Madrugaste em mim sem ter amanhecido

Deslizo na tua boca de vigílias agrilhoadas

em espinhos famintos de negras rosas

na dor imposta desta nossa distância.

Bebo do delírio coralino dos teus olhos

o vinho ébrio e o brilho falacioso

de prometidas d’alvoradas.

Viajante de um tempo sem memórias,

em arestas buriladas aos ventos do mutismo,

navegaste o meu corpo de amurada

em auroras despidas de claridade.

No entalhe d’artes emboscadas

falaste-me de ternuras, de sedas fartas,

resguardadas no porão da tua nau, em paliçadas,

e de uma planície alaranjada sucumbida em trilhos

calcorreados no trigo louro de fim do dia.

Cantaste-me a sede do meu corpo

num verbo desvendado, povoado de disfarce,

urdido em cometas e em estrelas diurnas.

Em espíritos fundos de saudade acesa.

Madrugaste em mim sem ter amanhecido

e partiste, ainda a noite respirava dia,

ainda a noite temia sucumbir em agonia

à fragrância sulfúrica do meu corpo

que, solitário,

tesouro não desvendado, ali morria.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 02/06/2007
Código do texto: T510580
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