Vives em mim

Vives em mim, peçonha adocicada,

num canto de insectos cativos e no lamento

dos rosnados dos animais acorrentados nos quintais

despovoados de desprotegidas quintas.

Aquelas em que, das frontarias às janelas, tudo

se recobre no verde silvestre dos silvados e o chão

se alimenta da raiz putrefacta das urtigas.

Vives em mim nas desfolhadas das eiras

quando as moçoilas raparigas apregoam na barriga das saias

a luxúria adivinhada do achar do milho-rei. Mulheres infusas

no desejo a rebentar os corpetes por cima das blusas.

Vives em mim na mão cingida e na palavra comprimida

que me retém, múmia, ninfa ou bela adormecida,

no redondel palco da vida, no auge dos teus braços.

Tomas-me tua, perpetuamente insana e nua, em gestos

inteiros e logo repartidos,

por dentro do frio coalhado dos sentidos.

Nos nevoeiros povoados de gaivotas. Agiotas!

Nesta mescla em que os meus ímpetos rurais cruzam nos

primitivos instintos, os teus acometimentos marítimos.

Quando os teus olhos trigueiros adivinham os meus cheiros,

para lá dos pesados reposteiros onde se acabrunham

magoados, todos os pretéritos fados.

Vives em mim, num latente estado

em que se cruzam anjos mensageiros

e demónios encarapuçados ...

Vives em mim ...sim!

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 02/04/2007
Reeditado em 04/04/2007
Código do texto: T434452
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