CORAÇÕES PARTIDOS & MAIS

CORAÇÕES PARTIDOS & MAIS

CORAÇÕES PARTIDOS I (26 DEZ 12)

Dizem que a ausência parte o coração

E o abandono ainda mais o despedaça...

Se amor foi grande, não existe o que se faça

Para impedir sua feroz esfacelação...

Para quem sofre uma tal desilusão

A própria alma em seu palor embaça,

Talvez só a morte do amor a satisfaça

Como castigo de quem desfez a sua paixão.

Quanto a mim, meu coração eu guardo inteiro,

Por mais que tenham provocado seu magoar.

Dei a mim mesmo o consolo de uma esmola,

Pois se algum dia sofrer um derradeiro

Golpe no coração, sei bem como o consertar,

As minhas lágrimas usando como cola...

CORAÇÕES PARTIDOS II

O problema de um coração partido

É que as pessoas só amam para si;

Dessas vezes em que amor real senti,

Foi para ela o meu fulgor mantido;

E estando assim no carinho revolvido,

Pela nãoretribuição eu nem sofri;

E ao acabar do beijo, prossegui,

Com certo alívio, por pouco ter perdido.

Porque o amor nutrido pela amada

Permaneceu intacto dentro em mim;

Só se quebrou o amor que a mim tivesse...

Desse modo, fui perder menos que nada,

Pois se o amor dela fosse pleno assim,

Não se teria findado igual que prece...

CORAÇÕES PARTIDOS III

Porém aquelas a quem, sincero, amei,

Perderam no final bem mais que eu.

O meu amor guardei, porque era meu;

E o amor que me não tinham, descartei.

De modo tal que, depois, nada esperei,

Enquanto quem esperava, mais sofreu;

Foi mais a pena delas que doeu,

Por esse resto de amor que conservei.

Dessa forma, inda que fora rejeitado,

Não foi meu coração que se partiu.

Só se arranhou um pouco, ao rebentar

Desse cordão de cobre mal dourado;

Só alguma gota de sangue ali surgiu,

Para o rasgão, em breve, coagular...

CORAÇÕES PARTIDOS IV

Mas desconfio que esse arame só cromado

Foi enroscar-se contra outros corações,

Talvez causando até ulcerações,

Na virulência com que foi cortado...

E por minha autoconfiança amortalhado,

Julgo sofreram maiores decepções,

No esgarçar de suas vaidosas ilusões,

Deixando um talho mal alinhavado...

Que esse cordão que antes foi partido

Teve de ser pouco a pouco retirado,

Causando cortes e pedindo operação...

Enquanto o meu em nada foi ferido,

Ainda que fique um tanto amargurado,

Só por carinho e uma certa compaixão...

BANHO DE ESPUMA I (27 dez 12)

Amor envolve igual que água de banho,

Cada centímetro da pele acariciando,

Até a derme em calidez tocando,

Até os órgãos que causam mais acanho.

Amor é o sabonete mais estranho

Que a carne inteira vai enovelando

E o perfume natural modificando

Para um frescor de impermanente ganho.

Mas passa o banho e, igual, amor se esgota,

O coração cansado e o corpo espesso:

A exultação se esvai qual o frescor se esfuma;

E amor paixão é o que mais breve embota

E se derrui, pois o alicerce, reconheço,

De todo o amor foi erguido sobre espuma.

BANHO DE ESPUMA II

Mas enquanto dura essa bolha de sabão

O amor é cristalino e cintilante,

Sua pele frágil de cores irradiante

E o amado rosto reflete da paixão;

E então se eleva, em branda flutuação

E no sabor do vento, vai confiante,

Até que explode, em momento delirante,

Seu coração impante de emoção...

Porém na água do banho de imersão

Continua a infusão de doces sais,

A carne satisfeita por tão pouco...

Enquanto, nessa imensa exultação,

O amor recente nascido do ademais

Toda a alma envolve nesse prazer louco...

