NA CIDADE DESERTA
As tuas asas caíram
do céu por brincadeiras
de gatinhos que pensavam
ser novelos de lã.
E com elas foste
percorrendo os caminhos
das cidades perdidas
onde o pó é feliz.
Eu fiquei a mastigar-me
até ser um cópia
exacta tua.
Sofres do sindroma
da tavola redonda,
todas espadas cortam-te
mas precisas delas
para te defenderes
de ataques exteriores.
Tudo te é insignificante
quando recortas o papel
e o fazes parecer
como a tua mão,
mas sem as rugas
que o tempo não apaga,
só realça.
Para ti todos os objectos
têm olhos e espiam-te,
conspirando para te tornar
outra pessoa, mais pura,
mais maleável como a plasticina
com que adoras brincar
tomando gosto ao poder.
A tua túnica verde
atrai os insectos
que tanto detestas
dando-me algo a seguir
no teu encalce.
Antes fosse dia
e não tarde como dizem
as gaivotas no horizonte.
No entanto há algo
que nunca muda em mim,
o amor, a coragem
de te seguir mesmo sem asas,
mesmo sem cavalos de pau
e aquela vontade de ser
uma lomba humana
para que atravesses
com toda a segurança.
Qualquer vestígio
de dor é prazer
se te fizer sorrir,
largar aqueles sons
estranhos e confusos
que me põem a olhar,
de cabeça inclinada,
para a tua beleza
e jurar que sou um deus
só por ter sido capaz
de te levar
a esse pequeno orgasmo
ausente de toque humano.
Voltas a permanecer
quieta servindo
os propósitos macabros
que te inoculam
contra os desígnios
que tenho a certeza
te irão apanhar
desprevenidamente triste.
A cidade está deserta,
é nossa para ser tomada.
Felizes para sempre...