E se tanto és em mim, ó meu amado

Em ti, amado, descansa o flato desta tarde

e a chuva miudinha dos meus olhos,

quando, numa só palavra, num gesto brando,

num gesto horto e criador, selas num beijo

as dores agudas duma jornada salgada de dor.

E as rosas mais bravias do jardim,

e os galhos ressequidos, crestados e quebrados

e os pássaros ressentidos, magoados, logo feridos,

agrilhoados na placidez algodoada dos ninhos,

reflorescem em intempéries de Arlequim

E as nuvens, uma a uma, a aragem lavam,

e das fontes se solta o verdor tenro d’ avencas,

no frenesi libertador de cismas e caprichos,

na cor virgem d' águas setentrionais

e, do topo daquela inopinada frágua,

sugas ávido o néctar descosido dos meus seios.

E os meus braços são abraços no teu

corpo e o teu corpo o meu divino porto…

E se tanto és em mim, ó meu amado,

e se em mim explodem desejos de mansinho,

e se do teu corpo, anseios, dragões de fogo,

que me guardam, moira encantada, em torreões,

em castelos e ameias - altaneiras e tão breves -,

se são só meus, todos os poemas que escreves,

ama-me agora, amado, nesta tarde, nesta hora

na melancolia incendiária de diferida tempestade,

numa dulcíssima ventura que, sem ti,

não encontro o céu estrelado,

sem ti amado, tudo venta, chuva e chora.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 04/06/2007
Código do texto: T513568
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