BANHO DE ESPUMA III

Alicerçar uma casa sobre espuma

É o mesmo que pedir que ela desabe;

E alicerçar o amor sobre essa ruma

De emoções é desejar que logo acabe.

Sempre é preciso que a exultação nos suma

Para saber qual a certeza que lhe cabe;

Se um sentimento sobra e não se esfuma,

Só então de permanência então se sabe.

Mas como é belo esse voo de balão,

Em caleidoscópicas cores irradiado!...

Será que importa consumir-se em explosão

Ao não ser mais pelo vento sustentado?

Quem avalia essa bolha de sabão,

Sem ter o amor paixão experimentado?

ANESTÉTICO I – (10 JUL 12)

os dias vão passando em horas vãs, desnudas,

vazias de sentido, molduras só de espera,

traços de união somente, inquietações agudas,

enquanto não se cumpre, enquanto não se altera

de minha irrealidade essa aguardança morta:

percebo tudo em torno qual nunca houvera visto;

não reconheço nada, a mente não comporta

e toma como estranhos os gestos que me assisto

a praticar, tais como cenas de um romance,

os atos de uma peça, um filme que passasse,

porém que contemplasse tão só de indiferença,

enquanto a vida fica, suspeita num relance,

suspensa de teus olhos, tal como se contasse

uma história mal feita e envolta em minha descrença...

ANESTÉTICO II (28 DEZ 12)

nessa ausência de ti minha vida só suspeito,

as nuvens de algodão em plástico viraram,

meus passos que flutuavam, agora se afundaram

nesse colchão de água insuflado de despeito...

eu como e bebo, porém gosto não aceito,

que o olfato e o paladar de mim já se afastaram;

o mundo num papel apenas desenharam,

só escuto as repreensões a que ainda estou sujeito;

nessa ausência de ti, eu vivo em cinza escala,

apenas gradações do branco para o nada,

palpável só o negror de que ainda recuo,

vivendo em mim somente a mágoa que me embala,

sem sentir maciez ou o talho de uma espada,

apenas perceptível o rigor de teu amuo...

ANESTÉSICO III

é claro que prossigo em meu lento palmilhar,

mas não é que eu avance, é o tempo que recua,

numa esteira rolante, numa navalha nua,

que me corta em fatias, sem ao menos me magoar.

pois esta sua passagem me abstenho de notar,

envolvido que estou na seda dessa lua

que os sentidos me embota e nada mais estua,

sem que soe o coração ou narina a respirar,

que tudo se gastou na sombra dessa ausência,

no clorofórmio ácido do corte da paixão,

no éter persuasório da plena indiferença

e neles vivo ainda, imerso na paciência

do lento relembrar de respingos da emoção,

até que um dia, talvez, à anestesia vença.

ANESTÉTICO IV

pois nem ao menos posso sentir a gravidade

desse corte profundo que me rasgou a sorte

e nem a gravidade da Terra me traz norte,

mas tudo a meu redor mostra idêntica inverdade;

se ao menos eu sentisse um travo de saudade

ou então lamentar pudesse qualquer morte,

porém nada mais sinto do que esse feio corte,

que nem sequer lateja em plena inermidade;

que a alma não gangrena e nem tampouco dói,

porém fez-se insensível na sombra da aguardança

de algum alívio puro que nem sei mais qual é;

só sei que pouco a pouco o sentimento rói

e vai pulverizando cada caco de esperança

em mil brilhantes pontos sondando nova fé.

ARMADILHA PARA LOBOS I – 10 JUL 07

tem sido sempre assim, pensando bem:

enquanto não te vi, foi como não vivera;

despertei de repente e quase compreendera

o sentido da vida ao te perder também...

de novo nos achamos e foi uma surpresa

saber que, estranhamente, o tempo não passara:

dos dias afastados a vida me apagara,

ficando permanente apenas a certeza

de novo confirmada e outra vez, de novo,

que a cada encontro nosso o encanto ressurgia

e os laços entre nós seguiam se estreitando.

e como relutamos! sem crer os dois, que um dia,

pudesse rebrotar em singular renovo

o mesmo amor que estava, desde então, nos espreitando...

