Cúmplice a Lua Cheia ...

Tenho lágrimas de sangue coalhadas nas narinas

e dos meus verdes olhos, espreitam pupilas assassinas.

O vento escorre-me ácido na garganta intensa dum tempo

sem palavras. Sem legendas.

Dos braços, soltam-se os raios que incendiaram a sanzala

e o corpo tem o registo do grito, da dor, do corte, do tronco.

Rouco, o guincho atravessa a a cor da luz,

move-se no fuso parco de um moinho de vento.

Sem velas! Sem fronteiras, espaços territoriais,

grunhem em mim e por mim

as vísceras ainda quentes dos estripados animais.

Sacrificados ao Templo dos Deuses, morrem a ritmos

lentos, morrem como eu, a cada momento.

Morrem na roda viva das horas. Mutilados, na voz silenciada

do pó das estradas, das casas sem paredes, das persianas

sem janelas. Aguarelas desenhadas à catanada

nos mangais bifurcados, rios de feras atolados.

Toldados, os teus e os meus sentidos

soltam-se em vagidos ritmados, reajustados,

na cadência da brisa em queda nas costas frias da terra.

Elevam-se os ritmos, os corpos incendeiam a fogueira

alaranjada das coisas revividas.

O suor mistura-se com a saliva.

Enterras a espada de guerra no âmago láctico de Geia,

nas profundezas da mais recôndita floresta primitiva.

Sobre nós, flutua agora cúmplice a Lua Cheia!.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 01/04/2007
Reeditado em 01/04/2007
Código do texto: T433621
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