ADOÇÃO &+

ADOÇÃO I -- Wm. Lagos, 05 MAR 79

Tutto ch’umano sia, m'appartena.

----- ARETINO

Não venho hoje acicatar virtude

Ou elogiar o vício, que se esconde;

Todo e qualquer de nós sabe bem onde

Recobre e enterra aquilo em que se ilude.

Porque vício e virtude são cortinas --

Cenários irreais de panoramas

Que requer a comédia que proclamas

No dia a dia qualquer que te destinas...

Misturo aqui, em límpida aquarela

A bênção/maldição tão mais singela

Quanto é difícil amar a corrupção,

Que nem por isto é impura e desumana,

Pois nada é estranho a nós que a mente humana

Gerou e nutriu bem fundo ao coração!...

ADOÇÃO II – 13 JAN 12

Porquanto amor é assunto variegado,

Nesse seu manifestar em tantas formas,

Nesse seu desviar de tantas normas,

Nesse seu conceituar do que é pecado.

Que amor é sempre vaso consagrado,

Não importa esse jeito que o deformas,

Amor pequeno com que te conformas,

Amor imenso, a tudo mais ultrapassado.

Existe o duro amor pelo dinheiro,

O amor da vida enquanto ela perdura,

O amor dos bens reunidos sobre a Terra,

O amor pela família e companheiro,

O amor da glória e dominância pura

E entre muitos, até o amor da guerra.

ADOÇÃO III

Mas quem fala de amor, pensa no sexo,

Muito menos que no amor da divindade

E mal e mal nesse amor da humanidade:

Amor difícil e muito mais complexo.

O amor da carne a tudo empresta nexo,

Assim se gera, afinal, posteridade,

Assim se nutre o brilho da vaidade,

No facetar cintilante de um amplexo.

E como este amor é justamente

O que apresenta maior pluralidade,

Há quem viva por amor, amargamente

E há quem morra por amor ou, na verdade,

Porque pretende castigar, pungente,

Esse amor que lhe negou a realidade.

ADOÇÃO IV

E ainda existe o amor de alma por alma,

Que necessitam os românticos poetas,

Tratados pelos outros quais patetas,

E até mesmo por quem julgam a irmã dalma.

Mas esse amor eu busco, em plena calma,

Já tive amores com sabor de estetas

Ou das sexualidades mais completas,

Mas não o vero amor que o peito embalma.

Onde estará, penso eu, essa parceira,

Que me partilhará do amor ideal?

Talvez sejas tu mesma que me lês

Ou já perdi a chance derradeira

De te reconhecer por meu fanal,

Que creste em mim, porém já não me crês.

ARANHA SEM TEIA I – 12 JAN 12

A cada dia que passa, mais aceito

na graduação das coisas, a posição

que me confere a alheia aceitação,

muito menor do que me cabe por direito.

Vejo no olhar dos outros o defeito

que não contempla em mim a gradação

na escala de valores, na visão

com que me avalia o preconceito.

Porque, afinal, o que serve para a vida

é esse valor que nos dá a sociedade,

por mais hipócrita que seja e mais imundo,

que a sociedade quer apenas ser servida

e nunca nos servir, não de verdade,

já que não somos o centro de seu mundo.

ARANHA SEM TEIA II

Eu, pessoalmente, não busco aceitação:

pouco me importa qual seja esse conceito

que de mim fazem, só por mim me ajeito

e me conformo à minha própria concepção.

Mas reconheço que tirar proveito

dessa volúvel social admiração,

serve decerto para tua elevação

e para acréscimo do material direito;

que na farândula desse preconceito,

ao se ensaiar da tarantela os passos,

o convívio se aumenta com os demais;

e quem da hipocrisia tomar jeito

é recebido na onda dos abraços,

a conviver com as tarântulas sociais.

ARANHA SEM TEIA III

Mas quanto a mim, nunca apreciei a teia

que representa a social aceitação;

detesto a pompa de toda a ostentação

e a circunstância que tanto mais enleia.

E assim, me ponho à parte, ainda que creia

ser necessário partilhar da refeição,

quando preside o banquete da ocasião

caranguejeira que a gente mais receia...

Mas num banquete, eu me sinto num casulo,

acompanhado por cem presas iguais,

todos na teia da respeitada aranha,

a devorar, com seu sorriso chulo,

um conviva de antigos carnavais,

enquanto me deixo envolver pela artimanha.

DESPOJOS DO INVERNO I (23 NOV 11)

Vi a glicínia subindo pela grade,

em seu encanto de pintura antiga,

não era inverno,

mas sim verão, mirei-a com olhar terno,

grossa gavinha que meu quarto invade,

mas não se abriga.

Fui insistir a que viesse vê-la,

em seu esforço para se expandir,

viçosa planta,

e minha esposa, que pouco ou nada espanta

não compartiu o milagre de minha estrela,

mal quis sorrir...

