Brincávamos a cair nos braços um do outro

brincávamos a cair nos

braços um do outro, como faziam

as actrizes nos filmes com o marlon

brando, e depois suspirávamos e ríamos

sem saber que habituávamos o coração à

dor. queríamos o amor um pelo outro

sem hesitações, como se a desgraça nos

servisse bem e, a ver filmes, achávamos que

o peito era todo em movimento e não

sabíamos que a vida podia parar um

dia. eu ainda te disse que me doíam os

braços e que, mesmo sendo o rapaz, o

cansaço chegava e instalava-se no meu

poço de medo. tu rias e caías uma e outra

vez à espera de acreditares apenas no que

fosse mais imediato, quando os filmes acabavam,

quando percebíamos que o mundo era

feito de distância e tanto tempo vazio, tu

ficavas muito feminina e abandonada e eu

sofria mais ainda com isso. estavas tão

diferente de mim como se já tivesses

partido e eu fosse apenas um local esquecido

sem significado maior no teu caminho. tu

dizias que se morrêssemos juntos

entraríamos juntos no paraíso e querias

culpar-me por ser triste de outro modo, um

modo mais perene, lento, covarde. Eu

amava-te e julgava bem que amar era

afeiçoar o corpo ao perigo. caía eu

nos teus braços, fazias um

bigode no teu rosto como se fosses o

marlon brando. eu, que te descobria como se

descobrem fantasias no inferno, não

queria ser beijado pelo marlon brando e

entrava numa combustão modesta que, às

batidas do meu coração, iluminava o meu

rosto como lâmpada falhando

a minha mãe dizia-me, valter tem cuidado, não

brinques assim, vais partir uma perna, vais

partir a cabeça, vais partir o

coração. e estava certa, foi tudo verdade

valter hugo mãe, in 'contabilidade'

Poeta Dom Casmurro
Enviado por Poeta Dom Casmurro em 27/04/2012
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