ARMADILHA PARA LOBOS II (21 dez 12)

qualquer dia a ciência comprova, sem demora,

a existência da alma; então, será um passo

para mostrar como se estende o traço

entre a alma que perdura e que o tempo não devora

e as outras almas afins, em singular espora

que as faz reencarnar e a repetir o abraço,

sem misticismo qualquer, segundo apenas laço

real e natural que ao sentimento doura;

não são exatamente as companheiras dalma,

porém aquelas presas em idêntica armadilha,

que faz amor pesar em muitas gerações

e súbito provoca, na mais perfeita calma,

esse reconhecimento da velha e longa trilha

que desde o antanho fez bater os corações.

ARMADILHA PARA LOBOS III

o corpo é vestimenta, que no final se esgarça

e permite facilmente o perfurar do frio;

desgasta pouco a pouco o violento brio

e a formosura torna em nada mais que farsa,

deixando a alegria, aos poucos, mais esparsa,

enquanto se acumulam as dores em seu rio,

enquanto se enfraquecem os humores de seu cio,

enquanto se consome, até a raiz, a sarça,

enquanto se olha em volta e se percebe a ausência

da vasta maioria dos antigos conhecidos,

plantados no jardim das sementes ressequidas;

enquanto vai crescendo em nós essa impotência

de o tempo interromper em seus passos compridos,

a vida a nos furtar das faces desgastadas.

ARMADILHA PARA LOBOS IV

que possa então amor ser gaiola de ternura;

não obstante, uma armadilha sempre é;

a permanência nele encontra antiga sé,

cadeia de almas presas na mesma ferradura;

e se há reencarnação, na noite escura,

se da permutação cada alma se faz ré,

os dentes dessa mola penetram nosso pé

e igual fraternidade entre nós dois perdura;

e quando as garras de aço os tornozelos prendem

não há como escapar de tal tenacidade,

que a pertinácia persiste na armadilha

forjada desde sempre por toda a humanidade,

a que todos os corações, enfim, se rendem,

marchando lado a lado na lenta e longa trilha.

E O MUNDO CONTINUOU I (22 DEZ 12)

No dia após o fim do mundo, cedo me levantei!...

Abri minhas venezianas, nenhum carro passava;

meus ouvidos apliquei, quase nada eu escutava...

Será que o mundo acabou e eu nem sequer notei?

Fui então ao banheiro, rosto e dentes eu lavei;

a água na torneira, ao menos, continuava;

também a eletricidade em nada me faltava;

soprava igual o vento, quando a porta destranquei.

Preparado o café, vesti-me para as ruas,

com dinheiro no bolso e mais contas a pagar:

precisas contribuir para o funcionalismo,

com boa parte da moeda pela qual lutas e suas,

para a fiel burocracia manter a funcionar,

com todas as mazelas de seu vasto implodismo.

E O MUNDO CONTINUOU II

Abri o meu portão, nessa esperança leve,

porque a rua em frente deserta continuava

e ninguém divisava na calçada que pisava...

Porém o meu consolo se fez bastante breve;

logo adiante enxerguei o que meu olhar deve

maugrado seu, reconhecer; que ali marchava

uma mulher que a seu trabalho demandava;

podia estar longe, mas a mente não se atreve

a negar-lhe sua presença. E se fosse apenas ela?

Se eu fosse um novo Adão e ela a nova Eva?

Mas que nada! Outros vultos, a seguir, já encontrei

e outros rostos entrevi, nas vidraças de janela...

O tempo continuava e só a minha vida ceva,

em seu lento roer, até que eu mesmo finarei...

E O MUNDO CONTINUOU III

Tentei me convencer que era eu que imaginava

e que, na minha consciência forrada de estupor

eu estava recriando o mundo a meu favor:

mas quanto mais andava, mais gente eu encontrava...

Alguns desconhecidos, outros que primeiro achava,

antes do fim do mundo, marchando com vigor...

E se o mundo imaginava, por que tanto calor...?

Bem menor temperatura o meu gosto desejava...

Ou que sabe havia morrido e criado o meu inferno?

Indulgente, talvez, no contar de meus pecados,

muito mais de inação compostos, que malfeitos...

Segundo dizem, há quem crie o próprio Averno,

tal qual no peito creiam mereçam castigados;

ou paraísos imaginam, a que julgam ter direitos...

E O MUNDO CONTINUOU IV

Mas ai de mim! Tais ilusões eu pus de lado...

Se quiser o fim do mundo, a morte esperarei...

Será um longo sono? Reencarnarei? Não sei.

(Só ficarei sabendo após caso passado...)

Mas por enquanto percebo estar ainda agraciado

por um mundo ao meu redor, no qual eu andarei,

enquanto as pernas possam, até que cansarei,

quando meus olhos feche, para o sonho desolado.

Minha última esperança é dois mil e trinta e sete,

quando a Terra roçará a sombra desse Apophis,

provocando maremotos, vulcões e outras marés.

Mas enquanto o asteroide aqui não acomete,

vou seguir trabalhando, (até estourar os bofes),

olhando em ceticismo as mais potentes fés...

MUNDO DO FIM 1 (23 DEZ 12)

Não me serviu de nada todo esse estardalhaço

Emocionado ao redor do terror do fim do mundo;

Não que tomasse essa ilusão em abraço,

Porém alguma coisa ver queria de iracundo,

Algo, talvez, de um palpitar profundo...

Não que acabasse a humanidade nesse passo,

Mas poderia descer algum disco rotundo,

Mil alienígenas mantidos nesse espaço

De (d)efeitos especiais, nesses encontros

Que já nos definiram como de Terceiro Grau...

O que custava ter surgido alguma nave...?

Ou que alguém me noticiasse outros recontros

Com uma Escada de Jacó formada por degrau

Que o conduzisse do Inferno à funda cave...

MUNDO DO FIM 2

Porém não nos surgiu sequer a velha Besta

Que lá no Apocalipse nos mencionou São João...

Não nos voltou Jesus Cristo, numa festa,

Justificando a antiga crença do cristão...

E nem ao menos Satanás se presta

A se mostrar, numa horrenda exultação;

O Anticristo foi dormir a sesta,

Nenhuma das pragas caiu em maldição...

É bem verdade o que falou Jesus,

Que nem Ele conhecera qual o dia

Em que haveria um novo Céu e uma nova Terra...

Mas poderia lá no céu brilhar a Cruz

Ou esse Crescente que Maomé dizia

Que a derradeira profecia encerra!...

MUNDO DO FIM 3

Há muitos anos descrevia Nostradamus:

Viria o fim no sétimo mês de Noventa e Nove;

Mas no sétimo mês... nada se move;

Nem sequer grande desastre registramos...

De Edgar Cayce ou Malaquias os proclamos

Para mim foram só tolice que se trove;

Não vi retorno de Wotan, nem de Jove,

Nem de qualquer Avatar de vastos planos.

Dizem que Newton calculou o Apocalipse

Para 2060, porque sendo um Anglicano,

Como Anticristo considerou o Trono Romano;

Partilhe embora de sua fé, não dou a tal Pontífice

O travo augusto da real demonicidade,

(Se bem que alguns demonstrassem sua maldade).

MUNDO FO FIM 4

Quiseram ver em muitos ditadores

A anticristandade da Revelação:

Hitler, Stalin, até mesmo Napoleão,

Nas profecias dos medievais doutores...

Um outro afirma serem reveladores

Os caracteres hebraicos que lá estão

No Velho Testamento, em multidão

De cem numerológicos esplendores...

Mas na verdade, são revelações após o fato;

Ainda não vi qualquer mistério ser cumprido

Em alguma data mencionada previamente,

Pois se manipularem para algum total exato,

Em artifícios matemáticos nutrido,

Qualquer profecia encontram facilmente...

MUNDO DO FIM 5

E assim se nutrem os espertalhões,

Convencendo a maioria a suas crendices;

Que acaba, ao repetir-se das tolices,

Acreditando nos discursos charlatães.

