Em mim dormiam papoilas roxas de sangue ...

Em mim dormiam papoilas roxas de sangue

amarfanhadas. Feridas, as noites,

distraídas de serem dias,

ondulavam em madrugadas continuamente vagidas,

no choro silenciado do meu canto.

Gemidas, em monossilábicas palavras.

Velhas, estafada, gastas, escorridas

na carne putrefacta, rasgada, dos dias suicidas.

Rumorosos os ventos nórdicos, empapavam em gangrena

as pedras escorregadias das ruas, na lama

que, teimosamente,

subia do sopé ao planalto da montanha.

Liames recobriam na pele dos búzios e nas águas

os dias pardacentos,

em desenhos neutros d’alentos ...

O corpo espigava embrulhado no sexo das lágrimas

escoadas.

E na fronteira da campina, aranhas agigantadas

mordiam as bocas das cigarras,

aglutinadas nos ghetos armados de pedras das calçadas.

Tu chegaste!...

Trazias a claridade das labaredas disfarçadas de palavras...

E o doce das avenas nas tuas ternuras longas e serenas.

E o ímpeto movimento na plasticidade do vento ...

Todo o meu ser se preparou para o teu toque ...

extático de tão lento. O corpo encrespou a curvar convexo

o rio no horizonte. Torrente intempestiva brotou do âmago

de uma secreta fonte. Num cântico murmurante,

foste em mim, és agora um nómada viajante ...

És poema, meu eterno amante!

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 31/03/2007
Reeditado em 31/03/2007
Código do texto: T432262
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