O HOMEM SENTADO NA CALÇADA

Sentado na calçada os teus passos calaram a volúpia involuntária que há da unidade no ser homem.
O teu olhar fazia-me sentir a rejeição de um vago transpor-se pela ladeira próxima ao murinho do planalto íngreme entre as ruas da minha solidão.
Meu peito entrou em contraversão ao meu estado pobre e de natureza desventurada, que de tão bem expressar-se com o nada, pouco tinha a oferecer-te qual aquela parte de mim que se esvaia e morria dentre meu cerne de exuberância tola e insignificante.
O eflúvio do teu perfume esparramava-se na essência velha da minha carne de homem.
Senti-o estourando e estupefato, aniquilando toda a falsa verdade, numa calmaria refém à contrafação que apenas minhas trêmulas e acabadas mãos, numa espécie de ausência, poderiam explicar.
A carência de um grito desvairado pareceu-me mais inteligente e esta razão devorou meu ser apavorado.
Uma loucura branda e suave, que queria apenas gritar a verdade ditada ao meu vil coração, depois sussurrar quando a noite chegasse de mansinho e meus lábios pudessem tocar os teus.
Que esforço ser-me-ía mais complexo que o de aproximar-me dos teus cabelos negros e ondulados e num esforço, sorrir, numa angustia desesperada à passividade que me arrebatava os nervos e me fazia desejar lançar meu abjeto corpo abaixo a encontrar-se com o paradisíaco estar a teu lado? Ah! Naquela rua íngreme que passavas eu sabia nunca tê-la visto, e eu sabia de experiência, jamais a veria passar aquele caminho outra vez.
Ó palavras plausíveis de poeta, que se comovem e que choram diante de páginas inúmeras, como suspirava ares de esquecidas naqueles momentos cruéis. Como algozes citavam-me versos em branco e mesmo os meus olhos não encontravam os teus.
Então desejei o poder, que estabelece a ambição alheia do querer-se, que sorri à predisponência proeminente necessária que o caso requer.
Sonhei-me rico e excêntrico, loquaz e galante.
Vaguei-me palavras que se diziam num recital, e que os ouvidos pairavam para as ouvir. Sonhei-me no poder de ler as mentes, de voar, de agradar imediatamente.
E tudo que tinha de real era a passividade que se entalava num grito, num arsenal de guerra arrebatado, que dizia aos meus pés que caminhassem um pouco, e à minha boca que se pronunciasse por lei.
Penso até que é mais fácil ser mulher e esperar fragilmente as palavras e o olhar devorador. Não que isso ocorra em geral hoje em dia, mas em sua maioria ainda é assim.
Penso até o quão difícil superar um olhar suspenso ao acaso e que transita sem se perceber notado (não apenas o olhar, mas todo o corpo em sua dimensão) ou que se despede na indiferença de ter muitos aferes que de mais burros que o sejam, provocariam uma conversa casual mesmo que num atropelo de delinqüência verbal.
Difícil ao Sol esquecer-se do seu domínio, das sombras que produz num reluzente raio de luz no seu exercício de poder.
Difícil à Lua esquecer-se ensimesmada e elegante, do romantismo que as suas cheias produzem.
Difícil aos ventos, às brisas, aos amores interplanetários, aos sonhos galácticos de Saturno, olvidarem arrebatados, a grandiosidade que a beleza de seus anéis aos olhos lançam.
E quanto à Andrômeda, se esquecerá que de tão erma e silenciosa desperta o vazio algoz que atormenta os poetas?
Eles sabem do seu vago destino e da esperança que deixam e do poder que nos tomam num arremate, como o de conchinhas cantando sob as areias esbeltas, qual a linha do horizonte, que sorrateira e misteriosa num suspirar de “vou embora” produz.
Ah! Mas os poetas (há exceções, claro), os poetas... Não sabem-se seguros das suas belas palavras que somente a pós-morte lhe ocasionam... Lembranças dignas, e que a vida num quê de maldade os imputou, talvez pela intuspecção que o desventurar de óbvio nestes abrolham.
Se eu gritar, que serei senão louco? Se calar-me, por certo me terei por verme e se disser o não dito, serei doravante o mais elegante, todavia à procura de vagos versos pretéritos ou os que a mente me conduza, o que me tornaria no mínimo um ser desgraçado.
E a garota passava sem perceber-me, e eu destruía a passividade agressiva, aparente e contrafatora, dissimulada e fingida num ar de qualquer desdém.
Ah! Maldito padeiro, que mesmo feio (eu, lógico, bem aparentado e fisicamente superior) trazia consigo alguns riscos, traços de um familiar pato feio distante. Ah! Aquelas circunscrições que trouxeram aos lábios, aos da amada, que já se me perdia por entre os véus do fingimento, as palavras poucas que me fizeram ressurgir. “Não te conheço d’algum lugar, ó mocinho?
Oh! Bendito padeiro! Essas palavras eram completas, pois traziam também consigo a resposta que desta vez, a mente terna e de compostura poética, não me fizeram esquecer o que ao nada houvera preparar. Que agora propunha que as falasse não ao vulgo olhar perdido da aurora, quando despertando-se em seu leito, exalava o perfume insolente que trouxera consigo quando em meu peito travava as cadeias do vento, num doce néctar de vazio propositado à flor. Palavras que agora os vultos da inocência alvitravam-me a despir, diante tua face tão linda, que de tanto, abortou meu coração. “Eu te amo”. Amar foi o último verbete daqueles versos adornados pela tua doce presença, que te fizeram sorrir num ar malicioso, que te fizeram calar-se maravilhada. Por fim, merecia um pequeno, um pequenino beijo de amor que não me destes, porquanto era dia e o Sol fatídico nos observava furioso.
Você partiu, deixando saber que teu coração ali ficara e que me desejava para outro momento que não aquele, e isso trocou o sentimento que incentivava meu grito de ânsia.
Agora era a passividade novamente na contrafação, no fingimento do meu descontrole, que queria sim, um grito, um grito de amor...
jairomellis
Enviado por jairomellis em 01/04/2007
Reeditado em 06/04/2007
Código do texto: T433372
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