E assim recolhem dessas multidões

O pagamento de suas loucas estultices;

Tremem as massas perante suas momices,

Vendo bruxedos em seus corações...

O Rio de Janeiro, disseram, ia afundar

Lá pelo ano de mil novecentos e sessenta

E não faltou que cresse no Swami

Sri Sevananda, cujo firme proclamar

Foi tão vazio como qualquer outra senda

Que outro profeta para nós proclame.

MUNDO DO FIM 6

Na vida humana, se uma certeza existe

É que seu corpo, cedo ou tarde, morre;

Ou em golpe violento o sangue escorre

Ou ante a velhice, aos poucos, não resiste.

Porém o egoísmo humano não desiste:

Quer um desastre que sua saída forre.

É bem melhor que um fim-do-mundo torre

A Terra inteira, em que mais nada insiste,

Do que deixar o gozo de seus bens

Para os estranhos ou mesmo a descendência...

Certo prazer encontram que nos venha

A total calcinação de humanos gens.

Pois cada um procura a transcendência

No bem ou mal que o coração contenha...

QUIÁLTERAS I (24 dez 12)

Quando se ama, apenas sugestão

já basta para nos tomar de assalto;

o coração já fica em sobressalto,

laranja e gris se faz a inspiração.

Quando se ama, não é a excitação

que nos leva a pulsar nesse ressalto;

é bem mais claro que laje de basalto,

azul e cinza será o piso da emoção.

Quando se ama, se quer que seja breve

esse momento lilás em que se acaba,

para que seus precedentes longos sejam;

que outra memória carmim então se leve

nessa fogueira que não se menoscaba,

no crepitar das chamas que se ensejam.

QUIÁLTERAS II

Quando se ama, as cores se entretecem,

como as notas perdidas do piano,

como os gostos diluídos no reclamo,

como os odores em que as lembranças crescem.

Quando se ama, as dores não padecem

mais do que o som dolente do ciano

ou a magenta melancólica do plano

amanhecer de borboletas que nos descem.

Quando se ama, as fadas vêm dançar

na fímbria do desejo de um suspiro,

revestidas de dourado em cada giro.

Recamadas de prata em seu pairar,

enquanto a nuance invade o que respiro

e nuvens róseas algodoam meu andar.

QUIÁLTERAS III

Quando se ama, se encontra a perfeição

que em formosura faz luzir cada defeito;

quando se ama, há gestação no peito

de cada encantamento em brotação.

E essas medíocres notas que ali estão

são invocadas em solferino preito;

são lantejoulas recobrindo o leito,

cada centelha nova estrela em explosão.

Quando se ama, o universo se renova,

mesmo escutando os murmúrios da razão,

reconhecendo todo o ardil da sedução,

nessa imperfeita apoteose que nos mova

ao carmesim altar do instante de prazer,

quais longos círios de inconsciente renascer.

PRESENTE DE NATAL I (25 DEZ 12)

Meu coração eu te darei numa corbelha,

igual que rosas rubras em botão;

se não quiseres tão só meu coração,

eu te darei uma lágrima que espelha

o quanto sinto, ao contemplar de esguelha

os teus traços de amêndoa em brotação;

cada tristeza transformada num loução

brilho de amora pela saudade velha

de outras lágrimas que só a memória alcança,

só por querer parecer mais do que sou:

varilha em leque de toda a humanidade,

no ramalhete que meu peito libertou,

porque, afinal, pesado na balança,

também eu sou bem mais leve que a vaidade...

PRESENTE DE NATAL II

Nessa corbelha eu reunirei mais flores:

cada minuto de minha antiga devoção;

cada suspeita de malversação

de meus momentos de mágoa e de estertores.

Colocarei as gavinhas de estentores,

dos versos que escrevi sem compaixão,

na leve névoa que me tomou da mão

quando tua bruma segui, em meus pendores.

