Esquivando-me da Saudade...

Eis que, de repente, percebo um dia,

O que não iria, jamais, perceber.

Até onde iriam percorrer meus olhos,

Ainda que sofra,

Pelo querer do meu pensamento,

Em esquecer cada momento triste

eu os deixaria,

Nas folhas dobradas,

Nas pálpebras cansadas,

Que nem o tempo poderá alcançar.

Escorrendo sobre os sonhos delicados

das loucuras descritas,

No o âmago suspenso de cada pauta

que a linha infinitamente , ainda, sustenta.

...e nem posso dizer amo,

Pois, eu mesmo não iria compreender

a razão do que te faria feliz.

Como diz a poesia do meu coração,

Ouvindo a voz que o tempo fez soprando,

e o vento trouxe, esplendidamente cantando,

quando entorna em meus ouvidos,

silvando candidamente em minhas orelhas,

Contando os detalhes de uma vida inteira,

Que amorna a visão da sua tez delicada

provendo tudo que eu tentei esquecer...

...algumas vezes, no caminho para casa,

No metrô, acima do barulho insuportável,

Estão os meus pensamentos em você;

Como o balançar afável da composição,

vago em meu coração que segue vibrando,

Partilhando cada estação,

Vendo as pessoas que entram

e saem da minha vida.

Algumas paradas na porta do nada

de uma existência que já passou...

Hoje, vejo os passos que dei,

Observando as ruas vazias,

sob os carros sombreando as calçadas...

Nem mesmo assim, talvez,

eu seja a pessoa que gira a cabeça,

procurando te encontrar na multidão.

Não sou mais eu,

não sou mais o meu coração que bate.

Desço a rua seguindo para casa,

Perseguido por uma estranha sensação

de que nada sou.

-"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade."-

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE