Se não foi por amor...
Serás como um papiro, delicado,
transcrito a mão,
Para o deleite dos meus olhos,
E o sabor que prova o meu peito,
Num ensejo secreto,
Que me corta ao meio,
Sem receio, sem temer-te,
Calcado e ensurdecido
pelo amor que não ama,
Mas dignifica, ainda que sedento,
A diferença do teu conceito de amar,
Sabendo o que é ter paixão,
Ao sentir-te apenas
na brevidade de um olhar,
Que a tudo diz sem palavras,
Traduzindo-me
no brilho entreaberto dos seus olhos,
Debaixo do piscar deserto
de uma ressurreição,
Diz-me mais do que uma ferida
a cicatrizar,
E curar atônito meu coração...
Ainda que esteja ferido,
Pisado como folhas sob teus pés,
E não tenha o que fazer neste entre sono,
Pois ficas numa paixão silenciosa,
Como um céu azul
a te vivificar por inteira,
Como a mulher que brilha a noite,
Entre as estrelas,
Na profundidade serena deste mar
em camadas azuis infinitas,
Em meio ao luar e seu reflexo fugidio,
De uma centelha bonita, transparente,
Qual sobejo
que somente ao meu espírito seduz...
Me diz então
sob a gravidez da chuva lagrimando,
Amamentando outra tez
de um outono triste,
Se não foi por amor
Por que te consumistes nas cinzas,
Se arrastastes pelo sono
entre as pontas afiadas desta ilusão,
Precipitando-me na doçura do fogo,
Onde és somente a chama
desse argumento,
Aguada pela pincelada doce
e rosada das flores,
Guiando-me por este caminho aflito,
Ainda que amado
Pela tua misericórdia e compaixão,
Mas, sempre flagelado por espinhos,
Quando sou apertado pelo toque gentil
das tuas mãos.