Darei tranças à corbelha com minhas veias,

palhas trançadas das artérias minhas,

nesse enroscar das mais suaves trepadeiras

com as simples margaridas em que leias

toda a ternura das horas pequeninhas

de tanto gozo que as queria derradeiras.

PRESENTE DE NATAL III

Colocarei os cravos da memória

para prender os hibiscos orgulhosos;

de hortênsia dez corimbos portentosos

e amentilhos de glicínia em plena glória,

para perfume a discrição peremptória

desses ramos de lavanda cautelosos;

as ametistas em trançados ponderosos,

como famílias em novena merencória.

E lá no meio, recobrindo o coração,

as buganvílias da mesma cor do beijo,

raios-de-sol de minha predileção,

entre as bromélias de bem mais raro ensejo,

na eucaristia da total dedicação,

quais íris roxas ardentes de desejo.

CORAÇÕES PARTIDOS I (26 DEZ 12)

Dizem que a ausência parte o coração

E o abandono ainda mais o despedaça...

Se amor foi grande, não existe o que se faça

Para impedir sua feroz esfacelação...

Para quem sofre uma tal desilusão

A própria alma em seu palor embaça,

Talvez só a morte do amor a satisfaça

Como castigo de quem desfez a sua paixão.

Quanto a mim, meu coração eu guardo inteiro,

Por mais que tenham provocado seu magoar.

Dei a mim mesmo o consolo de uma esmola,

Pois se algum dia sofrer um derradeiro

Golpe no coração, sei bem como o consertar,

As minhas lágrimas usando como cola...

CORAÇÕES PARTIDOS II

O problema de um coração partido

É que as pessoas só amam para si;

Dessas vezes em que amor real senti,

Foi para ela o meu fulgor mantido;

E estando assim no carinho revolvido,

Pela nãoretribuição eu nem sofri;

E ao acabar do beijo, prossegui,

Com certo alívio, por pouco ter perdido.

Porque o amor nutrido pela amada

Permaneceu intacto dentro em mim;

Só se quebrou o amor que a mim tivesse...

Desse modo, fui perder menos que nada,

Pois se o amor dela fosse pleno assim,

Não se teria findado igual que prece...

CORAÇÕES PARTIDOS III

Porém aquelas a quem, sincero, amei,

Perderam no final bem mais que eu.

O meu amor guardei, porque era meu;

E o amor que me não tinham, descartei.

De modo tal que, depois, nada esperei,

Enquanto quem esperava, mais sofreu;

Foi mais a pena delas que doeu,

Por esse resto de amor que conservei.

Dessa forma, inda que fora rejeitado,

Não foi meu coração que se partiu.

Só se arranhou um pouco, ao rebentar

Desse cordão de cobre mal dourado;

Só alguma gota de sangue ali surgiu,

Para o rasgão, em breve, coagular...

CORAÇÕES PARTIDOS IV

Mas desconfio que esse arame só cromado

Foi enroscar-se contra outros corações,

Talvez causando até ulcerações,

Na virulência com que foi cortado...

E por minha autoconfiança amortalhado,

Julgo sofreram maiores decepções,

No esgarçar de suas vaidosas ilusões,

Deixando um talho mal alinhavado...

Que esse cordão que antes foi partido

Teve de ser pouco a pouco retirado,

Causando cortes e pedindo operação...

Enquanto o meu em nada foi ferido,

Ainda que fique um tanto amargurado,

Só por carinho e uma certa compaixão...

BANHO DE ESPUMA I (27 dez 12)

Amor envolve igual que água de banho,

Cada centímetro da pele acariciando,

Até a derme em calidez tocando,

Até os órgãos que causam mais acanho.

Amor é o sabonete mais estranho

Que a carne inteira vai enovelando

E o perfume natural modificando

Para um frescor de impermanente ganho.

Mas passa o banho e, igual, amor se esgota,

O coração cansado e o corpo espesso:

A exultação se esvai qual o frescor se esfuma;

E amor paixão é o que mais breve embota

E se derrui, pois o alicerce, reconheço,

De todo o amor foi erguido sobre espuma.

