ESSÊNCIA DO AMOR


Amor, como são norteadoras as portas da verdade.
Surgiste para ser a luz da liberdade onde se levanta a quietude saudável (ou que saudável se pensava maliciosamente).
Tinhas no olhar meditativo a luz da aceitação: não detestava a existência total, a prévia atração das desuniões da vida, não solicitava tudo, não exigia tua parte de lucidez.
E fluía no compasso imotivado do labirinto.

Aliviei em ti minha porção de desesperança e de coisas adiáveis.
Querendo talvez – sem o sustentar, garanto – puramente amar-te sob a força da alegria, confiança e doçuras que me faziam vangloriar desde a ocasião do nascimento, senão desde o momento da procriação em certo período perdido na Vida, ou mais além, desde aquele instante moderado em que os seres vivos são apenas conjecturas não estabelecidas na desordem geral.

Como me deslumbrei tentando escapar de ti!
Como te conheci, talvez com medo de encarar tua palavra brilhante, tua admirável força de embrenhar-se no sangue e nesse sangue produzir uma sinfonia de veemência e lamúria.
Contudo, tu chegaste de mansinho e me fizeste perder em tua doçura e celestiais amabilidades.
Não ardia, não se dizia astro; apenas sorria.
Com facilidade pude entender, consciente que fui, esse teu sorriso.
Arranhei-me com as minhas próprias mãos, não por ti que guardavas para mim o que teus dedos admitiam ao se juntar aos meus, sem a ingênua busca de mais Um, de mais Um, que eu desconfiava, de mais Um que te arquitetava, quando – de olho aberto – pude sentir que éramos uma só vida.

Amor amado, amado amor, assim tu dilui o avaro anseio de viver em face do planeta terra com olhar atravessado e vasto saber da existência.
Agora encaro o universo: em ti me dissolvo, e a ingênua profundeza na qual me altero aceita apologias, enunciados, alusões ocasionais, reflexões sonhadoras, o voejo da Ave Desnorteada, a alvorada ártica, os botões de ouro dos pequenos poemas das mansões medievais, aceita todas as hipocrisias do intelecto e da essência, para viver em ti e por ti mesmo, da insubordinação dos corpos físicos amados, porque agora não sou eu, sou o exato número UM.
Longo tempo se passou, eu sei, de modo que o meu Eu desistisse da inabilidade e continuasse, estável e plácido, e se declarasse alegremente sobrepujado, bebendo a alegria maior da relação.
Hoje, amor tu és meu in aeternum, nem olhos tens para enxergar nem ouvidos para ouvir outra música, o cenário, à clareza da vida, submergido que estamos na casca da ostra do além-mar do amor.

R J Cardoso
Enviado por R J Cardoso em 01/08/2005
Reeditado em 14/04/2006
Código do texto: T39453
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