E eu que me achava ingênuo de encantado,

com a ânsia verde daquela trepadeira,

não esperava

que ao contrário, o que me maravilhava,

só decidisse ter de ser cortado,

rente à minha beira...

DESPOJOS DO INVERNO II

Eu vi a luz subindo pela escada

e revesti-me de minha toga curul,

em homenagem,

na expectação de receber mensagem

dessa ninfa de veste iluminada,

descendo ao sul.

Ela subia, degrau após degrau,

com grande pompa, real e majestosa,

sem ter cansaço

e eu desejava recebê-la no regaço,

em purificação do dia mau,

centelha rosa!

Porém o sol subiu sobre a janela

e a luz nunca chegou ao pé de mim,

como esperava:

que a pouco e pouco da escada se apagava,

fiquei tão só no êxtase de vê-la,

mancha carmim.

DESPOJOS DO INVERNO III

A luz do sol escorre da janela

e me pinga, lentamente, pelo chão,

qual um pudim;

com os dedos dos pés eu como, assim,

essa massa de alcachofra e berinjela,

e alface de ilusão.

Com minhas unhas rebolco cada raio

e seu calor, aos poucos, me dilata,

feixe de aço,

mas não chega a me incluir no seu abraço,

somente na esperança é que me esvaio

da luz que mata.

E ela entra hesitante, igual suspiro

e se derrama sobre as tijoletas,

não sobre mim

e quando roubo seu calor, assim,

em novo foco de luz também me viro,

com mil aletas.

DESPOJOS DO INVERNO IV

E novamente a glicínia se renova:

vinte centímetros subiu pela minha grade,

de ontem para hoje,

seu controle para mim sempre me foge,

com amentilhos de violeta escova

toda a saudade.

Eu quero ver a glicínia empreendedora

subir até o toldo superposto,

matando o Sol,

que no verão me queima qual crisol:

que seja minha cortina bordadora

contra o desgosto.

Enquanto imponho recurso à execução

dessas gavinhas de berço tutelar

sobre o telhado,

um Fogo de Santelmo se faz desabrochado,

tem paradeiro no meu coração,

com viço similar.

RUSTILANA I (2008)

Como em sonho de turquesas e berilo,

ela se mostra, consciente de poder,

mulher inteiramente, em seu querer,

dominadora no mais perfeito estilo.

Não que rodeada de correntes e chicote,

são outras as suas armas, mas iguais;

em seu poder de mágoa, são fatais,

qual é fatal de uma serpente o bote.

Seu poder de ferir é incontrolado,

constante na inconstância: nunca sei

qual a mulher que acorda de meu lado.

Só sei que sempre em guarda me conservo,

até as regras aprender da nova lei

com que se esforça por manter-me servo.

RUSTILANA II (20 NOV 11)

E assim tem sido ao longo desses anos

em que mantive firme sua galeota

em torno a meu pescoço e em que sua bota

apertou firme todos os meus enganos.

Assim tem sido ao longo dos afanos,

enquanto o amor que tenho não desbota:

marcho após ela sem desvio de rota

e de algum modo, conserto tantos danos.

Talvez devera lutar com tal grilhão,

repuxar a grossa argola de amargura,

porém aceito o fado mansamente,

que outro cadeado envolve o coração,

outro cordame nas veias me pendura,

enquanto limpo a ferrugem da corrente.

RUSTILANA III

Que amor nunca se vende impunemente:

guardá-lo com cuidado é necessário;

e vivo assim, meu próprio carcerário,

novos elos a forjar dentro da mente.

Às vezes, recalcitro de impaciente,

contra os golpes do destino perdulário,

que me parece ser sempre contrário

ou pelo menos, um algoz indiferente.

E nele vejo a sombra das três Parcas,

a medir o meu destino em fiação:

minha vida sua saliva retorcida,

mensurada calmamente em claras marcas,

quando renovo momentos de paixão,

quais cicatrizes de uma só ferida.

RUSTILANA IV

Mas quando foi perfeita essa clivagem

qual brilhante de ganga desprovido,

é que mais facilmente se é ferido

pelas arestas de aguda lapidagem.

Já a pedra bruta se toma sem coragem:

não talha em nós um corte dolorido,

enquanto a jóia sem jaça rasga ardido

o dedo que a segura em vassalagem.

Assim, o mal de amor bem menos dói,

quando o amor foi vulgar e imperfeito,

amor de terra, em sonho de cascalho.

Mas é o amor verdadeiro que mais rói,

a cada aresta lapidar sujeito,

até mesmo a gozar profundo talho.

ESTRELAS IMPIEDOSAS I (11/11/11)

Já muita vez ouvi que sonhos morrem,

porquanto se acomodam os criadores.

Em seus confortos permitem estertores

dos velhos sonhos que das mãos escorrem.

Por dinheiro ou posição permitem torrem

os seus ideais de antanho, seus valores,

sob o tacão de status vencedores,

enquanto estes os seus bolsos forrem.

