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II - Filha ingrata?

Menina marota, cala a boca!
Teme? Abrevia o caminho!
Receia reencontrar teu passado mesquinho,
Receia descer no porão escuro... frio e,
Pisar tua infância de chão empoeirado e teto vazio?
É simples pequena, faz o que sempre fez...
Obedece, nega... desvia, não abre a porta!
Segue a ilusão de tua vida torta!

Recolhida a sua insignificância,
Prefere acreditar que sonhou,
Foi pesadelo, não viveu!
Não seria real algo tão cruel, impossível!
Nada mais, nada menos que mero dengo seu...
Talvez fruto de sua criativa imaginação,
Afinal, criança é capaz de cada invenção!

Assusta-se, tenta desfazer a tela, colorir com nova tinta,
Se empenha a menina, tinge, pinta, pinta...
Busca um cheiro, um gosto, um calor, uma cena, um sentido...
Um olhar que não seja de rancor... 
Não encontra!
Rodopia, entorpece... fica tonta!
Não há como negar... aceita os fatos, a verdade à desaponta...

Aceitar já não basta!
Há que purgar, purgar... até expurgar toda dor!
Cospe menina!
Regurgita, vomita, arranca a mordaça!
Desamarra o nó que te trancou a garganta,
Vai cospe fora...  fala agora!
Deixa pulsar, deixa sangrar, grita...
Extirpa os abcessos, os cancros purulentos a latejar em tu'alma triste!

Saudades da infância, histórias românticas?
Quem ousaria crer e infância tirana dizer? 
A menina recorda, dorme, acorda
Debate-se em pesadelos constantes,
Quem haveria de suas manhas compreender?

Seriam manhas, seriam dores... como saber?
Como falar de suas tristezas sem ofender?!
Outra vez desiste no meio do caminho,
Deixa o dito pelo não dito... o rabisco, pelo escrito e, nega, tenta apagar, desdizer!

Ah, mas o que pulsa na alma, pulsa, pulsa, até vir-a-ser!
Então inúmeras, repetidas vezes,
Encontra uma velha ranzinza a embalar lembranças,
Compondo o mosaico de sua poesia triste e,
Doridos versos, lentamente, segue a tecer...

Versos de dor,
Versos de indiferença, desafeto, raiva e amargor...
Em sua poesia, não há verso com cheiro de peito materno,
Com calor de abraço fraterno, 
Quiçá, versos de aconchego e colo paterno,
Não há verso de carinho e amor...
Sobejam versos de desamparo em gemidos de desamor...

Ah, infância maldita...
Quem te poetou bem escrita,
Ouviu a voz das crianças aflitas?
Acaso ouviu os lamentos que povoam as almas infantis?

Ah, menina insensata cresceu pensando-se ingrata,
Conheceu o peso da mão na força do chicote,
Na covardia da surra, as marcas do açoite...
Jamais conheceu o sabor de um beijo,
Tampouco interesse pelos desejos seus...

Feito um móvel qualquer, de madeira fria, insensível...
Quase invisível,
Não existiu, sobreviveu...
Emoção, sentimentos, vontades...
Necessidades, não!
Menina de bons modos, cale-se!
Isso são maus tratos ou caprichos seus?
Natureza semi-viva, semi-morta, aconteceu!

Infância de faz de conta,
De aparência simples e natural,
Acostumada a sorver sal e sal, do doce desconheceu o sabor
De tanto provar que era assim, convenceu-se, é normal...
Vestiu a pele de menina má, tomou a trouxa de suas vilanias
E, vilã de sua rotina, fez-se vítima das próprias tiranias!


Lembranças ficam, não partem
Os cacos, os cachos, os boletins,
Os vestidos das bonecas que se foram,
Ardem a céu aberto,
E o longe fica perto, muito perto...

De repente a menina ainda revive aqueles horrores e,
E, se pega de cabeça baixa,
A obedecer as mesmas ordens e seus rigores...


E quando choramingando vida afora anda,
Ainda choramingando, pergunta...
Por que mamãe, por que não me pões no colo,
Por que não acolhes teu nenén...
Por que me olhas de lado
Como não visse ninguém...
Mamãe não quero tua piedade,
Quero teu amor,
Por favor, não me olhes com desdém,
Preciso do teu olhar, perdoe-me mamãe...
Mas... preciso, por favor me enxergue, me ame, sinto que somente assim, serei verdadeiramente eu e, por fim me tornarei gente, serei alguém!








 
Gelci Agne
Enviado por Gelci Agne em 01/09/2015
Reeditado em 01/09/2015
Código do texto: T5367305
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