BANHO DE ESPUMA II

Mas enquanto dura essa bolha de sabão

O amor é cristalino e cintilante,

Sua pele frágil de cores irradiante

E o amado rosto reflete da paixão;

E então se eleva, em branda flutuação

E no sabor do vento, vai confiante,

Até que explode, em momento delirante,

Seu coração impante de emoção...

Porém na água do banho de imersão

Continua a infusão de doces sais,

A carne satisfeita por tão pouco...

Enquanto, nessa imensa exultação,

O amor recente nascido do ademais

Toda a alma envolve nesse prazer louco...

BANHO DE ESPUMA III

Alicerçar uma casa sobre espuma

É o mesmo que pedir que ela desabe;

E alicerçar o amor sobre essa ruma

De emoções é desejar que logo acabe.

Sempre é preciso que a exultação nos suma

Para saber qual a certeza que lhe cabe;

Se um sentimento sobra e não se esfuma,

Só então de permanência então se sabe.

Mas como é belo esse voo de balão,

Em caleidoscópicas cores irradiado!...

Será que importa consumir-se em explosão

Ao não ser mais pelo vento sustentado?

Quem avalia essa bolha de sabão,

Sem ter o amor paixão experimentado?

ANESTÉTICO I – (10 JUL 12)

os dias vão passando em horas vãs, desnudas,

vazias de sentido, molduras só de espera,

traços de união somente, inquietações agudas,

enquanto não se cumpre, enquanto não se altera

de minha irrealidade essa aguardança morta:

percebo tudo em torno qual nunca houvera visto;

não reconheço nada, a mente não comporta

e toma como estranhos os gestos que me assisto

a praticar, tais como cenas de um romance,

os atos de uma peça, um filme que passasse,

porém que contemplasse tão só de indiferença,

enquanto a vida fica, suspeita num relance,

suspensa de teus olhos, tal como se contasse

uma história mal feita e envolta em minha descrença...

ANESTÉTICO II (28 DEZ 12)

nessa ausência de ti minha vida só suspeito,

as nuvens de algodão em plástico viraram,

meus passos que flutuavam, agora se afundaram

nesse colchão de água insuflado de despeito...

eu como e bebo, porém gosto não aceito,

que o olfato e o paladar de mim já se afastaram;

o mundo num papel apenas desenharam,

só escuto as repreensões a que ainda estou sujeito;

nessa ausência de ti, eu vivo em cinza escala,

apenas gradações do branco para o nada,

palpável só o negror de que ainda recuo,

vivendo em mim somente a mágoa que me embala,

sem sentir maciez ou o talho de uma espada,

apenas perceptível o rigor de teu amuo...

ANESTÉSICO III

é claro que prossigo em meu lento palmilhar,

mas não é que eu avance, é o tempo que recua,

numa esteira rolante, numa navalha nua,

que me corta em fatias, sem ao menos me magoar.

pois esta sua passagem me abstenho de notar,

envolvido que estou na seda dessa lua

que os sentidos me embota e nada mais estua,

sem que soe o coração ou narina a respirar,

que tudo se gastou na sombra dessa ausência,

no clorofórmio ácido do corte da paixão,

no éter persuasório da plena indiferença

e neles vivo ainda, imerso na paciência

do lento relembrar de respingos da emoção,

até que um dia, talvez, à anestesia vença.

ANESTÉTICO IV

pois nem ao menos posso sentir a gravidade

desse corte profundo que me rasgou a sorte

e nem a gravidade da Terra me traz norte,

mas tudo a meu redor mostra idêntica inverdade;

se ao menos eu sentisse um travo de saudade

ou então lamentar pudesse qualquer morte,

porém nada mais sinto do que esse feio corte,

que nem sequer lateja em plena inermidade;

que a alma não gangrena e nem tampouco dói,

porém fez-se insensível na sombra da aguardança

de algum alívio puro que nem sei mais qual é;

só sei que pouco a pouco o sentimento rói

e vai pulverizando cada caco de esperança

em mil brilhantes pontos sondando nova fé.