Mas muitos sonhos esvoaçar eu vi,

sem pai nem mãe, buscando outros amores,

e suas angústias, só de as ver, senti.

Sonhos não morrem: perecem seus autores.

Os sonhos ficam, adejando por aí,

sempre à procura de outros sonhadores...

ESTRELAS IMPIEDOSAS II

Sonhos são fortes, robustos, resistentes,

não se deixam apagar como uma luz.

São mais que cravos pregados numa cruz,

são ideias, afinal, e bem potentes...

E enfrentam os destinos, descontentes,

até que cada um a alguém seduz

e lhe desperta o ideal, que assim reluz,

tal qual gerado no sono, em permanentes

inquietações espirituais e sua noção

se difunde novamente, enquanto são

hospedados pelo novo sonhador...

E assim se espalham pensamentos de roldão,

surgindo aqui e ali, nesse valor

que fecunda, finalmente, um coração.

ESTRELAS IMPIEDOSAS III

Sei que as estrelas do destino não têm pena:

querem manter a humanidade sob o jugo.

Mas ergo o olhar e novos sonhos sugo,

que então reúno no buquê de minha verbena.

E nos meus versos o velho ideal te acena,

jovem ainda, enquanto eu mesmo enrugo.

As minhas mãos a tal sonhar alugo:

não sou o doador, somente a rena

que conduz, obediente, esse trenó,

veículo dos sonhos desdenhados,

a distribuir por tantas chaminés...

E mesmo que no afã me encontre só,

antigos sonhos são de novo examinados,

despertando em teus pulmões as mesmas fés.

ESTRELAS IMPIEDOSAS IV

E é só por isso que na Teia os distribuo,

por mais que não me esforce em publicar.

Sonhos alheios vivo a transportar,

não são as minhas quimeras que eu estuo.

Que meus ideais nunca cheguei a abandonar:

vivem dentro de mim, mesmo em amuo.

Com eles canto o sarcasmo de meu duo,

mesmo que vivos, não os pude realizar!...

Mas o que importa, enquanto vivos sejam?

Maugrado estrelas, com meu fervor adejam

essas cópias do inconsciente milenar...

E quando encontram aqueles que as desejam,

saberão, de qualquer forma, rebrotar,

na gasta luz do luar que os dedos beijam...

DESPOJOS DO INVERNO I (23 NOV 11)

Vi a glicínia subindo pela grade,

em seu encanto de pintura antiga,

não era inverno,

mas sim verão, mirei-a com olhar terno,

grossa gavinha que meu quarto invade,

mas não se abriga.

Fui insistir a que viesse vê-la,

em seu esforço para se expandir,

viçosa planta,

e minha esposa, que pouco ou nada espanta

não compartiu o milagre de minha estrela,

mal quis sorrir...

E eu que me achava ingênuo de encantado,

com a ânsia verde daquela trepadeira,

não esperava

que ao contrário, o que me maravilhava,

só decidisse ter de ser cortado,

rente à minha beira...

DESPOJOS DO INVERNO II

Eu vi a luz subindo pela escada

e revesti-me de minha toga curul,

em homenagem,

na expectação de receber mensagem

dessa ninfa de veste iluminada,

descendo ao sul.

Ela subia, degrau após degrau,

com grande pompa, real e majestosa,

sem ter cansaço

e eu desejava recebê-la no regaço,

em purificação do dia mau,

centelha rosa!

Porém o sol subiu sobre a janela

e a luz nunca chegou ao pé de mim,

como esperava:

que a pouco e pouco da escada se apagava,

fiquei tão só no êxtase de vê-la,

mancha carmim.

DESPOJOS DO INVERNO III

A luz do sol escorre da janela

e me pinga, lentamente, pelo chão,

qual um pudim;

com os dedos dos pés eu como, assim,

essa massa de alcachofra e berinjela,

e alface de ilusão.

Com minhas unhas rebolco cada raio

e seu calor, aos poucos, me dilata,

feixe de aço,

mas não chega a me incluir no seu abraço,

somente na esperança é que me esvaio

da luz que mata.

E ela entra hesitante, igual suspiro

e se derrama sobre as tijoletas,

não sobre mim

e quando roubo seu calor, assim,

em novo foco de luz também me viro,

com mil aletas.

DESPOJOS DO INVERNO IV

E novamente a glicínia se renova:

vinte centímetros subiu pela minha grade,

de ontem para hoje,

seu controle para mim sempre me foge,

com amentilhos de violeta escova

toda a saudade.

Eu quero ver a glicínia empreendedora

subir até o toldo superposto,

matando o Sol,

que no verão me queima qual crisol:

que seja minha cortina bordadora

contra o desgosto.

Enquanto imponho recurso à execução

dessas gavinhas de berço tutelar

sobre o telhado,

um Fogo de Santelmo se faz desabrochado,

tem paradeiro no meu coração,

com viço similar.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 14/04/2012
Código do texto: T3612136
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.