas preces encaram como lixo...

Não nos criaram para nosso bem,

mas para um canto de afinado tom

e cada bênção é uma pérola barroca...

E assim se cuide quem a pedir vem,

pois cada vez que nos dão algo de bom,

alguma coisa nos tirarão em troca...

TURBILHÃO I (28-6-06)

Acho que viste agora que a proposta

De minha parte, ao menos, é sincera:

Se a carne encontro ao meu querer disposta

Tê-la também a meu prazer quisera...

Não que isto represente desenganos,

Nem que este olhar que assim te pertenceu

Se afaste tão somente por levianos

Casuais encontros, desse olhar que é teu!...

Nem que eu só queira te possuir, menina,

Por desprezar depois, gentil bonina

Colhida ao torvelinho em que sofreu...

Mas é que o mundo é tão mais desumano!

E quem não tem um coração profano

Vê destroçado o sonho em que viveu...

TURBILHÃO II (22-12-11)

E por amor do sonho, justamente,

A carne fui perdendo, por negaça,

Amor de sonho, roído feito traça

Por esses de viver profanamente,

Que para o sonho, de forma indiferente

Se apresentam, até achando graça

Que alguém à busca material desfaça,

Nessa incerteza, afinal, semi-inconsciente.

Que essa gente vive só no material,

Filhos perdidos do esfuziante carnaval

Que os deu à luz, em tosca gestação...

Ou que se prende tão só à religião,

Sem a menor paixão por fantasia,

Crendo somente no fruto que colhia.

TURBILHÃO III

E nesse turbilhão te vejo agora,

Desencantada, sofrendo as consequências

Do sonho abandonado em suas falências,

Enquanto a carne se desgasta, sem demora...

Só farrapos de sonho, em seu outrora,

Descartados sem mostrar as redolências,

Enquanto a substância, em suas valências,

Desfaz-se por igual, na mesma hora...

Somente o sonho se conserva por inteiro,

Enquanto o mundo permanente voa

E leva as emoções em torvelinho...

Morre a vaidade e o orgulho derradeiro,

Todo o desejo desta vida à toa,

Perdido sem um gesto de carinho...

TURBILHÃO IV

Contudo, ainda te quero, turbilhão!

Ah, torvelinho do sonho transitório!

Ah, redemoinho do parto merencório!

Ah, maelstrom, a sugar qualquer paixão!

E me revisto da armadura da ilusão,

Meu sonho multicor, pássaro arbóreo,

O pleno sacramento do cibório,

Eucaristia da perfeita comunhão.

Somente a alma manipula o sonho,

Que o corpo para o amor é mais casual,

Em seus limites de usufruto material,

Mas sobre ti meus olhos eu reponho,

Minha alma alada aliando-se à esperança

Que nunca abandonei desde criança.

BERÇOS DE AÇO I (18/12/11)

Teus pais te deram a vida e, às vezes, te criaram;

a maioria o faz ou, ao menos, com dinheiro

contribuem, para pagar os cuidados de um terceiro;

na sua maioria, eles também te amaram...

Nem cabe a ti julgar por que te abandonaram:

tiveram suas razões. No mundo corriqueiro,

tão só sobreviver já é fato alvissareiro,

pois tantos há que cedo à margem já ficaram...

Portanto, que és feliz depressa considera

se cuidaram de ti, por mais ignorância

em tua educação, os seus castigos cobram.

Que em cada pai severo um bom avô espera:

confia-lhe teus filhos e esquece a própria infância,

pois mostrarão carinho nas horas que lhes sobram.

BERÇOS DE AÇO II

Infelizmente os pais demonstram a tendência

de nunca se lembrar que os filhos são adultos

e mesmo assim repreendem, até quando os insultos

os levam muitas vezes às raias da impaciência;

ou se põem a declarar que têm mais experiência

e desse modo sabem, até os mais incultos,

o que devem fazer. Concede-lhes indultos:

na verdade o que a vida lhes deu foi impotência.

É muito raro aquele que aprende com os anos;

o que as pessoas tendem é continuar iguais,

fazendo os mesmos erros, só repetindo mais

o que já lhes causou de sobra desenganos;

é muito raro aquele que a vida modifica:

na maioria somente o tédio frutifica!...

BERÇOS DE AÇO III

Mas isso não importa, no caso de teus pais:

merecem mesmo é pena, se não aprenderam nada

e nem sequer conseguem, nesse final de estrada,

perceber que deveriam modificar-se mais,

pois são iguais aos outros. A maioria jamais

aprende com a experiência e vê desperdiçada

a existência inteira, a vida desgastada

em comer e dormir e em disputas com os demais.

Os teus não são piores, pois são apenas tolos,

portanto, cabe a ti com eles ter paciência,

escutar o que dizem, ouvir a sua pendência;

mas deixa que teus filhos coloquem em seus colos:

que lhes deem mais carinho do que te deram berros,

para que tenhas tempo de errar teus próprios erros.

BERÇOS DE AÇO IV

Essa história dos pais já se virou em piada:

se põem a proferir o mesmo ramerrão,

quais se fossem cartuns a repetir bordão,

na revista em quadrinhos temática esperada.

Pois vou dizer o meu e depois, sacar da espada

e cortar estes versos sem mais ostentação,

a ideia está esgotada, chegou a mutação,

retorno para o céu, em busca da alvorada...

Meus pais já faleceram, ficaram para trás;

o berço está em mim, não esquecerei jamais

os seus ensinos de aço e quanto machucaram.

E como foi difícil de tantas lições más

tirar as verdadeiras, soltar-me desse cais

e abandonar o porto em que tanto me ancoraram!

William Lagos
Enviado por William Lagos em 26/03/2012
Código do texto: T3576151
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