De que falaria eu, senão ...

De que escreveria eu, senão de ti, convenhamos, meu amor…

De que matizes delinearia laivos de cor

nesta opalina tela, senão de ti, senão de ti, meu amor?..

De que verbos decalcaria um poema, em cada dia,

com a noite bordada, senão de ti, meu amor,

fome e sede da tua amada?…

Se não de ti, meu amante, meu querido, sentido do meu sentido,

que me damejas em lonjuras infindas desde lá,

de antigas estradas?

Que me amas e me desejas e me envolves em auras

de dulcíssimas palavras?

De que escreveria eu, meu amado, senão da brandura

do teu colo vasto adivinhado? E da tua pele reconhecida

nas veias quentes de uma descolorida, inutilizada vida?

Senão de ti, meu dilecto amigo, meu cais imbricado

de um revoluto navio à deriva, sem destino?

Ah, meu amado, de que viveria a minha pobre poesia

senão da iluminura do teu olhar sobre o meu olhar absinto?

Se derivam de ti, todos os sentidos que sinto?

Se são teus estes olhos que me guiam, Galileus, tais faróis

nas noites sem luz, nas ignorâncias da madrugada?

E de ti sinto este vai vem de bailado?

(Que o teu corpo vagueia, dança, revoluteia,

em genésica, épica valsa - em noite de lua nova e lua cheia -,

distanciado e tão presente, sobre o meu, de forma persistente).

De que falaria eu, senão dos amplos gestos,

de torreões engalanados de afectos, dos teus beijos e afagos?

Senão das mais belas, fulgentes constelações,

soltas do teu peito amplo, em braços abrangentes?

De que falaria eu, meu amado,

senão de ti, fantasma de formas desconhecidas,

intuídas em todas as madrugadas?

De ti, que me és mar, maré e mareante? …

E das nossas bocas ogivadas, flamantes? Das nossas bocas

coladas? E dos gemidos ainda virgens, logo soltos, loucos, roucos,

do prazer dos nossos corpos reconhecidos,

provindos de outras vidas?

De que falaria eu, meu amante, senão do prazer de te ver

de boca escancarada, num sorriso triunfante de me saberes

tua mulher, de me saberes saciada, de alma e corpo tomada?

De te saberes ser de mim a parte e de ti eu a parte ser?

De que falaria eu, senão de nós, convenhamos, meu amor…

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 15/04/2007
Reeditado em 15/04/2007
Código do texto: T450152
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