NOSSO AMOR

Nosso amor nasceu,

com movimentos,

cores,

matizes,

deslumbramento, mistério, promessa,

com o êxtase mesmo,

que nos comove

à visão

do alvorecer de um novo dia.

Essa viva admiração, fascínio, alucinação,

essa vertigem, esse encantamento inicial,

porém, logo se foi, porque dinâmico e processual,

de força e espírito próprio,

sempre renovado porque indiferente aos desígnios dos homens,

e por não ser possível se conter por si próprio, e não poder ser contido,

como veio logo se foi também,

assim como as alegrias, as tristezas, os impasses,

que nos assaltam num dia real de nossas vidas.

Aquela emoção primeira,

intensa, deslumbrante, paradisíaca,

que, de repente, nos deu vida, motivação, sentido,

passado aquele fugaz instante,

durou duas ou três horas daquele simbólico dia,

e ficou conosco só na memória,

assim, de relance, como numa fotografia,

e logo fomos para o dia-a-dia do confronto,

conosco mesmos, com os outros, com a vida.

Permanecendo, no entanto, seduzidos,

pela vontade de amar, ser amado, ser feliz,

e pela tentativa de nos encontrar,

como acontece com a maioria dos amantes,

ficamos entre o dito e o por dizer,

nos escondendo por detrás de nossas falas,

não escutando nem os nossos próprios discursos,

e, logo, muito, muito antes mesmo do café da manhã daquele dia,

já éramos dois seres errantes, cansados, vencidos.

Na busca de não nos perder,

de tentar transpor águas tormentosas,

não percebemos, o texto e o contexto, a linha e a entrelinha,

o ser e a aparência,

de nossa demanda, de nosso mal estar, de nosso conflito,

e só o inconsciente continuou

anunciando, revelando, desnudando,

a demanda de nossos desejos

pelos nossos sentimentos, atitudes, ditos.

Mas o dito e o não-dito,

da nossa mal elaborada relação,

desastrada, canhestra, indecisa,

continuou a se manifestar no nosso discurso consciente,

aparentemente real, verdadeiro, objetivo,

e na solidão de cada um de nós e na de nosso convívio,

e passamos a usar armas mortais, ferozes, ferinas,

mas que, no fundo, encobriam

questões tantas outras não resolvidas.

Mas, enfim, porque essa luta renhida?

O quê na verdade pensamos, queremos, sentimos?

Porque não nos resolvemos sozinhos?

Porque nos ameaçam a lei, a autoridade, o Estado?

O advogado, o juiz, o mundo organizado?

Porque não podemos entrar num acordo?

Porque essa frustração desmedida?

Porque essa peste emocional que nos destrói minuto a minuto?

Junto a esse mundo exterior meliante, insano, inverossímil?

Porque essa dor tão pungente,

esse agredir que não nos sacia,

esse nosso pensar tão demente,

essa nossa emoção tão vazia.

Porque ser e estar aprisionado à essa particular infelicidade nossa,

Num mundo tão desigual, tão ameaçador, tão insensível,

e não ser uma exceção desta insólita idiossincrasia,

que submetendo a maioria dos seres humanos

teima em rondar nosso insosso dia-a-dia.

Porque não sermos mais originais?

Deixar ao menos uma vez a maioria,

e gozar do privilégio da minoria daqueles,

que lutam para manter a esperança, que não se submetem, que porfiam?

Porque essa situação lamentável, essa, sempre, uma coisa ou outra?

Porque não, por exemplo, uma terceira?

Uma quinta, uma sétima, uma nona?

Será que se nos livrarmos um do outro,

vamos encontrar um bom caminho.

Um percusso que possa nos levar a nós mesmos,

e com a simplicidade de nossa alma e a agudez de nosso espírito,

a reconhecer a nossa pequenez,

os nossos mais ferozes demônios internos,

os nossos mais recônditos desejos,

principalmente aqueles que não contamos nem para nós mesmos,

e acabar ou mesmo atenuar com nossas diferenças,

e nem que seja por pouco, muito pouco tempo,

procurar viver e deixar viver, a nós, ao outro, a vida.

Enfim, nem que seja por malícia, prudência, inteligência estudada,

que tal dar uma trégua nessa luta insana,

e vivermos um necessário ano sabático,

para termos tempo para tanta coisa postergada,

e, não nos descuidar do sexo, do prazer, da alegria,

nos permitir nem que seja um pouco de pecado,

para poder ter força de nos afastar daqueles eternos,

que dizem saber, querer, e lutar por nosso bem,

porque esses são os mais sorrateiros, perigosos, mesquinhos.

Ou será que nessa batalha cruenta,

sempre tem que haver um vencido, um vencedor?

Não pode haver empate?

Ou suspendermos por um tempo o embate?

Passar de um jogo profissional a um amador?

Jogar só por jogar, não podemos?

Voltar a ser criança, fazer de conta,

que o bandido é na verdade um mocinho,

e a megera uma princesa provisoriamente travestida.

Será que já não nos olhamos o suficiente no espelho, um do outro?

Mas, de frente, e não como sempre de costas,

enxergando sempre só no próximo e no mundo a maldade?

Será que nem uma só vez vamos nos livrar de nós mesmos?

Será que estamos certos do quê realmente queremos? Não, eu afirmo.

Somos apenas espectros,

marionetes, palhaços, dejetos mesmo,

das aspirações de tantas instituições, que, do berço à última morada,

nos impõe seu saber e seu poder.

Vivemos num mundo que tantos têm certeza.

Mas, eu sei,

que só o louco, o fanático, o maníaco, pode as ter com certeza.

E, eu reconheço, que o impasse da dúvida não é em si um mal,

mas precisa apenas ser compreendido,

porque da própria natureza humana.

Será que não somos bons parceiros, na cama, no trabalho, na economia?

Será que amor e ódio são excludentes,

Ou será que só se polarizam?

Será que vamos sempre precisar um do outro para sofrer?

Sempre é necessário um algoz, uma vítima?

Será que a História não nos pode ser de ajuda?

Será que o amor também não precisa da política?

Será que o amor não fenece,

se refém da inércia, da ignorância, da pobreza?

Será que o amor não foi, não é, não será, sempre diferente,

segundo os elementos de cada cultura?

Será que em vez do conselho do religioso,

não nos pode ser de alguma ajuda,

o excluído, o poeta, o carente?

Será que as formas de amar

- viver, casar, descasar –

por serem sempre permeadas

por razões conscientes e inconscientes,

podem ser levadas a sério?

Será que a inconsciência tem razão?

Será que a consciência é inconsciente?

Será realmente que as coisas do coração, como diz o dito popular,

tem razões que a própria razão desconhece?

Será que a vida, como diz o poeta, é real, mas também de viés?

Será que só há vida plena se enxergarmos com o coração - que viabiliza o vazio pela percepção sensitiva, pela intuição, pela magia?

Será que Nosso amor nasceu,

com movimentos,

cores,

matizes,

enternecimento, mistério, promessa,

com o êxtase mesmo,

que nos comove

à visão

do alvorecer de um novo dia.

Será que essa cilada que o amor nos armou,

Não é porque eu a quero como eu sou, mas assim você não me quer?

E eu não a quero como você é, e você não me quer como eu sou?

CARLOS VIEIRA
Enviado por CARLOS VIEIRA em 26/02/2007
Reeditado em 13/11/2009
Código do texto: T393629
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