NA CIDADE DESERTA

As tuas asas caíram

do céu por brincadeiras

de gatinhos que pensavam

ser novelos de lã.

E com elas foste

percorrendo os caminhos

das cidades perdidas

onde o pó é feliz.

Eu fiquei a mastigar-me

até ser um cópia

exacta tua.

Sofres do sindroma

da tavola redonda,

todas espadas cortam-te

mas precisas delas

para te defenderes

de ataques exteriores.

Tudo te é insignificante

quando recortas o papel

e o fazes parecer

como a tua mão,

mas sem as rugas

que o tempo não apaga,

só realça.

Para ti todos os objectos

têm olhos e espiam-te,

conspirando para te tornar

outra pessoa, mais pura,

mais maleável como a plasticina

com que adoras brincar

tomando gosto ao poder.

A tua túnica verde

atrai os insectos

que tanto detestas

dando-me algo a seguir

no teu encalce.

Antes fosse dia

e não tarde como dizem

as gaivotas no horizonte.

No entanto há algo

que nunca muda em mim,

o amor, a coragem

de te seguir mesmo sem asas,

mesmo sem cavalos de pau

e aquela vontade de ser

uma lomba humana

para que atravesses

com toda a segurança.

Qualquer vestígio

de dor é prazer

se te fizer sorrir,

largar aqueles sons

estranhos e confusos

que me põem a olhar,

de cabeça inclinada,

para a tua beleza

e jurar que sou um deus

só por ter sido capaz

de te levar

a esse pequeno orgasmo

ausente de toque humano.

Voltas a permanecer

quieta servindo

os propósitos macabros

que te inoculam

contra os desígnios

que tenho a certeza

te irão apanhar

desprevenidamente triste.

A cidade está deserta,

é nossa para ser tomada.

Felizes para sempre...

Daniel Delgado
Enviado por Daniel Delgado em 08/06/2007
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