Fala-me de ti

Refulgem projectadas no azeviche enxaguado

do pó de todas as estradas, flores ainda por nascer.

Migrantes, de um tempo resguardado, no

silêncio conchavado, no gérmen ou na semente.

Em que, reconhecida, só a voz!

A voz das coisas, esta que me sopra ao ouvido

e me faz olhar mais alto e mais profundo.

A voz, a respirar no rosto desconhecido onde nascem

os teus olhos. Irisadas gelatinas. Nas tuas pupilas

vitrais de estrelas debruçadas e nas sobrancelhas

erectas a amover trevas ancestrais.

Reconhecida, só a voz.... da palavra destilada,

conluiada. Tanto pó, tanto caminho ...

Fala-me de ti. Deste tempo em que foste

apenas cisco, seixos, búzios, areais ou correntes...

Deste tempo em que foste animal misterioso

Jaguar felino a adejar na flor marítima do mar ...

Fala-me de novo. Tenho todo o tempo do mundo

para te escutar. Fala-me dos seios lácteos e salinos

onde descansaste o teu corpo a navegar.

Que os quero amar. Que alimentado te trouxeram

de novo a mim. Fala-me desse Sol ávido e quente,

desse Sol alaranjado, esse que trazes colado

à tua pele, profuso. Fala-me desse tempo difuso,

em que sonhado, permaneceste a meu lado,

na boca verde do beijo e no relampejar do desejo...

Anda, senta-te aqui sereno a meu lado, neste alpendre

enfeitado, no beiral das espécies recrudescidas.

Oiçamos agora os seus chilreios. Maneios de novas vidas...

Fala-me de ti!...

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 04/04/2007
Código do texto: T436935
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