Se tanto és em mim ...

Se a cantar elevas em apologias ecuménicas d’amor

os meus passos extenuados,

na Primavera serôdia de uma descolorida Vida...

Se de desassossego e de espanto me envolves

em boreal, profícuo manto... liames, folhas acres

de moliços, de carumas, de sargaços ... novelos e enlaços...

Se desenterras de gavetas tão doridas e escondidas,

os sonhos, num sarar de feridas, de uma mulher-menina ...

Se me revoltas no vento do meu próprio envolvimento

e me desenhas nas fontes caravelas redondas,

refúgios coloridos, povoados de prazer ...

Se a cada madrugada e para lá da alvorada,

sou tua sem te ter ...

Que me importa a mim a roda muda que chora

o vazio enxuto nos baldes dos alcatruzes?

O balde devoluto?... O eco vagabundo?...

Se, neste jogo de luzes, nos espelhos e platinados

teces para mim diademas e me vestes de brocados?

Se neste louco balanço, dão-se os corpos, dão-se almas,

dão-se mãos e dão-se braços, se acertam os compassos

no descompasso e no despropósito do tempo a acontecer?

E quando lá no terraço, me projectas no balanço do baloiço

do vento? Aquele que construíste na macieira mais alta,

a tal de onde sorveste, no macerar da bruma, o fruto do pecado?...

E se na noite, subitamente derrotada, construíste a paliçada

e nela te ocultaste? E logo depois só a mim te revelaste?

Se em mim és tudo e nada, és afago e bofetada?...

E se espantaste no vento, no Inverno da vida,

andorinhas moribundas? As tornaste nómadas e viajantes?

Pássaros migrantes ...

Se me mostrastes os caminhos, varreste com mil vassouras

as dores que me enchiam mais que o caudal dos Oceanos?...

Se tanto és em mim, eu ... Poema, me ofereço rendida a ti!!!!

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 03/04/2007
Código do texto: T435746
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