Apanhador de sonhos
As penas azuis dançam. O vento gelado de outono entra pelas janelas, dedilha sussurros no vidro trincado. O apanhador de sonhos não tem um parecer conspícuo em relação ao anoitecer.
Os olhos amanhecem úmidos, carentes por abrigo, fechados para não arderem em displicência.
Ainda é o mesmo lugar, a parede em tons melancólicos de inocência rasgada, a cama que resguarda o descanso procura manter-se sempre arrumada para se ter à impressão de que aquele sorriso ainda existe.
Revivo tantas mil vezes o último verso, provocante reticência, típico rascunho criacionista.
O sossego de que tanto implora a alma persiste nas preces. Pelo menos num sonho. Onde a realidade a contento se refaz. O medo pode ser grande, mas a coragem se sobressai nos mais tenros instantes de projeção, protegendo por instinto o desejo que lhe pertence.
Quando o peso do mundo tomba em meus ombros, sigo te sentindo, como se ainda fosse o meu anjo que segurando na minha mão me ajudava a suportar os momentos mais difíceis.
Imagine você agora que na escuridão da noite eu choro sentindo uma dor tão grande no coração.
Diz a lua:
— Sinto toda a sua força daqui onde estou. O brilho de seus olhos ainda existe e embeleza todas as flores em volta de seu jardim. Não importa quantas nuvens pesadas se abram. Pode estar tarde demais para que reconheça a inebriante fragrância do bem querer, a distância impossibilita que o brilho dos seus olhos me acolha na escuridão, mas ao alvorecer, juntamente com o novo dia, seu nome bem baixinho irei chamar, acendendo cuidadosamente o castiçal da paciência. O tempo não pertence, como você também não. Flui livremente o ciclo das águas, tal qual o meu amor que apenas deseja te amar e a sua felicidade acima de qualquer interesse de outra natureza que não seja o bem.
As noites seguem iluminadas pelas estrelas. Os botões de rosa amanhecem cobertos por serenas gotas de orvalho. São confidentes e ouvintes da lua, compadecidas com todas as lágrimas presas pelo pungente otimismo.
A orquestra sinfônica das constelações inspirou-se numa noite dessas a falar sobre tal amor tão puro e desprendido que nasceu para entrar na história e não ser apenas um gemido de dor em versos calculados para entreter uma plateia exigente, de compaixão tão carente.
O apanhador de sonhos balança, o sono da criança grande embala. O coro de anjos combina bem com as pétalas de rosas espalhadas pelo chão do quarto.
O caderno entreaberto deixou um mistério. Guardou ali o que os lábios não souberam dizer, mas o coração traduziu com fidelidade.
Nunca deixou de ser amor. Porque sempre foi. Até quando uma muralha de silêncio se ergueu, o verdadeiro amor aparecia nos sonhos, prometeu ali sempre estar.
Eles nunca se encontraram pessoalmente, mas já se amaram e nem sequer sabem que Deus é um sensível artista e capta a essência de cada sonho, esperando que os sonhadores sejam pacientes para receberem no momento certo a resposta que esperam.
Deus é a própria perfeição. O que é abençoado por ele tem o selo confiável da imortalidade. Nunca padecerá.
Um dia, seja quando for, esses humildes versos farão muito sentido. Terão uma direção. Não serão dois corações solitários e desencontrados, mas dois corações que batem com sintonia, entusiasmo e propósito, no compasso daquilo que os iguala diante de todas as diferenças.
Acredite que as penas azuis estão sinalizando o caminho para que não nos percamos outra vez. Os sonhos de amor nunca morrem!
23/05/16.