CANTO DO RECÉM-NASCIDO

Do mais calmo dos mares
Acabei de me livrar
Imerso de um matriz.
De nada posso lembrar
Sinto meu corpo crescer
Como bola de ar.
Não consigo me erguer
Em vão arrisquei falar
Aos que lutam para viver.
Tenho uma vida para sonhar
Que em breve irá me dizer
Vale-se a pena viver

Meu berço o corpo me prende.
Vasta, a cortina cerrada
Toca-me por completo.
Se a luz colorida
Não estivesse tão acesa!
Eu não podia enxergar
A vida tão luzente
E os sonhos que hei de sonhar
À densa paisagem se abrir
Uma voz eu posso escutar
No fundo desse berço
Murmúrios de vida a cantar
No prenuncio do meu começo!
Se eu pudesse levantar
O corpo leve num pulsar
Inda dilacerasse-me a pele
Os ossos que frágeis estão!
Se eu pudesse rolar
Os ombros agüentassem
A fúria de uma incursão
Ou se eu pudesse cantar
O amor de uma canção
E de outro oceano nascer!

Agora só me resta lutar
Suster-me nessa posição
Sentindo o coração tranqüilo
Como uma luz na escuridão
Enquanto a cortina me afaga
O berço me prende o corpo
O manto me livra do frio
E a touca a cabeça me asfixia!
Mas não posso me levantar
Para essa touca tirar
E aos poucos posso soltar
A roupa que só faz me atrapalhar!

Acarinha-me, acarinha-me, mãe bendita
No fundo deste berço
Marca o encanto dos minutos
Que cheio de amor se deita.

Gritai vozes aflitas
Presas entre vidraças
Os que de fora olham
Não ouvem vossa pirraça!
Afaga, cara recém-nascida,
Contra as paredes de vidro
Pensando nos teus olhos
Há infinito de chão e rachas!
Correm idéias delirantes
De alivio e de graça

Que nem o silêncio te vem
A doida fantasia!
Busca o ar que te inicia
No fundo do pulmão
O muito que tens agora
Há de levantar-te do chão
Que brotará da luz Divina
E do amor que te fascina
Encontrarás mares e mares
No mundo em ruína


R J Cardoso
Enviado por R J Cardoso em 02/08/2005
Reeditado em 08/08/2005
Código do texto: T39789
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