A Lenda dos Estigmas da Rosa de Azafrán.

...Lembro das histórias

que ouvi na fonte espiritual de suas lembranças,

Secretamente guardadas como fábulas,

quando éramos crianças,

Sussurradas por seus lábios, como suaves sombras,

colados aos meus ouvidos,

Úmidas, contraditórias,

com seu paladar de musgo sofrido pelo forte cheiro do verão.

Cantavas então,

sobre o tom enigmático da primavera,

Correndo nos trilhos acolchoados

de sua breve chegada na estação.

Indagavam-me porém, curiosamente, sobre o que era...

I

Senti uma brisa morna tocar meus cabelos,

a deleitá-los intensamente,

Como fazem as criaturas no mar, acariciadas pelas ondas,

Do seu gosto perfeito e estrutura espiral

a rolar misteriosamente,

Flutuando no céu, como fazem as sondas,

Ou as folhas inusitadas cavalgando o vento

ao cair no chão.

Assim, abriram-se as tardes corrompidas

pela tempestade caída no leito,

Na visão das cortinas deliberadamente torturadas

pelos esquadros da janela,

Como a força do oceano rasga meu peito,

Mergulhando meu ser na integridade pura de sua compaixão,

Para que eu pudesse navegar

nos panos de suas roupagens soltas ao vento;

Feliz de tê-la de volta, solta, livre em meu pensamento,

Numa tarde “furta-cor” que finda nebulosa,

no caule suculento de uma luz esmaecidamente cor-de-rosa...

II

Como a visão desses canteiros amados por suas mãos carinhosas,

Que parecem resgatar meus beijos

em pinceladas saudosistas de Monet,

Onde se misturam peixes de luz embevecidos,

Aos feixes azuis descoloridos do entardecer,

Mirando um quente e radioso por de sol impressionista,

Mergulhado nas águas turvas do meu viver,

Para finalmente acordar pulsante

no âmago cristalizado de um molusco,

Como uma pérola brilhante.

III

Despede-se o sol

escrevendo um poema para a libélula antes de morrer,

Olhando firmemente em seu semblante,

A transformar suas cores

antes enaltecidas, em cinzas, depois de fenecer,

Negando-as com notório dissabor,

Pois, sabe que brevemente nascerá em outro dia,

Disseminando a melancolia das nuvens empoeiradas da ida,

Embarcando na fumaça melodiosa da partida.

IV

Alheio a volta de sua aparição seduzida por outra manhã fria,

De forma triste e engraçada

surge na figura de um dragão do mar em seu nácar,

Como uma ostra em sua pureza ambígua, escorregadia,

E o brilho lunar de seus reflexos de porcelana,

Nas costas humanas e feridas do seu coração,

Que, a cada chibatada na pele rubra e carcomida

lhe causa um vergão.

V

Eis que toma a forma dura de um feiticeiro,

Quando dita seus rudes provérbios em palavras bonitas e banais,

Onde a natureza de seus estigmas parece mais pura,

Fazendo dançar em sua poesia rimas de Azafráns virginais.

Sente então a sua sensibilidade segura,

Buscando sementes aéreas no afetuoso cio enamorado,

Da nobre poesia de suas frágeis asas,

Que tocam levemente o reflexo da superfície calma do lago,

Como uma terna libélula em seu cerne,

Na profundidade de sua alma ingênua carece,

De sobreviver ao ferimento frígido de seu corpo dolorido e denso,

Que se cura sob a doçura amável de seu afago,

E num passe de mágica, a dor desaparece.

Jamais se desespere em meio as sombrias aflições de sua vida, pois das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda. (ditado Chines)